sábado, 8 de janeiro de 2011

O Caso Aerus sintetizado pelo Dr. Castagna Maia, em fevereiro de 2007

Rio de Janeiro, 09 de junho de 2009
Síntese do Caso Aerus
Castagna Maia
O fundo foi criado de forma absolutamente engenhosa e legal: além das contribuições de empregado e empregador, havia uma terceira fonte de financiamento, definida a partir de estudos de um Grupo Interministerial. Tratava-se de 3% sobre toda a venda de bilhetes aéreos domésticos no País. Esse percentual era obrigação decorrente do Contrato de Concessão firmado entre a União e as companhias aéreas.
A VASP - que é patrocinadora de outro instituto, de nome assemelhado - Aeros - Fundo de Previdência Complementar - tão logo "privatizada" solicitou não mais repassar a chamada 3ª fonte de financiamento. Alegou o DAC, em 1990, que se tratava de condição da concessão, ou seja, cláusula de cumprimento obrigatório, rechaçando a pretensão da Vasp. Alegou, ainda, que não era a Vasp quem pagava - tão somente repassava ao consumidor o valor relativo à 3ª fonte. Sete meses após , a Vasp novamente foi ao DAC e obteve, curiosamente, um ofício que dispensava todas as companhias aéreas de repassar a 3ª fonte. A mesma autoridade negou e, sete meses após, autorizou essa barbaridade. Aí há três problemas: a) não houve processo administrativo que permitisse ao Instituto Aerus opinar a respeito de sua própria sobrevivência; b) nunca competiu ao DAC opinar ou decidir sobre custeio de fundos de pensão; c) quem deveria fiscalizar, ou seja, a Secretaria de Previdência Complementar, silenciou completamente sobre o assunto. Assim, o Aerus teve simplesmente extinta uma das 3 fontes de financiamento.

Já em 1995 foi criado o segundo plano de benefícios do Aerus, o chamado Plano II, construído sob a modalidade de contribuição definida, e praticamente imposto ao universo de participantes. A moda dos chamados planos de CD chegou aqui pelas mãos das multinacionais de atuária. O problema não foi a implantação de um plano de CD: foi sua criação a partir de recursos do plano antigo, sem que o plano antigo assim autorizasse. Ainda mais grave: novamente foi quebrada a regra de custeio do Aerus.
A regra original previa um percentual da folha de pagamento a ser paga pela patrocinadora. Com a criação do Plano II, as companias aéreas passaram a adotar outro conceito: não mais a folha total de pagamento, mas a chamada folha de participantes. Ocorre, no entanto, que o plano havia sido formulado com o cálculo do seu custeio a partir da folha total de pagamento, e não da chamada folha de participantes. O procedimento - a quebra da regra de custeio - foi aprovada pela secretaria de previdência complementar, assim como a criação de um plano a partir de recursos de outro.
Já em 1998 a SPC autorizou a saída da TAM, que também era patrocinadora do instituto. Ocorre que o Regulamento do Aerus previa o APORTE em caso de retirada de patrocínio, e a SPC autorizou a saída da TAM retirando recursos do Plano. Novo baque na entidade.
Em 29.12.2002 - 3 dias antes do término do governo FHC - houve outra aprovação absolutamente espetacular pela SPC: aprovou o "estilhaçamento" dos planos de benefícios. Ou seja, anteriormente havia o Plano I e o Plano II. A partir de então, passou a existir Plano Varig I e II, Plano Rio Sul I e II, Plano Nordeste I e II, e por aí afora. Foram, portanto, gerados 19 planos de benefícios, se não me falha a memória. O mais extraordinário, o mais inacreditável: foi modificado o regulamento. Em cada um desses planos, a patrocinadora passou a contribuir com quanto quisesse, quando quisesse e SE quisesse. E, por coincidência, nunca mais quis contribuir. Ou seja, havia um contrato entre privados - participantes, fundo de pensão e patrocinadora. A SPC simplesmente autorizou que uma das partes não mais honrasse o contrato, que uma das partes passasse a contribuir de forma diferente. Isso ocorreu em todos os planos fruto do estilhaçamento.
Ainda mais: conforme você sabe, os fundos de pensão funcionam em regime de capitalização.
Nesse regime, acumula-se previamente, cada geração acumula os recursos para pagar a sua própria aposentadoria. Em determinado momento, a Varig não conseguiu honrar sua contribuição e pediu que fosse financiada por 12 meses. Não honrou, mais doze meses. Não honrou novamente, mais 36 meses, mais 10 anos, mais 20 anos. No total houve VINTE E UMA renegociações de dívidas entre Aerus e Varig, e OITO renegociações de dívidas entre Aerus e Transbrasil.
Ou seja, a lei exige regime de capitalização. A SPC, no entanto, aprovou um regime que chamo de "contratação", e não capitalização. Ao invés de aportar recursos, aportava contratos. E tais contratos nunca foram honrados.
Veja que não houve apenas omissão da União. Houve ação deliberada da SPC aprovando quebra de regras contratuais de forma unilateral, sempre em prejuízo do participante, ou seja, da parte mais fraca.
Justamente por isso foi ajuizada ação civil pública responsabilizando civilmente a União pela quebra do Instituto.
Dada a robustez das provas apresentadas, foi obtida a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, determinando S.Exa. Desembargadora Federal Neuza Alves da Silva que a União aportasse os valores necessários à manutenção mensal do benefício para cada assistido. Descumprida a decisão judicial, foi estabelecida multa diária por descumprimento.
A União ingressou com pedido de Suspensão de Liminar junto ao Supremo Tribunal Federal. Trata-se de recurso atípico, de uso exclusivo da União, Estados e Municípios, cabível quando houver, independentemente do juízo de mérito, possibilidade de dano à ordem pública, à saúde pública, à segurança pública ou à economia. S.Exa. Ministra Presidenta deferiu tão somente a suspensão da multa, sem afastar a decisão que responsabiliza a União.
Ou seja, a decisão permanece válida, a que responsabiliza a União dados os absurdos praticados, mas a multa diária que compelia a União a pagar foi afastada provisoriamente. Contra essa decisão foi interposto Agravo Regimental a ser julgado pelo pleno do STF.
O que houve, então, no Aerus? Houve fraude à capitalização, e essa fraude foi perpetrada pelas próprias autoridades públicas. Não houve apenas omissão: a União agiu, autorizou, aprovou, chegando ao cúmulo de criar a figura de patrocinadoras que nada patrocinam, ou seja, que não estão obrigadas a contribuir para o fundo. E os contratos firmados? Foram completamente ignorados pela União.
É essa a síntese da questão. As ilegalidades perpassaram diversos governos. Ao invés de recursos, ingressavam "contratos de refinanciamento". São as chamadas "operações mata-mata", absolutamente vedadas pelo Banco Central e vedadas entre fundos e suas patrocinadoras. A SPC, no entanto, aprovou cada uma das múltiplas renegociações. Houve fraude à lei, houve fraude ao regime de capitalização.
Há decisão judicial determinando a responsabilização da União. Foi afastada tão somente a multa diária. E a União permanece descumprindo a decisão.
Luís Antônio Castagna Maia
Fevereiro 2007

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-