João Pereira Coutinho
Sobretudo dos mancebos sexualmente
frustrados – tradução: toda a gente – que hoje me parecem cavaleiros da Távola
Redonda.
Havia de tudo: os fantasistas,
que gostavam de alardear as aventuras que não tinham; os desinteressados, que
sofriam em privado as agruras da fome e depois simulavam em público
desinteresse pelo assunto; e os científicos, que compensavam a ausência de ação
com um estranho amor pelas ciências "duras" (digamos assim). Estes
últimos dividiam-se, por sua vez, entre fãs do Star Wars e fãs do Star Trek.
Por razões que sempre me escaparam, odiavam-se de morte.
Saudades da adolescência,
disse eu? Reafirmo. Basta ler a prosa disponível sobre o atentado em Toronto,
que provocou dez mortos e quinze feridos, e que terá sido cometido por um
membro do movimento "incel".
O bizarro nome, que encontrei
pela primeira vez no The Guardian, refere-se a um grupelho virtual que se
identifica como "celibatários involuntários". E que, exatamente por
isso, cultiva um ódio letal às mulheres que os ignoram (as "Stacys")
e aos homens que as mulheres não ignoram (os "Chavs").
Um dos ídolos da turba é
Elliot Rodger, que já tinha mostrado as garras na Califórnia quando matou seis pessoas.
O móbil do crime foi não ter namorada.
O submundo "incel"
considera Rodger um herói. É provável que Alek Minassian, o terrorista de
Toronto, conheça igual consagração.
À primeira vista, eu pasmo com
a irracionalidade destes monstrinhos. Mas, à segunda, não há nada de original
no fenómeno: será preciso lembrar que o combustível do terrorismo é sempre o
ressentimento?
A palavra tem um historial
filosófico respeitável e é muitas vezes confundida com a prosaica
"inveja". Não são a mesma coisa. Citando novamente Roger Scruton, o
invejoso deseja algo que os outros possuem; o ressentido deseja destruir
aqueles que possuem algo.
Escusado será dizer que a
história, e em especial a história contemporânea, é um cortejo de
ressentimentos – e Marc Ferro, em ensaio primoroso (O Ressentimento na
História), deixou páginas que merecem leitura. Dos jacobinos franceses aos
bolcheviques de 1917; do cabo austríaco com pretensões artísticas ao jihadista
com pretensões apocalípticas, os ressentidos partilham o mesmo credo: uma
vontade de destruir o espelho onde encontram o reflexo dos seus fracassos.
Título e Texto: João Pereira Coutinho, SÁBADO,
nº 731, de 3 a 8 de maio de 2018
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