sexta-feira, 8 de abril de 2011

As três guerras de Sarkozy

Foto: BBC

Não há memória de a França estar simultaneamente em três frentes de guerra: Afeganistão, Líbia e Costa do Marfim. As três têm um ponto em comum: é ao lado dos muçulmanos que Paris se bate. Parece paradoxal, tendo em conta a narrativa interna dos últimos anos, mas do ponto de vista político e eleitoral faz algum sentido.
No Afeganistão e na Líbia há duas condições que acomodam a acção francesa: um mandato claro do Conselho de Segurança - o palco que lhe confere um estatuto internacional acima do seu real poder - e uma missão da NATO com chapéu das Nações Unidas. Em ambas, os objectivos são terminar com o despotismo e criar condições a um desenvolvimento económico que condicione a insegurança nas fronteiras leste e sul da União Europeia. Não importa agora se estes objectivos são exequíveis ou não; o meu ponto é que a França quer estar no restrito leque de países que decidem e lideram estes destinos geopolíticos. Na Costa do Marfim, com quadro religioso menos homogéneo, Sarkozy apoia o líder muçulmano legitimado pelas Nações Unidas: reforça novamente com hardpower o papel do Conselho de Segurança, mostra não estar refém do seu debate interno, que é capaz de apoiar muçulmanos legitimados nas urnas, prolonga a sua influência na África Ocidental francófona.
Este apoio a movimentos e figuras pela democracia em países muçulmanos concede a Sarkozy a margem política interna para lançar o debate sobre o islão e as comunidades imigrantes até às presidenciais de 2012. Com a extrema-direita em ascensão, o actual Presidente precisa (infelizmente) que acautelar essa frente endurecendo o debate. Ao fazê-lo para consumo interno, pode acenar com a defesa de causas legítimas de muçulmanos na frente externa, podendo limpar a face depois de anos a apoiar gente pouco recomendável. Resta saber como estará a memória dos franceses para o ano.
Título e Texto: Bernardo Pires de Lima, Diário de Notícias, 07-04-2011

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