domingo, 27 de agosto de 2017

O paradoxo

Helena Matos

O que vai acontecer a Pedro Passos Coelho conduz-nos ao que se pode definir como o paradoxo dos líderes do centro nos nossos dias: servem para quê? Para discutir economês?

Entre o sol que ainda faz e a chuva que vai fazer, os incêndios vão finalmente extinguir-se, o país do interior vai voltar a ser o que deve ser – uma sucessão de aldeias pitorescas – enquanto o país das cidades retorna à agenda controlada por esse número de ilusionismo chamado governo que a todos promete mais. (A propósito que nome terá a próxima taxa/imposto para financiar a segurança social?)

Assim dispostos os elementos, António Costa tem tempo e disponibilidade para se dedicar a um novo ciclo político. Ou seja, vamos entrar no período em que, afastado o terror de que a Natureza imponha um imprevisto, o PS se prepara para resolver o espaço à sua direita. Ou mais propriamente dizendo vamos entrar na fase em que sábias e autorizadas vozes provarão, por A mais B, que há que resolver o problema Passos Coelho.

Retirar Passos Coelho da liderança do PSD é um dos desígnios de António Costa. Afinal Passos é o homem que o derrotou. Mas mais importante que o fator pessoal é o facto de Passos ter uma legitimidade própria e Costa querer à frente do PSD alguém cuja legitimidade advenha daquilo que a esquerda dele disser.

A isto acresce que com Portas afastado (e a apostar numa futura candidatura presidencial) Passos tornou-se na figura que está a mais neste tempo novo. E assim depois de ter marcado a política portuguesa com um não – aquele que o enfrentou a Ricardo Salgado, um não crucial não apenas para o caso BES em si mesmo mas para o próprio regime como se percebe a cada nova revelação sobre essa teia Salgado-Sócrates-Granadeiro… – Passos vai viver os próximos tempos sob o fantasma doutro não: aquele que muitos esperam, o PSD lhe dê.

Ora o que vai acontecer a Passos Coelho ultrapassa muito largamente o destino dele mesmo e conduz-nos ao que se pode definir como o paradoxo dos líderes do centro nos nossos dias: servem para quê? Para discutir o PIB? O déficit?

E da vida das pessoas podem falar? Não. Se o fazem são imediatamente apelidados fascistas, populistas, racistas… Não interessa sequer o que dizem ou defendem. Simplesmente não podem tratar esses assuntos. Mas a circunscrição da intervenção dos políticos de centro ao discurso sobre as finanças públicas e a economia está a passar-nos uma fatura muito cara.

Escola, família, segurança, imigração… precisam de ser discutidas. Mas os políticos de centro foram deixando esses assuntos nas mãos dos extremistas, no caso de esquerda. O resultado é o que se vê: todos os dias somos informados da criminalização de mais um comportamento seja ele real ou imaginado. Por exemplo, o Público jornal que é uma espécie de farol no lançamento das novas e novíssimas causas que nos vão infernizar a vida, informa que “Há uma preferência ‘óbvia’ dos senhorios em arrendarem casa a brancos. O Público fez um exercício de ‘testing’: três dos cinco supostos senhorios não trataram clientes de forma igual.”

Note-se que o Público telefonou para cinco pessoas e a partir daí construiu uma tese. É caso para dizer que nunca se concluiu tanto com base em tão pouco. Mas o pior vem a meio do texto quando se sugere que os telefonemas de testing deveriam servir como prova nos processos por discriminação. Por agora é apenas uma ideia tão extraordinária quanto o foi no início a perseguição aos turistas, mas quando for processado o primeiro reformado que investiu as poupanças da sua vida na recuperação de um andar na Reboleira porque não marcou uma visita a alguém com sotaque (para o testing valem todos os sotaques ou só alguns?) vamos então mostrar a nossa indignação? E se o senhorio ele mesmo tiver sotaque também se coloca a questão do racismo?

O monstro que deixamos criar para alegadamente corrigirmos comportamentos e a passividade quando não o entusiasmo dos políticos de centro perante este alucinado exoesqueleto legislativo são bem significativos do beco a que os políticos de centro se deixaram conduzir a si mesmos e aos seus eleitorados.

Na semana que passou foram os livros da Porto Editora a servir de pretexto para um caso que só mostra como as editoras de livros escolares dependem do poder político. Na próxima tudo indica que a PT/Altice seja a empresa a ter de se render à evidência que ou cumpre os desígnios do primeiro-ministro ou nunca mais terá sossego: muito oportunamente a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) detectou mais de 100 infracções laborais na PT e mais oportunamente ainda o PCP exigiu que o Estado controle de novo a PT. Durante quanto tempo aguentarão os proprietários da PT/Altice esta pressão de inspeções, ameaças de greve e invectivas do próprio PM? Ou mais precisamente quando farão como os senhores Pedrosa e Neelman que aceitaram reduzir de 61% para 50% a posição que tinham ganho na privatização da TAP?

O que faz a oposição no meio disto? Espera que se desmorone a contabilidade governamental? Foi uma táctica possível no passado. Agora é manifestamente insuficiente. Não sei se Passos quer ou consegue romper com esse papel reservado aos líderes da oposição, mas alguém tem de o fazer.

PS. Aconselho a que se revejam as fotos da manifestação de repúdio pelosatentados de Barcelona. Procurem um cartaz que condene os terroristas. Ou até o Estado Islâmico que reivindicou a autoria. Encontram-se cartazes contra Espanha, contra o Rei, contra o governo de Espanha que não tem competências sobre a segurança na Catalunha e contra a venda de armas, coisa assombrosa quando se sabe que os terroristas usaram facas, automóveis e botijas de gás. Também havia pelo menos um cartaz contra a islamofobia. Contra os terroristas eles mesmos e contra o terrorismo é que é difícil encontrar. E claro muitas papeletas a dizer que não têm medo. De facto não devem ter. O medo faz parte da sobrevivência.
Título e Texto: Helena Matos, Observador, 27-8-2017
Marcações: JP

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