Cesar Maia
1. Supondo que o vetor orientador da
criminalidade é aquele que explica a maior rentabilidade entre todas as
modalidades, há que se perguntar que vetor é este e o que pode ter afetado a
lucratividade deste vetor. É claro que não há um só vetor, mesmo que o
principal se destaque, até porque a lucratividade é agregada, ou seja, soma
diversas modalidades.
2. Mas quando a principal modalidade é afetada,
a busca de compensações em outras modalidades – especialmente quando estas não
são concentradas - gera um espalhamento e exponencia a sensação de insegurança.
3. No final de 1994 e início de 1995, a perda
de controle da segurança pública no Rio de Janeiro sobre a criminalidade levou
a uma intervenção do Exército com ocupação contínua de várias comunidades. O
sufoco dado no tráfico de drogas fez o crime “vir para o asfalto” e a
criminalidade de rua –assaltos de todos os tipos- cresceu vertiginosamente.
4. A repressão de contato feita pelo exército
levou a uma autocrítica por duas razões: a) o exército é treinado para ocupar o
território inimigo e para liquidar a força oponente, o que não é caso de
comunidades cujo território é municipal e a imensa maioria dos moradores quer
paz e torcia pelo sucesso do exército. b) a repressão de contato aumenta em
muito o risco de contaminar os que reprimem, como mostra a experiência em
outros países, como o México.
5. O Exército saiu e a alternativa foi trocar o
secretário de segurança e iniciar um ciclo altamente repressivo por parte das
forças policiais, com significativo aumento da mortalidade dos delinquentes,
acuando o tráfico de drogas e a criminalidade. Com isso, ocorreu um refluxo em
relação aos chamados crimes de rua. E o tráfico de drogas voltou a liderar as
modalidades e retornar às comunidades que serviam de base a seu mercado.
6. Agora –outra vez- numa curva que cresce e
depois exponencia, a partir de fins de 2015, há um descontrole na segurança
pública e um aumento da violência e da criminalidade. O secretário de
segurança, como se pudesse ter previsto, programa sua saída depois dos JJOO e
de um ciclo de exaltação de ações de segurança pública de uma nota só, com as
chamadas UPPs.
7. E mais uma vez o Exército é chamado a entrar
nesse processo, reprimindo e inibindo a criminalidade fora de controle. Mas a
experiência de 1994/1995 levou a que o exército não repetisse – agora - o erro
de 1994/1995, quando ocupou comunidades numa repressão de proximidade, como se
fosse polícia, sem o ser.
8. E volta a pergunta inicial: o que mudou no
perfil da criminalidade para ter deflagrado esse novo processo de descontrole e
espalhamento?
9. A hipótese com que alguns especialistas
trabalham é que o vetor principal – ou orientador - da criminalidade no Rio – o
tráfico de drogas e em especial de cocaína - foi afetado e debilitou-se, seja
por razões de demanda, seja por razões de oferta.
10. De DEMANDA em função da crise econômica,
reduzindo o poder de compra dos consumidores e dos repassadores diretos. E
empurrando a maior taxa de desemprego dos jovens a buscar alternativas. De
OFERTA pela maior efetividade da repressão ao tráfico de drogas nas fronteiras
e nos corredores, até o mercado distribuidor – o narcovarejo.
11. Isso produz três efeitos. Primeiro, o
acirramento e radicalização pelo controle dos pontos mais lucrativos do
narcovarejo, desequilibrando áreas como Rocinha, Maré, Alemão, Jacarezinho,
Rolas..., entre outras. E desintegrando as UPPs. Segundo, a busca de novas
modalidades compensatórias, como o caso do roubo de cargas. Terceiro,
desconectando as pontas do varejo, da estrutura das “bocas de fumo”, lançando
os “aviões, olheiros e fogueteiros” no crime de rua, inclusive com armas
brancas.
12. Se estas hipóteses são efetivas, o problema
é similar ao de 1994/1995, só que agora em muito maior dimensão, em função dos
fatos narrados nos itens 10 e 11. Se é fato que a repressão no atacado tem
produzido melhores resultados, esta é uma boa notícia. Mas sua articulação com
a estrutura dos crimes deveria ter levado as polícias a se organizarem para
enfrentar as novas situações que vieram como desdobramento.
13. E – sendo assim - há que redesenhar o perfil
da segurança pública, de forma a enfrentar as novas situações criadas de fora
para dentro. Ou seja, se a razão de origem desse novo quadro não é o fracasso
da polícia, o fato é que a partir do novo desenho do crime e da falta de
antecipação, compreensão e agilidade para enfrentar este novo momento, a
responsabilidade passa a ser alocada à polícia.
14. E o Exército e as forças federais darão uma
enorme contribuição conhecendo bem este novo momento, estes novos perfis
conjunturais, e atuando de forma complementar e interativa com as polícias,
inibindo os poros que foram abertos pelas circunstâncias. Por isso, não é
figura de retórica quando o secretário de segurança afirma que a polícia está
sangrando e a sociedade está sangrando, figura que ajuda a entender que esses
sangramentos não serão contidos por simples bandagens.
Título e Texto: Cesar Maia, 25-8-2017
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