Carina Bratt
Como o poeta português Miguel
Torga, “sinto o medo do avesso”. Melhor explicado com palavras minhas: sinto
estupefato assombro de tudo o que é contrário. O contrário, na prática se
sustenta por aquilo que não vejo ou que não posso tocar ou sentir, ver e usar
no dia a dia, como uma calça jeans, uma calcinha, um vestido, ou um par de
sapatos. O avesso é sempre um distante afastado que não se percebe o que existe
na sua integridade. Como um hostil essedário destituído do que se me apresenta como
uma coisa estranha, esquisita, difícil de decifrar.
O avesso, lado outro da moeda,
para mim, não é só aquela blusa que se vestiu de maneira errada, ou a peça de
meia trocada do pé direito quando deveria ser direcionada para o esquerdo. O
avesso vai mais longe à minha concepção de vida. É uma fumaça de neblina
espessa desenhando em meus sonhos, um estado mórbido de vícios redibitórios os
mais variados. O oculto traz para o cotidiano, uma sacola de situações
paradoxais difíceis de serem entendidas e acertadas. Situações que sempre se
colocam na antítese pendendo o fiel da balança para o lado que melhor lhe
interessa.
Existem (nesse oposto),
distorções inconcebíveis, inaceitáveis, espantosas e anormais. Particularidades
que chamaria de “adversantes da hora agá”, ou seja, tudo aquilo que nos coloca
entre a cruz e a espada. Metadeados entre o padre e o confessionário, sufocados
entre o sim e o não. Espremidos como azeitonas encaroçadas em vidros de
conservas. Entre o querer fazer e não querer fazer, numa mistura heterogênica
tão fabulosa, mas igualmente tão desvirtuada e falseada que nos tira o sentido
correto na hora exata de escolhermos entre o jardim do Éden e o inferno de
Dante.
O contraposto é sempre o
pesadelo do desconforme. Eles não se entendem de maneira nenhuma. Às vezes chegam às vias de fatos por
picuinhas bobas, corriqueiras, que poderiam ser resolvidas se ambos, irmanados
em idêntica sintonia meridiana deixassem de lado as discordâncias, ou melhor,
se agregassem às ideias num só objetivo-fim, ou se tornassem unha e carne,
carro e gasolina, perfume e essência. Enfim, seriam prepósteros por afinidade
consanguínea. Por tudo isso eu confesso sinto receio do avesso. Notadamente
daquele paranoico que não se inclina a meus caprichos.
A cada dia que vivo, essa
cisma ingente se multiplica por mil. O antônimo me confunde as ideias mais
brandas e banais. Me tira a concentração do sério. Me põe em risco iminente de
entrar num colapso sem volta, tipo não saber distinguir o “mau”, antônimo de
bom, do “mal”, dissímil de bem. De qualquer forma, continuo aqui, tentando
manter o foco. Bebendo, sorvendo a goles poucos, o silêncio quase sepulcral que
vem da noite lá fora e me traz o ópio das horas entediantes. Para não morrer
totalmente de tédio, aproveito e espio para o meu amado.
Deitado ao meu lado, nu em
pelo corpo esbelto, coberto aqui e ali, pelo brilho incandescente de uma
constelação qualquer, ele dorme. Isso me anima a fechar os olhos, me
aconchegar, de leve, sem fazer barulho, e imaginar, na verdade viajar ainda no
mesmo trilhar de Miguel Torga.
“Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho, tem lá
dentro um passarinho
Novo”.
Título e Texto: Carina
Bratt, da 17ª FLIP – Feira Literária Internacional de Paraty, Rio de
Janeiro. 14-7-2019
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De um pedaço de mim que nunca morre (parte UM): A cadeira de balanço
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