Aparecido Raimundo de Souza
AGORA QUE TODO
MUNDO DESCOBRIU, não há mais o que esconder. Tenho um caso com a Arno. Coisa séria.
Afinal das contas, Arno não é uma moça qualquer. É diferente. Linda, bonita,
magrinha como gosto, os seios fartos, a bundinha empinada e, sobretudo,
despachada. Quando se liga no que precisa ser feito, de imediato, parece
grudada numa tomada de 220 volts. Não estou falando de uma jovem qualquer. Faço
referência à Arno, à meiga. A boneca gostosa dos ossos de pássaro em voos
rasantes ao redor dos meus devaneios. A que chegou silenciosa, trazendo ventos
amenos. Arno, a inimitável e ao mesmo tempo a estrepitosa melhor amiga de
mamãe. E de Ambrosina, nossa empregada. Até alguns meses atrás, ninguém sabia
da minha loucura. Coisa antiga.
Remonta esta insanidade, desde o dia em que papai a trouxe aqui para
morar com a gente. Tudo começou cinco anos atrás. Ambrosina, a nossa empregada, depois de
escravizar à pobrezinha, fazendo com que trabalhasse duro, lustrando os
assoalhos da sala e dos três quartos, lhe dava uma folguinha arrastando a
infeliz para o banheiro de serviço, colado à cozinha. Achei, depois de tanto
tempo, que era chegada a hora de atacar. Não perdi mais tempo. Era agora ou
nunca. Tomei coragem. Cheguei junto:
- Nossa “migo”. Estou exausta! – balbuciou a prestimosa assim que me
viu no umbral que acessava o repartimento.
- Dá pra notar... – respondi sem pensar em coisa melhor a ser dita.
- Ambrosina quer me ver morta e enterrada. Olhe para meu estado. Estou
me sentindo um bagaço.
Procurei ser franco o melhor que pude:
- Sinto pena de você! – Muita pena.
Arno me olhou com uns olhos compridos e marejados de lágrimas:
- Você?
- Sim! Por que o espanto? Não posso?
Arno armou alguma coisa para retrucar. No último instante resolveu
engolir o que pretendia me jogar na cara. Talvez achasse que me deixaria
nervoso ou mais abestalhado do que aparentava. Ponderou e mediu as palavras
antes de voltar ao diálogo:
- Pode. Claro que pode. Mas vocês, humanos, não têm sentimentos em
relação a nós. Fazem da gente escravas.
Trabalhamos pior que bestas de carga e, no final das contas...
- Ei, não fale assim. Sei que dá um duro danado. Não é de hoje que
estou de olho em você. Lá se vão cinco longos anos.
- De olho? Como assim?
Antes de responder, me ajoelhei aos pés dela, e, por pouco, não me
agarrei aos pedaços da sua dor:
- De olho, ora bolas.
- Ok! Desenhe...
- Sem condições... sempre tive problemas com os lápis, principalmente
os de cores variadas...
- Então fale.
- É que... deixa pra lá... esquece.
- Fale. Seja o que for se abra.
- Arno. Acredite em mim. Eu me... eu me... me apaixonei por você.
Arno caiu numa estrondosa gargalhada enquanto enxugava um fiozinho do
sumo lacrimal que ainda teimava escorrer pelo rosto. Quando se cansou de
cachinar, voltou a me fitar, desdenhosa:
- Quer dizer que temos aqui um garoto apaixonado?
- Me leve a sério. Por favor. Não brinque, nem duvide.
- Espera que eu acredite?
- Pergunte ao seu Rossi, o Escovão...
- O que o senhor Rossi Escovão tem a ver com isto?
- Ele sabe de tudo.
- Tudo? Tudo o quê?
- Abri meu coração para ele. Em quem mais confiaria?
- E por que ele?
- Porque seu Rossi é um senhorzinho em idade avançada. Sabe melhor que
ninguém destas coisas.
- OK. Vamos supor que eu acredite.
- Deveria. Falo a verdade. Como disse, são passados cinco anos...
- Tudo bem. Não importa. O que foi que disse exatamente ao senhor Escovão?
- Que me enamorei. Ou melhor, que me apaixonei por você.
- E ele?
- Achou normal na minha idade. A certa altura me confidenciou que anos
atrás, quando ainda era moço, caiu de quatro por uma jovem linda e simpática
geladeira que atendia pelo nome de Frigidaire.
- Quem diria! E ele ficou com ela?
- Não.
- Por...?
- Frigidaire era vidrada por uma criatura esquisita. Um tal de
Britânia. Segundo ele, um liquidificador metido a besta. Final das contas sumiu do pedaço e ninguém
mais soube dar notícias de seu paradeiro.
