Ana Paula Henkel
Com mais uma semana de
conflitos raciais nos EUA e a narrativa Rússia-Trump perdendo força, pelo menos
nesse momento, a máquina de propaganda do Partido Democrata, antigamente
chamada de imprensa, agora aposta, lamentavelmente, todas as fichas na carta
que se joga na mesa quando todas as outras parecem falhar: a carta do nazismo.
O nazismo é o mal absoluto,
sem meios tons, a soma de tudo de mais repugnante e assustador que a história
já produziu. O nacional-socialismo é preconceito, racismo, intolerância e
brutalidade em seu estado mais bárbaro, selvagem e desumano. As imagens dos
campos de concentração, dos corpos de milhões de inocentes empilhados ou
jogados em covas coletivas, são lembranças que nunca podem ser apagadas das
nossas memórias e de todos os defensores da paz e dos direitos humanos.
Para combater o nazismo com a
força e a eficiência necessárias, é fundamental não banalizar o uso do termo,
esvaziando seu significado e distorcendo suas características. Se todo mundo
que você não gosta é nazista, em pouco tempo ninguém é. Tudo que os neonazistas
da vida real mais querem é ser confundidos com participantes de outros
movimentos pacíficos e democráticos que pouco ou nada têm a ver com eles, dando
a impressão de que são muito mais fortes, numerosos e aceitos do que realmente
são.
Depois da Segunda Guerra
Mundial, praticamente todos os presidentes Republicanos dos EUA foram chamados
de “nazistas”. Até um herói de guerra como John McCain ou um missionário mórmon
como Mitt Romney eram constantemente acusados de nazistas pelo crime
inafiançável de concorrer democraticamente contra Barack Obama.
Ao sugerir que os eleitores do
Partido Republicano ou membros do Tea Party são fascistas ou nazistas, parte da
imprensa faz com que os menos de 10 mil membros da Klu Klux Klan e dos grupos
neonazistas do país se tornem muito mais difíceis de serem identificados,
isolados e responsabilizados por seus atos e crimes. Usar o termo “fascista” ou
“nazista” para designar qualquer um que não reze cinco vezes ao dia ajoelhado em
direção a uma foto de Barack Obama é criminalizar ao menos metade da população
que construiu o país mais livre da história da humanidade.
Os defensores do movimento
“antifascista” americano, ou “antifa”, usam a carta do nazismo atualmente como
desculpa para tudo: depredação de patrimônio público e privado, destruição de
estátuas, queima de bandeiras americanas, lançamento de coquetéis Molotov e
garrafas com urina na polícia, cerceamento da liberdade de expressão e
violência física contra qualquer um que não seja de esquerda (ou “anarquista”,
o eufemismo da moda).
Ao promover confrontos nas
ruas contra neonazistas, outra face da mesma moeda autoritária, os “antifas”
aproveitam para tentar destruir tudo que seja tipicamente americano, incluindo
a democracia, a liberdade, as leis e a ordem pública. Nada de bom sairá disso.
A única saída para combater a
intolerância é pela democracia. É cada vez mais difícil distinguir um “antifa”
dos fascistas originais, como os camisas negras de Mussolini ou os camisas
marrons de Hitler, ao menos para um observador não comprometido com um dos
lados. A máquina de propaganda continua a se referir a eles como “justiceiros
sociais”, “manifestantes anti-racismo” ou “contra discriminação”, mas em tempos
de redes sociais a tarefa de esconder a verdade do público já não é tão
simples.
Trump pode ser criticado por
suas declarações iniciais de forma racional e construtiva, evidentemente, mas
não foi o que se viu. O presidente foi acusado de ser complacente ou até
simpatizante de neonazistas por ter, durante os confrontos de Charlottesville,
condenado a violência dos “dois lados”. Na TV ouvimos que Trump não apenas
apoiava o movimento neonazista, mas que era um deles. É uma acusação grave
demais.
A filha do presidente, Ivanka,
se converteu ao judaísmo para casar com Jared Kushner, o genro cada vez mais
influente e visto como estopim da demissão de Steve Bannon na semana passada.
Os netos do presidente, filhos de Jared e Ivanka, são judeus. Trump é apoiado
pelo primeiro-ministro israelense e rezou no Muro das Lamentações em Jerusalém
em maio deste ano. Se Trump é nazista, já não se fazem nazistas como
antigamente.
Nós brasileiros conhecemos bem
os grupos que agem como “antifas”, os auto-denominados Black Blocs, desde as
manifestações de 2013. O grupo de mascarados arruaceiros vestidos de preto foi
recebido nas páginas de jornal com a mesma simpatia na época. O apoio só se
encerrou depois da trágica morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por
um rojão na cabeça em 2014. Se são estes os guerreiros “antifascistas”, o mundo
precisa urgentemente de alternativas.
A parte mais visível dos
movimentos “antifa” hoje é a que tem como agenda a derrubada de estátuas,
lembrando os “justiceiros sociais” do ISIS e os talibãs. Alguns políticos do partido
Republicano chegaram a dizer “vão acabar querendo derrubar estátuas de George
Washington e Thomas Jefferson”, ambos donos de escravos. Como não se pode
subestimar a estupidez humana, alguns ativistas começaram a pedir a retirada
das estátuas destes que são dois dos mais importantes americanos de todos os
tempos. Até uma estátua de Abraham Lincoln foi vandalizada.
A desculpa oferecida pelos
justiceiros sociais para derrubar estátuas é proteger os negros das duras
lembranças da escravidão. Em resposta, o eterno astro da NBA e membro do Dream
Team de 1996, Charles Barkley, declarou sem meias palavras que nunca se preocupou
com estátuas e que as prioridades da comunidade negra americana são outras.
Num recado direto aos
ativistas de porrete ou teclado na mão, disse: “não vou perder meu tempo
pensando se quero derrubar estátuas pelo país ou não, pra mim elas nunca foram
importantes, e se você perguntar à maioria das pessoas negras, elas te dirão
que nunca pensaram nessas estúpidas estátuas um dia sequer na vida. Vou gastar
meu tempo me preocupando em fazer coisas boas para a minha comunidade, para o
mundo. O que nós negros precisamos fazer é concentrar em conseguir boa educação
e parar de matarmos uns aos outros nas ruas. Precisamos encontrar caminhos para
mais oportunidades econômicas para a comunidade negra. Esses são pontos
importantes na vida e onde gastarei meu tempo.”
A “violência do bem” é apenas
a nova face do mal e, como Barkley deixou claro, não representa a comunidade
negra americana. Os justiceiros sociais, das ruas ou das redações, dizem
defender os negros, mas deveriam conversar mais com eles para entender melhor
suas prioridades.
Título e Texto: Ana Paula Henkel, Estado de S. Paulo, 21-8-2017
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