sábado, 20 de novembro de 2010

As utopias e o mundo real

Nunca haverá um mundo sem armas e infelizmente sem guerras. Quem acreditar nisso acabará dominado.
1. Pode um país fazer negócios com a Venezuela, a Líbia, a China e ser ao mesmo tempo um aliado de confiança dos Estados Unidos? Pode claro, e vivemos num deles. Não façamos confusões. Uma coisa é a necessidade de alargar a zona de comércio, de fazer nas exportações aquilo que qualquer consultor financeiro aconselhará a um investidor neófito: diversificar, diversificar - e sobretudo nos tempos que correm. Já o posicionamento estratégico, a visão do mundo e até as lealdades devidas ao percurso partilhado na história estão numa outra esfera. Se Portugal não tiver ainda ensandecido de todo, os homens que o habitam são, como Cavaco Silva e José Sócrates, aliados dos EUA; e na Europa, apesar da crescente força económica do "eixo" (Alemanha e França), privilegiam as relações com a Inglaterra. Não é preciso lembrar porquê. Mas há uma coisa que pode ser dita em defesa desta nossa aparente contradição económico-estratégica: quem estimula o comércio fomenta a paz. O desenvolvimento de uma rede de interesses muito mais complexa daque- la que o século XX conheceu, quando o mundo era bipolar (e já não é), torna-se um bom instrumento para enfrentar estes tempos de tensões. Quem faz comércio, fala. Quem tem interesses, contém-se. O Governo português tem apostado bem na abertura de novos mercados, acompanhado o esforço dos empresários e fazendo-o sem complexos nem o receio de enfrentar uma opinião publicada que às vezes parece assinada por pessoas que não só não vivem na Terra como não têm ordenados para pagar ao fim do mês...

2. A cimeira da NATO não é histórica por estar a decorrer em Lisboa. É--o porque foram tomadas decisões importantes, estratégicas, a dez anos, no seio de uma aliança militar que contribui para a paz no mundo. Certo: há gente generosa e ingénua entre muitos daqueles (não todos...) que acreditam que o mundo ocidental deveria baixar a guarda. Se não tivéssemos armas, se não estivéssemos organizados, o planeta seria um local idílico no qual todos viveríamos de forma fraternal. Por magia, imediatamente desapareceriam o terrorismo, as máfias, o fundamentalismo, os estados criminosos. Pura ilusão de romance! Não seria obviamente assim. Esta cimeira, tanto quanto a importância que dá à definição de uma nova estratégia e ao consequente desenvolvimento de um plano antimíssil que defenderá Estados Unidos e Europa, abre sobretudo uma nova era de aproximação à Rússia, o que é fundamental para a estabilidade global. A NATO, com isto, ganha ainda mais a dimensão de um ponto de convergência e não merece ser vista unicamente como um factor de tensão militar. Pese o esforço que deve ser feito no desarmamento ao nível do nuclear, acertemos nisto: nunca haverá um mundo sem armas e infelizmente sem guerras. Quem acreditar nisso acabará dominado. É da história e da natureza do homem.
João Marcelino, Diário de Notícias, 20-11-2010

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