Furando o bloqueio contra o
politicamente correto
Ana Paula Henkel
Mesmo há alguns anos nos EUA,
meu Brasil não para de me dar alegrias.
Ter um espaço como este no
Estadão é muito mais do que mereço ou sonhei e, de coração, quero agradecer ao
jornal pela confiança. Aos queridos leitores e amigos, conto com a compreensão e
a paciência de vocês neste novo desafio.
Nada como estrear junto com
mais um título do Grand Prix da seleção feminina de vôlei e gostaria de
parabenizar meu querido Zé Roberto e suas meninas de ouro. Nossas campeãs
venceram a Itália por 3×2 ontem na China trazendo o título pela 12ª vez!
Participei das três primeiras conquistas na quadra e ver que o vôlei brasileiro
continua no topo é uma felicidade para mim!
Foi um longo caminho de
Lavras, no sul de Minas, até Los Angeles, cidade que cruzou meu caminho e que
me acolhe há sete anos, testemunhando incontáveis idas e vindas ao Brasil nesse
período. Hoje a Cidade dos Anjos aguenta pacientemente minhas crises de
abstinência das quadras e ouve minhas histórias de amor pelo Brasil. Aqui sou a
estudante de ciência política e arquiteta da UCLA, quase uma USP da Califórnia,
e também a mãe orgulhosa do Gabriel e uma brasileira que tenta explicar para a
minha família, vizinhos, clientes e amigos, um pouco do que acontece do lado de
baixo do Equador.
Além de universidades como a
UCLA, a que mais emprega vencedores de Prêmio Nobel no mundo, grande parte da
indústria do cinema e do audiovisual do planeta está aqui. É no Golden State
também que se encontra o Vale do Silício, sede de empresas como Facebook,
Apple, Google, Microsoft, Netflix, Twitter, Oracle, eBay, Intel, HP, Adobe,
Dell, Sony, Electronic Arts, LinkedIn e Yahoo. Até aí, nenhuma novidade. O
susto é quando se entende o que a atual geração de líderes empresariais está
fazendo com todo o poder conquistado no país da liberdade e do
empreendedorismo. O tal “progressismo” pode ser vil até na “land of the free
and the home of the brave”.
Um dos primeiros choques para
qualquer estrangeiro ao chegar é descobrir que o politicamente correto e o
“progressismo”, essa praga que infecta a política brasileira há tantos anos,
tem na Califórnia seu olho de Sauron. Quem acha que está aterrissando numa meca
do capitalismo logo percebe que as elites do estado formam uma casta de
hipócritas que choram pelo fim do tal aquecimento global e por regulações que
aumentam impostos e cortam empregos para o cidadão comum, enquanto poluem o ar
e o mar com seus jatinhos e iates, e refrigeram suas mansões consumindo mais
energia que o necessário para iluminar um vilarejo na África.
Uma grande parte do que o
mundo entende por indústria cultural e tecnológica, incluindo seus principais
meios e canais de distribuição de informação, tem origem na Califórnia, estado
mais populoso do país, e o que acontece politicamente por aqui costuma ter
reflexos planetários. Como moradora, posso garantir que isso não é exatamente
uma boa notícia para o futuro do Ocidente.
A Califórnia já foi fiel aos
ideais que construíram os EUA com uma respeitável história de alternância de
poder e pluralismo, mas hoje sua guinada para a esquerda parece irreversível. O
estado que deu dois mandatos de governador para Ronald Reagan (1967-1975),
pavimentando o caminho de um dos grandes presidentes da história para a Casa
Branca, é hoje uma mera lembrança. A vitória de Arnold Schwarzenegger, um
republicano “só no nome” que governou como democrata, serviu como canto da
sereia da sanidade na política californiana. O atual mandatário, Jerry Brown, é
um esquerdista de fazer nossos petistas parecerem moderados.
Ideias têm consequências. Por
aqui, temos algumas das mais altas taxas de impostos do país, o que está
afugentando empresas e investidores, incluindo a elite de Hollywood que faz
filmes e discursos lacrimosos na festa do Oscar, defendendo apaixonadamente as
pautas econômicas e sociais da esquerda, enquanto busca paraísos fiscais em
outros estados. Matt Damon, Di Caprio, George Clooney ou Meryl Streep, como
qualquer outro esquerdista, adoram impostos para os outros.
Os centros de ensino mais
importantes do estado, como a Universidade da Califórnia que frequento há 5
anos como aluna, são hoje palco das mais absurdas demonstrações de intolerância
contra qualquer pensamento fora do que é permitido pela extrema-esquerda
acadêmica. O campus de Berkley da UC, um dos mais conhecidos do mundo, é palco
comum de atos de vandalismo contra palestrantes não-esquerdistas, numa escalada
de violência que não pode mais ser ignorada e levanta questões muito sérias
sobre esta geração de formandos que pode influenciar o mundo nas próximas
décadas.
Minha intenção neste espaço é
discutir aberta e democraticamente o que acontece na vida cotidiana, nos
esportes, e na política americana e brasileira, com uma perspectiva de quem
acredita que muitas das experiências testadas por aqui podem servir de reflexão
para que possamos aprender com erros e acertos dos dois países na busca de um
futuro melhor para nós e para as próximas gerações.
Sei que existe um interesse
investido em parte da imprensa para caracterizar o governo Trump, que
evidentemente tem falhas, e o atual momento dos EUA, como algo diferente do que
é na verdade. Trump não é um presidente perfeito, mas existem mais viúvas de
Obama entre o céu e a terra do que podemos contar. Como moradora, imigrante
legal e cidadã americana, espero também poder fornecer aos brasileiros
informações muitas vezes negadas ou distorcidas em nome de agendas políticas
nestes tempos de pós-verdade. Visões binárias no estilo ou é Democrata ou é
Republicano, ou é PT ou PSDB, não condizem com as reais necessidades para um
amadurecimento político real. As boas ideias não entram no campo apaixonado da
cega dicotomia dos gramados de futebol.
Aceitei o desafio de escrever
esse blog porque acredito que é preciso cultivar o debate público
intelectualmente honesto, transparente e livre. Cabe a cada um de nós
contribuir ativamente para a discussão sempre em busca da verdade acima das
agendas partidárias e interesses imediatistas, especialmente num país com
problemas tão complexos como o Brasil.
O politicamente correto, nosso
inimigo comum, não é só um expediente autoritário e rudimentar, ele serve de
esconderijo para quem quer viver na Terra do Nunca e mascarar a própria
imaturidade com uma capa falsa de tolerância.
Aos bons e inquietos que
acreditam que qualquer mudança só virá da responsabilidade individual e de uma
opinião crítica e honesta, sejam bem-vindos. Nosso bloco está oficialmente na
rua.
Título e Texto: Ana Paula Henkel, Estado de S. Paulo, 7-8-2017
Muito bom. Obrigado Jim por nos dar conhecimento desta verdade...
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