sábado, 5 de maio de 2018

Saudades da adolescência

João Pereira Coutinho

Sobretudo dos mancebos sexualmente frustrados – tradução: toda a gente – que hoje me parecem cavaleiros da Távola Redonda.

Havia de tudo: os fantasistas, que gostavam de alardear as aventuras que não tinham; os desinteressados, que sofriam em privado as agruras da fome e depois simulavam em público desinteresse pelo assunto; e os científicos, que compensavam a ausência de ação com um estranho amor pelas ciências "duras" (digamos assim). Estes últimos dividiam-se, por sua vez, entre fãs do Star Wars e fãs do Star Trek. Por razões que sempre me escaparam, odiavam-se de morte.

Saudades da adolescência, disse eu? Reafirmo. Basta ler a prosa disponível sobre o atentado em Toronto, que provocou dez mortos e quinze feridos, e que terá sido cometido por um membro do movimento "incel".

O bizarro nome, que encontrei pela primeira vez no The Guardian, refere-se a um grupelho virtual que se identifica como "celibatários involuntários". E que, exatamente por isso, cultiva um ódio letal às mulheres que os ignoram (as "Stacys") e aos homens que as mulheres não ignoram (os "Chavs").

Um dos ídolos da turba é Elliot Rodger, que já tinha mostrado as garras na Califórnia quando matou seis pessoas. O móbil do crime foi não ter namorada.

O submundo "incel" considera Rodger um herói. É provável que Alek Minassian, o terrorista de Toronto, conheça igual consagração.

À primeira vista, eu pasmo com a irracionalidade destes monstrinhos. Mas, à segunda, não há nada de original no fenómeno: será preciso lembrar que o combustível do terrorismo é sempre o ressentimento?

A palavra tem um historial filosófico respeitável e é muitas vezes confundida com a prosaica "inveja". Não são a mesma coisa. Citando novamente Roger Scruton, o invejoso deseja algo que os outros possuem; o ressentido deseja destruir aqueles que possuem algo.

Escusado será dizer que a história, e em especial a história contemporânea, é um cortejo de ressentimentos – e Marc Ferro, em ensaio primoroso (O Ressentimento na História), deixou páginas que merecem leitura. Dos jacobinos franceses aos bolcheviques de 1917; do cabo austríaco com pretensões artísticas ao jihadista com pretensões apocalípticas, os ressentidos partilham o mesmo credo: uma vontade de destruir o espelho onde encontram o reflexo dos seus fracassos.
Título e Texto: João Pereira Coutinho, SÁBADO, nº 731, de 3 a 8 de maio de 2018

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