Alexandre
Homem Cristo
É razoável supor que os protestos
produziram dano efetivo na vida de Passos Coelho: antes havia três
universidades interessadas na sua contratação, depois dos protestos só uma
realmente avançou.
No início de março, o país
soube que, assim que abandonasse o parlamento, Pedro Passos Coelho [foto] daria aulas
em três universidades – duas públicas e uma privada. O ISCSP foi a primeira
instituição a avançar, contratando o ex-primeiro-ministro para leccionar
Economia e Administração Pública, com o estatuto de catedrático convidado.
Rapidamente estalou o verniz – protestos de académicos, críticas de políticos,
ebulição nas redes sociais. A discussão foi longa, justificou inúmeros ângulos
de análise e permitiu constatar o óbvio: o problema não era, como se alegava, o
estatuto de catedrático convidado, porque muitos outros políticos (nomeadamente
do PS) haviam recebido iguais convites sem despoletar um centímetro de
resistência. O problema era o ódio a Passos Coelho: a esquerda nunca lhe daria
paz, fosse qual fosse o rumo da sua vida profissional.
Aparentemente, funcionou: por
mais que se tivesse concluído que toda a discussão foi ridícula, que se saiba
só o contrato com o ISCSP avançou. Isto é, tanto quanto se sabe, as outras duas
instituições (uma pública e uma privada) desapareceram de cena. Ou seja, é
razoável supor que os protestos produziram dano efetivo na vida de Passos
Coelho: antes dos protestos havia três universidades interessadas na sua
contratação, depois dos protestos só uma realmente avançou.
A regra não-escrita é
conhecida: “quem se mete com o PS, leva”. E se Passos Coelho é um exemplo óbvio
e recente, existem muitos outros. Veja-se a onda de ódio que caiu subitamente
sobre Nádia Piazza assim que foi tornada pública a sua participação num grupo de
trabalho do CDS – insinuações, ataque à sua credibilidade, desrespeito total
pela sua decisão e pela sua perda pessoal. E uma mensagem clara: qualquer
independente que, como ela, colabore com críticos do governo PS será alvo de
retaliação. Recordem-se também as ameaças (físicas e profissionais) de que tem
sido alvo o juiz Carlos Alexandre, que lidera as investigações a José Sócrates
e a Ricardo Salgado, cujo objetivo não poderia ser mais claro: dissuadir quem
investiga. Ou, em escalas menos públicas, mas igualmente intimidatórias,
reveja-se como humoristas, jornalistas ou cronistas pagam o preço profissional
quando o seu trabalho tem por alvo figuras influentes do regime e do aparelho
socialista.
Dir-me-ão que nada disto é
novo. Certo: o PS sempre se considerou dono do regime e agiu como tal
impondo-se no controlo dos negócios, da comunicação social e das movimentações
na sociedade civil – afinal, não é um acaso que Sócrates tenha feito o que fez,
ao lado de quem fez e durante tanto tempo sem que uma alma o denunciasse. Mas o
ponto agora a reter é que, com as mãos dadas a PCP e BE, o domínio do PS não
enfraqueceu – pelo contrário, tem tudo para se acentuar, pela simples razão que
encontra ainda menos obstáculos.
É mais do que sabido que uma
das razões do ‘sucesso’ do atual governo está no controlo da contestação social
organizada – fator para o qual contribuem PCP e BE, diminuindo a crispação nas
suas estruturas sindicais e profissionais. O que menos vezes é assinalado é que
esse controlo da máquina do protesto não serve só para influenciar o ambiente
do debate político e a tomada de decisão quanto a medidas concretas. Esse
domínio do poder e do protesto organizado, estendido às redes sociais através
de contas (algumas anónimas) com milhares de seguidores, é também uma arma de
intimidação constantemente apontada a quem ousa desafiar os planos dos seus
titulares. A retaliação é implacável: acusações, pressões institucionais,
agressões pessoais e envolvimento da família – o que for necessário para, mais
do que abafar a mensagem, fazer o mensageiro pagar o preço. E, assim, lançar
também um aviso público: quem ponderar seguir pelo mesmo caminho fica a saber o
que esperar.
Do outro lado da barricada,
surge a pergunta que, goste-se ou não, é inevitável: valerá a pena passar por
isto, tornar-se saco de pancada e arriscar consequências pessoais e
profissionais? São muitos mais os que decidem que não, não vale a pena: basta
ouvir o que tantos empresários, políticos, jornalistas e académicos dizem em
privado e depois não repetem em público. Poder-se-ia, então, concluir que esta
máquina de intimidação funciona porque a cobardia é mais numerosa do que a
valentia. Por mais que tudo isso seja desanimador, o ponto que importa não é
esse. O verdadeiro ponto está na pergunta de partida ter de ser colocada: algo
está mal quando o poder se alimenta da intimidação e quando o exercício
concreto da liberdade ascende a ato de coragem.
Título e Texto: Alexandre Homem Cristo, Observador, 9-4-2018
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