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O Presidente francês numa fotomontagem a partir de um retrato de Luís XVI
de Antoine-François Callet (1786).
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Dominique Moïsi
François Hollande poderá ter tido como modelo François Mitterrand – um
manipulador maquiavélico. Alguns terão desejado que ele fosse o Gerhard
Schroeder francês – um reformador firme. Mas, depois do escândalo Cahuzac, o Presidente francês parece cada vez mais um Luís XVI dos tempos
modernos – o rei guilhotinado pelos revolucionários.
Ao fim de cinco anos de crise económica e social, e sem que se aviste uma
luz ao fundo do túnel, os franceses estão a perder a paciência não apenas com
os políticos mas também com as elites. Tal como Luís, Hollande poderá vir a
revelar-se um homem vulgar, em tempos que não o são.
Privilégios das elites
considerados injustos
O Antigo Regime em França caiu, arrastando consigo Luís, quando os
privilégios da aristocracia deixaram de ser reconhecidos como a contrapartida
dos serviços prestados à sociedade. Hollande poderá, no futuro, ser visto como
vítima de uma revolta contra as elites modernas da França.
Hollande é, neste momento, a principal figura da aristocracia política,
que abrange a esquerda e a direita, e que perdeu o contacto com o resto do
país. Os seus “acordos entre amigos” eram aceites porque se considerava que
essa aristocracia dava um contributo positivo. Mas, hoje, em França, como por
toda a Europa, os privilégios das elites são entendidos como injustos. Essa
visão é uma das chaves, senão mesmo a grande explicação para a ascensão de um
populismo que tem o nauseabundo perfume dos anos de 1930. Ao contrário do que
então acontecia, não há potências estrangeiras a apoiar a esquerda dura ou a
direita dura. Os extremismos são alimentados pela fragilidade da economia e
pelos escândalos.
No fim do século XVIII, a Revolução Francesa constituiu um dilema para o
resto da Europa. Seria uma oportunidade única para tirar partido da
autoexclusão de Paris dos jogos de poder na Europa ou o espetro da revolução
constituiria uma ameaça? Hoje, a crise francesa é, acima de tudo, motivo de
preocupação em todas as capitais europeias – e particularmente em Berlim. Claro
que a França não é uma exceção: veja-se o caso de Espanha e da sua maculada
família real ou o caso do sistema político paralisado de Itália.
Crise vai além do escândalo de Cahuzac
Contudo, a França é diferente e potencialmente mais preocupante. A
"Grande Nação", conhecida por ter um Estado forte e ambições
internacionais, parece estar a ser afetada por nada menos que uma crise de
regime. É extremamente improvável que, do atual clima de deterioração, venha a
emergir uma Sexta República. No entanto, a crise vai além do escândalo que
rodeia Jérôme Cahuzac, que, no mês passado, se demitiu do cargo de ministro do
Orçamento. No exercício dessas funções, Cahuzac deveria personificar o rigor do
Estado francês – mas mentiu repetidamente sobre a sua conta bancária na Suíça.
Trata-se do culminar de um processo de alienação entre a população e as
elites, que se seguiu a uma série de quebras da confiança que os franceses
depositam no Estado. Em parte, isso reflete a incapacidade do Governo de
combater o desemprego mas, a um nível mais profundo, tem a ver com o próprio
desgaste da dignidade desse mesmo Governo. Quem mais contribuiu para tal foi o
antigo Presidente, Nicolas Sarkozy, ao misturar as esferas privada e pública.
Empenhado em restabelecer a dignidade do Estado, Hollande quer acima de tudo
acalmar e tranquilizar os franceses. Mas, ao navegar com excessiva prudência
entre a lógica dos mercados obrigacionistas (nada de políticas Keynesianas) e a
lógica interna do seu Partido Socialista (nada de medidas arrojadas no sentido
de uma maior abertura do mercado laboral), Hollande conseguiu precisamente o
resultado oposto. Promoveu um clima de expectativas negativas e de suspeita em
relação à eficiência do Estado.
Uma figura trágica
Teremos chegado ao auge da crise? Não necessariamente. Não é claro o que
poderá Hollande fazer para se reinventar a si próprio. Apresentou-se como um
homem normal para chegar ao poder nas eleições presidenciais de maio de 2012 –
talvez a principal causa da sua rápida queda em desgraça. Nenhum outro
Presidente se tornou tão impopular ao fim de apenas onze meses.
Perante a ascensão da extrema-esquerda e (mais significativa ainda) da
extrema-direita, a sua tendência natural de adotar uma política de esperar para
ver não será suficiente. Um novo Governo e, em especial, um novo
primeiro-ministro resolveriam o problema? Está longe de ser certo que assim
fosse.
Luís XVI era um homem honesto que tentou fazer o melhor pelo seu país,
mas que não se apercebeu de até que ponto o descontentamento popular era
profundo, não foi capaz de controlar a sua corte e acabou por se tornar uma
figura trágica, vítima de forças que a sua personalidade não estava preparada
para enfrentar. François Hollande deveria precaver-se contra um destino
idêntico.
Título e Texto: Dominique Moïsi, Financial Times, Traduzido por Fernanda
Barão, PressEurope,
11-04-2013
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Le Point, numéro 2117 - 11
Avril 2013
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