Aparecido Raimundo de Souza
O AVÔ DE JULINHO, SEU LISBÓRIO, é um homem na
casa dos sessenta anos. Possui os cabelos grisalhos e o rosto bastante
enrugado. Viaja de ônibus leito, do Rio de Janeiro para São Paulo, acompanhado
de seu inseparável neto, um guri de seis
anos, esperto e tremendamente traquinas.
Em face do pequeno ser muito levado
e extremamente desobediente, ninguém aquenta ficar com ele. Em razão disso,
para onde seu Lisbório precise se locomover, leva, à tira colo, o alegre
ganapo.
Órfão da mãe, que morreu com seu nascimento,
desde então o cacafelho passou a ser criado e cuidado por esse avô. O pai da
criança, com o óbito repentino da mulher (filha de seu Lisbório), se mandou,
tomando lugar incerto e não sabido. Nunca mais deu as caras, sequer para saber
se o pirralho precisa de alguma coisa.
Dona Geringonçinha, a esposa de seu
Lisbório, mais nova que ele três anos, ajuda no que pode. A mulher ama o menino
como se filho de seu sangue fosse. Todavia, como o moleque se mostra levado da
breca e apronta todas, a velhota não lhe dá muita trela.
Seu Lisbório, maquinista aposentado
da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, em face de possuir algumas propriedades
de aluguel em Santíssimo, bairro situado na Zona Oeste do Rio de Janeiro, todo
mês carece estar presente na cidade maravilhosa e, claro, com ele vem o infante
sapeca de contrapeso.
Na verdade, apesar do avanço e da
disparidade dos anos, igualmente o espevitado ama o avô, gosta dele de
coração e, dentro das suas limitações de
criança, ajuda o velho quando o mesmo necessita de ajuda.
Ocupando as poltronas um e dois,
tardão da noite, enquanto o Tribus segue seu destino, o párvulo passa o tempo
sem pregar os olhos, se entretendo com seus joguinhos preferidos no celular do
avô. O longevo dorme à sono solto, roncando e babando. Meio da estrada, seu Lisbório acorda com
sede.
Espia pela janela e percebe, estar o
ônibus relativamente um pouco distanciado da parada Graal Alemão, em Queluz.
Para variar, aquela noite, em face de um acidente envolvendo duas carretas, a
Via Dutra se faz morosa e lenta, com ambas as vias bastante congestionadas.
—
Julinho, acha aqui na bolsa a caneca do seu avô e vai pegar água. Estou
com uma sede danada.
Obediente, o petiz sobe na poltrona,
alcança a bagageiro e dele retira a caneca acondicionada numa sacola de plastico
e corre, até os fundos, buscar o líquido precioso para o ancião.
Dois ou três minutos depois, retorna
com o recipiente cheio, até a boca:
— Toma, vô.
Seu Lisbório passa a mão na caneca e
toma tudo de uma só golada:
— Meu lindo, volta lá e enche de novo...
O pequerrucho não espera segunda
ordem. Sai tropeçando corredor adentro, se segurando entre as poltronas,
sumindo em direção ao banheiro. Não imprime delongas em retornar. Da mesma
forma que a primeira, o carunchoso vira tudo de uma só vez:
— Chega vô?
— Ainda não meu gatinho lindo. Sem
fazer muito barulho, me arranja mais um pouquinho. Cuidado para não perturbar
os demais passageiros, ou cair e se machucar, ou pior, dar um banho em alguém:
— Ta bom vô.
Julinho reaparece, e novamente
entrega a caneca ao senhorzinho que bebe com gosto e sofregamente:
— Se eu falar pra você que ainda sou
capaz de beber umas dez... Você faria a gentileza de ir lá, de novo, e atender
seu velho avô chato?
O miúdo ralha com o abrandecido
fazendo um gesto de contrariedade a estas palavras:
— O senhor não é chato, vovô. Eu vou
buscar quantos canecas o senhor quiser...
Julinho volta a desaparecer por mais
alguns minutos, todavia, desta vez, retorna ao ponto de partida com a caneca
vazia. O avô indaga o que aconteceu:
— O que houve, meu piá? Não me diga que a água acabou?
O rapazinho vacila antes de
responder:
— Fale, Julinho, a fonte secou?
Julinho, então, faz a revelação
surpreendente e imprecisa, o que deixa o avô literalmente furioso e
descontroladamente fora de si:
— Acabou não, vô!
— Então, por que não me trouxe a
água?
— Quando eu abri a porta do
banheiro, topei com uma moça sentada no poço!
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo, 25-8-2020
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