Helena Matos
“Da luta de classes à luta pelo melhor
escalão” é o papel reservado ao povo nesta revista à portuguesa que tem como
estrelas a Catarina dos ultimatos, o Jerónimo dos provérbios e Costa, o
habilidoso.
Um dos espetáculos mais
deprimentes do mundo é o mau teatro. Ver um mau filme até pode ser divertido.
Mau teatro é dificílimo. Até dói. Torna-se constrangedor. Uma pessoa tem
vergonha de estar a assistir àquilo. Não sabe onde meter-se…
Não, não vou escrever sobre o
denominado apoio à cultura e muito menos sobre a comissão informal que, segundo
anuncia a própria, “derivou” da reunião das “perto de 50 estruturas teatrais e
140 artistas” pois, por mais derivas que o assunto tenha, a verdade é que as
verbas afetadas às perto de 50 estruturas teatrais mais aos 140 artistas e à
derivada comissão informal devem seguir direitinhas para os bolsos de António
Costa, Jerónimo de Sousa, Catarina Martins e em parte também para Heloísa
Apolónia. É certo que Heloísa Apolónia não representa nada nem ninguém no
verdadeiro e eleitoral sentido da palavra, mas mantém viva a tradição do ponto:
o PCP diz e os Verdes repetem.
Quanto aos verdadeiros
artistas – António Costa, Jerónimo de Sousa, Catarina Martins –, o apoio é mais
que merecido pois não só mantêm em cena com assinalável sucesso a peça “Vamos
fazer de conta que está a correr tudo bem” como, na velha tradição da revista à
portuguesa, adaptam os quadros aos diferentes momentos. Assim temos nos dias
festivos os quadros cantados da unidade de esquerda. Quando as coisas correm
mal Catarina e Jerónimo protagonizam quadros mudos que muito contribuem para
fazer brilhar o momento dramático de António Costa. Por fim temos a fase do
“vamos lá fazer de conta que as diferenças ideológicas que nos separam são
superiores à nossa comum determinação de nos mantermos no poder”.
É nesta fase que agora nos
encontramos. E assim, muito apropriadamente, tivemos nas últimas semanas esse
extraordinário momento teatral da “Catarina do ultimato”, com a própria a
gritar para Centeno “tem até sexta para recuar na revisão do défice”. Num tom
menos histriónico seguiu-se-lhe “o Jerónimo do papismo” acusando “Governo de
ser “mais papista que o papa” em matéria de défice”.
A sequência terminou como era
mais que esperado com “António Costa, o hábil”, a fazer-se ora de inflexível
ora de chefe condescendente com os seus parceiros de esquerda, lembrando-lhes
com bonomia que não têm razões para descontentamento.
Nesta sucessão de quadros e
artistas já ninguém se lembra do ultimato (o tal que terminava na sexta-feira!)
pois com notável sentido de oportunidade tinha sido agendada para esse mesmo
dia a votação sobre a mudança de género aos 16 anos.
Valha a verdade que esta
também foi uma votação encenada – uma espécie de fantochada, portanto – porque
os votos foram contados pelo número total de deputados de cada bancada e não
pelo número de deputados presentes. Cabe perguntar se o Presidente da
República, que em 2001 questionou a validade da votação de Lei de Programação
Militar por causa da forma como os votos então foram contabilizados, não tem
uma palavra a dizer em 2018 sobre a desvalorização do parlamento inerente à
prática da contabilização dos votos por bancada?
Na semana que vem teremos
novos quadros revisteiros. O 25 de Abril que aí vem será um ótimo pretexto para
os verdadeiros artistas voltarem ao quadro inicial dos amanhãs que cantam, mas
que podiam cantar mais se o PS “avançasse no seu compromisso com a esquerda”.
Quanto ao povo o papel que lhe
está reservado nesta peça é o habitual em todos os estatismos: de declaração de
rendimentos na mão – ou mais propriamente da falta deles – a tentar provar o
seu direito a aceder aos serviços ditos universais do Estado dito Social e
naturalmente agradecer a quem governa a sua sensibilidade social.
No fim acabaremos todos como
aqueles pais que dão moradas falsas para inscreverem os seus filhos nas escolas
públicas que consideram melhores: não se contesta, diz-se a tudo que sim e
depois mente-se um pouco e corrompe-se outro tanto para conseguir aceder aos
apoios, benefícios, isenções, programas, escolas, hospitais, rendas acessíveis…
“Da luta de classes à luta
pelo melhor escalão” é o papel reservado ao povo nesta revista à portuguesa
enquanto a Catarina faz ultimatos, o Jerónimo repete provérbios e o Costa faz
de líder das esquerdas.
Face a este repertório
revisteiro o que têm de mais aliciante para oferecer as “perto de 50 estruturas
teatrais e 140 artistas” mais a comissão informal que deles “derivou”?
PS.
Certamente porque andaram ocupadas a reivindicar a libertação de Lula da
Silva nem a CGTP nem a UGT tiveram tempo e cabeça para denunciar o que
está a acontecer ao patrimônio da Segurança Social na cidade de Lisboa. Nos
mesmos dias em que as duas centrais sindicais portuguesas arrancavam as vestes
por Lula da Silva, o presidente da CML, Fernando Medina, anunciava habitação
“para mais de 1100 pessoas, entre habitação permanente e residências
universitárias, quartos para estudantes universitários.” Tudo isto graças aos dez edifícios que a Segurança Social atualmente ocupa
na Av. dos Estados Unidos da América, Av. da
República, Entrecampos e Alameda.
Espantosamente esta
municipalização do património da Segurança Social não causou qualquer pergunta.
Mas há muito para perguntar. Em primeiro lugar, qual o interesse para Segurança
Social em transformar o seu valioso património imobiliário em habitação social?
Esta não terá de acabar na degradação recorrente de muita da habitação social
na cidade de Lisboa, mas na melhor das hipóteses não dará prejuízo. O que
ganham os trabalhadores com esta afetação? E já agora, quais vão ser os
custos que a Segurança Social vai ter de suportar com as suas novas
instalações?
A utilização da Segurança
Social para fazer políticas de urbanismo seja investindo em habitação social o
dinheiro do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social seja
agora através desta municipalização dos seus edifícios permite fazer belas
sessões de propaganda, mas é um péssimo negócio para a Segurança Social.
Será muito difícil
perguntar aos dirigentes da CGTP e da UGT porque se calam perante este esbulho da
Segurança Social?
Título e Texto: Helena Matos, Observador, 15-4-2018
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