- E você acha normal um ser humano se apaixonar por um
eletrodoméstico?
- Perfeitamente. Afinal de contas, cá entre nós, você não é um
eletrodoméstico qualquer. É uma gatinha bonita, tem um porte elegante, dá conta
do recado sem reclamar...
- Interessante! Que mais?
- Quando não está trabalhando percebo que fica quietinha no seu canto.
Como agora. Não se mistura. É atenciosa, simples, e me parece...
- Continue...
- Ser portadora de uma tristeza muito grande que lhe machuca por
dentro. Um aperto que desespera e lhe deixa, às vezes, para baixo.
- Quanto a isto é verdade.
- Então, deixa eu me aproximar de você. Mais do que estou. Prometo que
não irei decepcionar seu coraçãozinho.
A esfuziante Arno se abriu num sorriso contagiante, todavia
consternado:
- Todos dizem a mesma coisa...
- Todos? Agora sou eu quem pede. Desenhe.
- Não saberia. Meus rabiscos são feitos enquanto passeio trabalhando
pelo chão da sua casa. São nestes assoalhos que todos pisam (inclusive você),
que deixo meus traços imaginários.
- O que exatamente?
- Bobagens. Sonhos, quimeras, coisas de uma boboca sem juízo. Tento
grafar, na verdade, uma espécie de marca, para que alguém me ache...
- Arno...
- Diga.
- Eu te achei e não só isto. Eu te amo!
- Vai passar...
- Não vai. É amor. Um amor incondicional. Tipo o de Roberto Carlos por
Maria Rita. Acaso se lembra deles?
- Ambrosina toca Roberto o dia inteiro. Daqui a pouco o CD aparecerá
furado. Se antes o Roberto não ficar afônico.
Rimos à beça, à apreciação desta observação.
- Arno, me deixa amar você.
- E como pretende fazer isto?
- Como todo homem apaixonado...
- Você é apenas um garoto.
- Completei dezoito, ano passado. Não se lembra? Você já estava aqui.
Eu tinha apenas treze quando você chegou com papai. Sei o que quero mocinha. E
quero você.
- Vamos supor... veja bem... ainda que hipoteticamente eu aceitasse a
sua proposta...
- Eu seria o cara mais feliz do mundo.
- E como me amaria?
- Deixa eu te mostrar...
Arno aquiesceu. Puxei-a por um dos braços e a levei para meu quarto,
espiando a cada passo dado, se Ambrosina, minha irmã Angélica, minha mãe ou até
mesmo meu pai não surgiriam, de repente, do nada, para nos dar um flagra e
“melar” o meu barato. Graças a Deus, deu tudo certo. A coisa saiu como eu
queria. No meu mundinho particular, encostei a porta. Na esteira da ansiedade,
coloquei a Arno deitada de barriga para cima sobre a caminha de solteiro.
Cerrei as cortinas. Liguei o som baixinho. Tirei toda a roupa e me deitei
completamente pelado ao lado dela:
- Nossa, para tão pouca idade você é bem despachado. Vai direto ao
ponto. É decidido. Sem mencionar o fato de que é igualmente bem-dotado. Parece
estar a perigo.
- Dá pra perceber?
- Ainda que eu fosse cega, com um negócio deste tamanho apontando para
o teto... aposto que se você mirar o ventilador, ele fará as pás girarem de um
lado para outro sem precisar acionar o interruptor.
Rimos destrambelhados como dois apaixonados prestes a se engalfinharem
nos prazeres do amor:
- Venha, Arno. Feche os olhos e se entregue. A partir deste instante
você será minha. Hoje e sempre. Farei de você a mulher mais amada deste
planeta.
Mamãe e Ambrosina e não só elas, minha irmã Angélica e papai não sei
quantas horas depois, me pegaram, ou melhor, nos encontraram na cama. Eu
dormindo e babando, a sono solto, despido das vestes, o lençol manchado de
suor. A pior cena, a que ninguém até hoje esqueceu.
Como uma rua acidentada, meu corpo jazia literalmente atravessado ou
sincronimizado à enceradeira, como se fôssemos um só. Com certeza, nesta hora,
minha alma em festa, viajava como um rei acasalado e fundido sobre a maciez da
pele inebriante e, claro, nos contornos enlouquecedores de Arno.
Título e texto: Aparecido
Raimundo de Souza, de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. 22-3-2019
Colunas anteriores:
Será que a carta do ministro Ricardo Vélez, da Educação, ainda “pega o tatu”??!!
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