Carina Bratt
Recebo em meu WhatsApp uma
crônica de minha amiga advogada e jornalista Ruth Manus, de São Paulo,
publicada em 19 de abril de 2017 em sua coluna “Retratos e relatos do
cotidiano”, parte integrante do jornal “Estadão”. Achei interessante passá-la
adiante. Apesar do tempo, mais de dois anos, acredito, as palavras de Ruth
estejam bem na moda e cairão como luvas de pelicas para certos filhos que
desprezam seus pais.
Ou pior, os maltratam e os
deixam em completo abandono. Aliás, textos como esses, nunca saem de moda.
Jamais caducam ou se perdem no tempo. Com o passar dos janeiros, se
solidificam, se tornam uma lição a ser seguida à risca. Sobretudo, se irmanam a nossa vida e se
transformam num aprendizado de vida. Ei-lo, pois, na íntegra.
”Quem deixou meus pais envelhecerem?
Meus pais não são velhos. Quer
dizer, velho é um conceito relativo. Aos olhos da minha avó, são muito moços.
Aos olhos dos amigos deles, são normais. Aos olhos das minhas sobrinhas, são
muito velhos. Aos meus olhos, estão envelhecendo. Não sei se lentamente, se
rápido demais ou se no tempo certo. Mas sempre me causando alguma estranheza.
Lembro-me de quando minha mãe
completou 60 anos. Aquele número me assustou. Os 59 não pareciam muito, mas os
60 pareciam um rolo compressor que se aproximava. Daqui uns anos ela fará seus
70 e eu espero não tomar um susto tão grande dessa vez. Afinal, são apenas
números.
Parece-me que a maior
dificuldade é aprendermos a conciliar nosso espírito de filho adulto com o
progressivo envelhecimento deles. Estávamos habituados à falsa ideia que reina
no peito de toda criança de que eles eram invencíveis. As gripes deles não eram
nada, as dores deles não eram nada. As nossas é que eram graves importantes e
urgentes. E de repente o quadro se inverte.
Começamos a nos preocupar
frequentemente de forma exagerada com tudo o que diz respeito a eles. A simples
tosse deles já nos parece um estranho sintoma de uma doença grave e não uma
mera reação à poeira. Alguns passos mais lentos dados por eles já não nos
parecem calma, mas sim uma incômoda limitação física. Uma conta não paga no dia
do vencimento nos parece fruto de esquecimento e desorganização e não um
simples atraso como tantos dos nossos.
Num dado momento já não
sabemos se são eles que estão de fato vivendo as sequelas da velhice que se
aproxima ou se somos nós que estamos excessivamente tensos, por começarmos a
sentir o indescritível medo da hipótese de perdê-los mesmo que isso ainda possa
levar 30 anos.
Frequentemente nos irritamos
com nossos pais, como se eles não estivessem tendo o comportamento adequado ou
como se não se esforçassem o bastante para manterem-se jovens, vigorosos e
ativos, como gostaríamos que eles fossem eternos. De vez em quando esbravejamos
e damos broncas neles como se estivéssemos dentro de um espelho invertido da
nossa infância.
Na verdade, imagino eu, nossa
fúria não é contra eles. É contra o tempo. O mesmo tempo que cura, ensina e
resolve é o tempo que avança como ameaça implacável. A nossa vontade é gritar
“Chega, tempo! Já basta! 60 já está bom! 65 no máximo! 70, não mais do que
isso! Não avance, não avance mais!”. E, erroneamente, canalizamos nos nossos
pais esse inconformismo.
O fato é que às vezes a
lentidão, o esquecimento e as limitações são, de fato, frutos da idade. Outras
vezes são apenas frutos da rotina, tão naturais quanto os nossos equívocos.
Seja qual for à circunstância, eles nunca merecem ter que lidar com a nossa
angústia. Eles já lidaram com os nossos medos todos de monstros, de palhaços,
de abelhas, de escuro, de provas de matemática ao longo da vida.
Eles nos treinaram nos
fortaleceram, nos tornaram adultos. E não é justo que logo agora eles tenham
que lidar com as nossas frustrações. Eles merecem que sejamos mais generosos
agora. Mais paciência e menos irritação. Menos preocupação e mais apoio. Mais
companheirismo e menos acusações. Menos neurose e mais realismo. Mais afeto e
menos cobranças. Eles só estão envelhecendo. E sabe do que mais? Nós também. E
é melhor fazermos isso juntos, da melhor forma.”
Complementando o que acima foi
dito pela minha amiga Ruth, me acode à memória aquela música de Ana Vilela,
“Trem-bala”. A certa altura da sua poesia, ela deixa bastante claro o seguinte:
“sorria e abrace teus pais enquanto estão aqui”. De fato. Amanhã, pode ser tarde
demais.
Título e Texto: Carina
Bratt, do Rio de Janeiro. 21-7-2019
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