quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A Fábula e os Aposentados

Almir Papalardo

Conta a fábula de Monteiro Lobato 'Os Animais e a Peste' que num determinado período no Reino Animal a peste dizimava os irracionais. Os animais assustados temendo ser o motivo da epidemia um castigo dos deuses, resolveram criar um tribunal para julgar e condenar uma fera ao holocausto. Esperavam assim aplacar a ira divina. O animal condenado deveria ser entre todos o mais cruel, o maior predador.

Todas as feras fizeram então suas confissões narrando as maiores atrocidades cometidas. Dentre todos os animais, feras carniceiras e assassinas, foi considerado culpado um pobre burrico pelo único crime de ter comido uma folha de couve da horta do senhor vigário. Assim, sacrificaram o infeliz burrico, apontado como o verdadeiro culpado pela propagação da peste. Moral da história: "Aos poderosos tudo se perdoa, aos miseráveis nada se desculpa", ou ainda: "A corda sempre arrebenta do lado mais fraco".

Exatamente é o mesma coisa que acontece com os aposentados. São considerados os únicos culpados pelo deficit que juram existir na Previdência. O único crime dos aposentados é receber proventos acima do salário mínimo, o que também pode ser comparado ao crime do burrico que comeu uma única fôlha de couve da horta do santo vigário. São os aposentados pacatos como o humilde burrico e igualmente indefesos, sem forças físicas e recursos financeiros para se defenderem.

São de fato os aposentados o lado mais fraco de uma contenda, fácil de manipular, de serem discriminados para que possam tranquilamente desviar das contas previdenciárias recursos para outras contas, não ligadas aos trabalhadores. Dizem que um dos desvios é para suprir o 'bolsa família', o que seria até muito louvável se fizessem o desvio de outras fontes, não prejudicando mais os aposentados. É o exemplo típico do provérbio popular: "falham ao usar um cobertor curto; cobre-se a cabeça descobrindo-se os pés".

Nestes últimos treze anos os aposentados que deveriam ser exaltados por tudo o que fizeram pelo crescimento do Brasil, são desprezados, humilhados, desamparados por autoridades acomodadas que deveriam fazer a justiça prevalecer, mantendo a qualquer preço a igualdade na distribuição de renda entre todas as camadas da população. A cota de sacrifícios deveria ser dividida igualmente entre todos os segmentos da sociedade. Não se pode melhorar o poder aquisitivo de uns aposentados tirando ao mesmo tempo de outros aposentados, diminuindo o valor de sua aposentadoria. Isto, socialmente, é no mínimo imoral! Falta inteligência nesses homens públicos!

Que setores, principalmente os dos poderes públicos com seus altíssimos salários, concordariam em ter todos os anos em vez de aumentos reais que tanto cobiçam, terem só reduções nos seus proventos? Claro, nenhum! Aí não convém mexer com outras categorias para não criar insatisfações e confronto de forças. Vamos então sacrificar os aposentados já que são improdutivos! Em outras palavras, são vagabundos!

* Que país é este em que o Congresso concorda com a desvinculação do reajuste de um terço dos aposentados ao  reajuste do salário mínimo, excluindo do perverso desvínculo os outros dois terços de previdenciários, embora todos os aposentados pertençam ao mesmo RGPS? Seria a mesma coisa se uma empresa idónea, coerente, corrigisse o salário de seus empregados aumentando com maior percentual os que ganham menos, punindo os que ganham mais com um percentual menor!   Será que não existiam parlamentares de visão que enxergassem que no futuro um achatamento brutal e desumano seria o resultado deste insano procedimento? Será que não pressentiram que o resultado final desta monstruosidade geraria uma inevitável insatisfação e revolta geral entre aposentados e pensionistas?

* Que pais é este em que os parlamentares alardeando a necessidade de conter-se gastos públicos, aprovam com a rapidez de um raio um reajuste para seus próprios salários, com um índice indecente de 62%, enquanto estipulam para o salário mínimo uma correção debochada de apenas 5,9%?

* Que país é este que a Câmara dos Deputados esconde projetos de aposentados que já foram há muito aprovados com unanimidade no Senado Federal? Cadê o entrosamento necessário para a soberania da nação entre essas duas Casas Legislativas? Uma discute e aprova projetos, e a outra, não admite nem sequer que estes projetos constem das pautas de votação.

* Que país é este em que não se procura corrigir as injustiças da justiça humana? Falta a boa vontade de fazer as coisas certas. A justiça humana é implacável contra os fracos e pequeninos, mas não é capaz de pôr as mãos num grande, num poderoso. Vemos homens públicos ao serem pilhados em falcatruas, em vez de serem punidos exemplarmente, são afastados mas premiados com aposentadorias especiais.

* Que país é este que empurra seus aposentados para baixo com o esdrúxulo argumento de melhor distribuição de renda com aumentos reais do salário mínimo, tirando entretanto do burrico/aposentado que ganha um pouquinho acima do piso, em vez de tirar dos verdadeiros marajás que estão sugando nas tetas do Brasil com super e indecentes salários? Um país que quer ser grande e justo tem que considerar seus idosos e crianças como cidadãos intocáveis!

É por isso que o ensinamento moral desta fábula pode perfeitamente ser adequado à história do aposentado. O nosso Monteiro Lobato deveria estar inspirado quando a criou: - Atirou no que viu e acertou no que não viu.
Almir Papalardo

Relacionado:
Os animais e a peste

3 comentários:

  1. Não achei oque realmente preocurava !!

    ass ; Barbara

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  2. Em 1985 um F/E ou segundo oficial da Varig ganhava de salário 2,5 vezes mais que um deputado federal brasileiro. A capivarada fez a ridícula constituição apelidada de cidadã em 1988, então as capivaras passaram a aumentar seus próprios salários. Aos dias de hoje significaria que os mesmos teriam salários de 400 mil reais. Sendo assim os tripulantes brasileiros (Anac) mostram que nesse período foram transportados 100,87 milhões de pessoas por ano, ou 2 vezes a população do país num período de 4 anos, tempo que a capivarada fica estagnada no congresso.

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