Consta por aí que o clima de ciúme e rivalidade entre dois conhecidos directores de um não menos conhecido grupo português (que, nem que me torturem, direi que é de comunicação social) tem a sua singela origem no facto de um não se conformar com o facto de o outro ter um carro melhor. Sobre este episódio, faço meu o dizer dos italianos: si non è vero è ben trovato, pois a vaidade do português médio expressa-se em todo o seu esplendor no aparato do carro que conduz.
Impermeáveis à crise, em 2010, as vendas de automóveis de luxo dispararam no nosso país, com marcas como a Jaguar e a Porsche a registarem crescimentos recordes na ordem de 50%!
O facto de as contas da Carris estarem em pior estado do que o chapéu de um trolha não inibiu a administração de renovar a sua frota com BMW, Mercedes e Audi, de 45 mil euros cada.
Eu até compreendo o raciocínio. Não há comparação possível entre os largos milhares de pessoas que podem ver a marca do nosso carro e as escassas dezenas de amigos que convidamos para nossa casa e podem ler a assinatura dos quadros que decoram uma sala imensa apetrechada com um sistema state of heart de home entertainement.
O automóvel é tão sagrado para nós como a vaca para os indianos. De acordo com o Observatório Cetelem (grupo BNP/Paribas), 71% dos portugueses não imaginam como seria a vida sem automóvel - pior que nós, na Europa, só mesmo os belgas (87%).
Somos o país com maior percentagem de jovens que compram carros novos (20% contra a média europeia de 11%). Os nossos sub- -30 não só são aqueles que estão disponíveis para gastarem mais com o carro, como, ainda por cima, na sua esmagadora maioria (75% contra 57% no resto da Europa) declaram que só recorrem aos transportes públicos se não tiverem outra hipótese. E para o ano vamos ultrapassar os japoneses em número de carros por mil habitantes (583 contra 525).
Já toda a gente percebeu que não podemos manter a actual dependência do petróleo, mas a maioria dos nossos compatriotas não abdica voluntariamente do luxo do uso diário do carro, mesmo que isso implique queimar um ano das suas vidas a estacionar - e outro parado em engarrafamentos.
A solução é declarar guerra ao uso privado do automóvel. O próximo governo brilhará a grande altura se aumentar de forma drástica os impostos sobre os combustíveis, a venda e a circulação automóvel, imitar os espanhóis e baixar o limite de velocidade nas auto-estradas (que na prática é de 150 km/hora, pois ninguém é multado se não ultrapassar essa velocidade) e adoptar uma política severa de tolerância zero com os infractores - e investir o encaixe assim conseguido na reestruturação e melhoria da oferta do sector de transportes públicos.
Título e Texto: Jorge Fiel, Diário de Notícias, 07-04-2011
Edição: JP
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