terça-feira, 23 de abril de 2013

Na China, o simples ato de respirar se torna um risco para a infância

Wu Xiaotian, de quatro anos, brinca em seu quarto usando a máscara que normalmente as crianças usam fora de casa, em função de seus problemas respiratórios associados à poluição do ambiente em que vive. Foto: Adam Dean/The New York Times
Edward Wong 
Em Pequim, o menino da foto acima, que hoje tem tosse crônica do menino e o nariz entupido, começou a apresentar sintomas respiratórios no ano passado, com 3 anos de idade. O quadro piorou neste inverno, quando a produção de fumaça jogada no ar ao norte da China bateu todos os recordes. Agora ele precisa lavar e umedecer suas fossas nasais o tempo todos fazendo inalações com soro fisiológico diversas vezes ao dia e usar uma máscara ininterruptamente, sem a qual, logo recomeça a tossir e sentir ‘falta de ar’.
A mãe do menino, Zhang Zixuan, disse que dificilmente deixa que o menino saia de casa e que o vigia o tempo todo para se certificar de que ele esteja usando sua máscara. Ela já esteve com o menino na Inglaterra, onde ele frequentava a escola maternal e não precisava de todos esses cuidados. “A diferença entre Londres e Pequim é a mesma entre o céu e o inferno”, disse ela.
Os níveis de poluentes letais chegam a superar em 40 vezes o limite máximo de exposição recomendado pela OMS, tanto em Pequim como em outras cidades industriais chinesas, e isso tem incutido um medo terrível nos pais, que os leva a tomar medidas que estão alterando radicalmente a natureza da vida urbana para os seus filhos e até para si próprios.
Os pais estão confinando seus filhos e filhas em suas casas, mesmo que isso signifique mantê-los longe de amigos e do convívio social. Escolas estão cancelando muitas atividades ao ar livre e de campo. Os pais que têm mais recursos financeiros estão escolhendo escolas que sejam dotadas de sistemas de filtragem de ar, com algumas escolas internacionais tendo construído gigantescas cúpulas de aspecto futurista sobre praças de esportes, dotadas de ar ambiental artificialmente produzido para garantir uma respiração saudável.
"Espero que, no futuro, possamos nos mudar para um país estrangeiro", disse a Sra. Zhang, uma advogada, alegando que seu filho doente, Wu Xiaotian, mantido numa esteira em seu minúsculo apartamento, perto de um novo purificador de ar. "Caso contrário, vamos acabar sufocando até a morte"...
Ela não é a única que quer imigrar. Alguns pais e expatriados chineses de classe média alta já começaram a deixar a China, uma tendência que os executivos dizem que pode resultar numa perda enorme do que há de melhor de talento, experiência, e mão-de-obra qualificada na China de hoje. Com base na poluição, técnicos estrangeiros que são país também estão exigindo salários acima da média para empregos de prestígio alegando gastos extraordinários para manter condições ambientais do ar em níveis adequados e mesmo despesas maiores com médicos e medicamentos.
Não há estatísticas para a debandada e muitas pessoas ainda estão ansiosas para vir trabalhar em Pequim, mas os rumores da quantidade dos que estão saindo de lá começa a alarmar as autoridades em torno da capital e é assunto constante em microblogs e fóruns chineses parentais. Os chineses também estão discutindo férias para lugares que eles chamam de "destinos de ar limpo", como o Tibete, Hainan e Fujian.
"Estive aqui há seis anos e nunca tinha visto níveis de ansiedade como vejo agora", disse o Dr. Richard Saint Cyr, um pai recente e médico de saúde da família no Hospital Família Unida em Pequim, cujos pacientes são metade chinesa e metade estrangeiros. "Mesmo quanto a mim, nunca estive tão ansioso como me sinto agora. É extremamente ruim sentir-se assim", e acrescentou: "Muitas mães, em especial, têm reconsiderado viver em Pequim, pois estão fartas de terem que manter seus filhos confinados dentro de casa".
Uns poucos desdobramentos do problema têm erodido a confiança coletiva no Partido Comunista Chinês tão rapidamente quanto a percepção coletiva de que os seus ‘líderes’ não conseguem conter e contornar as ameaças à saúde e à segurança das crianças. Houve indignação nacional em 2008, depois que mais de cinco mil crianças morreram quando suas escolas desabaram pelo terremoto, e centenas de milhares ficaram doentes e seis crianças morreram em função de um escândalo envolvendo fórmulas de remédios contaminadas. As autoridades tentaram cooptar os pais revoltados, às vezes pelo uso da força ou comprando o seu silêncio por meio de propinas. Mas a fúria, embora surda, com a poluição do ar na China é muito mais ampla e está apenas começando a ganhar impulso.
"Não confio nas medições da poluição atmosférica feitas pelo governo de Pequim", disse o pai da Sra. Zhang, Zhang Xiaochuan, uma ‘administradora de jornal’ aposentada.
Estudos científicos justificam os temores de danos no longo prazo para crianças e fetos. Um estudo publicado pelo The New England Journal of Medicine mostrou que crianças expostas a altos níveis de poluição do ar na China podem sofrer danos pulmonares permanentes. A pesquisa foi feita na década de 1990, em Los Angeles, onde os níveis de poluição foram muito menores do que aqueles em cidades chinesas hoje.
Um estudo realizado por pesquisadores da Califórnia e publicado no mês passado sugeriu uma ligação entre o autismo em crianças e a exposição de mulheres grávidas à poluição do ar relacionada com o tráfego. Pesquisadores da Universidade de Columbia, num estudo feito em Nova Iorque, descobriram que a exposição pré-natal aos poluentes do ar pode resultar em crianças com ansiedade, depressão, e problemas de déficit de atenção. Alguns desses mesmos pesquisadores descobriram num outro estudo anterior que as crianças em Chongqing, na China, que tiveram exposição pré-natal aos níveis elevados de poluentes atmosféricos – a partir de uma usina a carvão – nasceram com graus variáveis de microcefalia (perímetro cefálico menor), apresentaram um crescimento mais lento e mais deficiente quanto ao desenvolvimento cognitivo, medido por testes a partir de dois anos de idade. O fechamento da usina de carvão resultou em crianças progressivamente nascidas com menos dessas dificuldades.
As análises mostram que haverá pouco alívio adiante, caso a China não mude as políticas de crescimento e reforce a regulação ambiental. Um relatório do Deutsche Bank, publicado em fevereiro último relata que as tendências atuais de uso de carvão e as emissões de automóveis geraram uma poluição do ar que é esperada piorar em mais de 70 por cento até 2025.
Alguns hospitais infantis no norte da China registraram grande número de pacientes com doenças respiratórias neste inverno, quando a poluição do ar aumentou. Durante uma semana ruim, em janeiro último, o Hospital de Crianças de Pequim admitiu até 9.000 pacientes por dia para atendimentos de emergência, a metade deles com problemas respiratórios, de acordo com um relatório da Xinhua, a agência de notícias estatal.
Os pais correram para comprar purificadores de ar. A IQAIR, uma empresa suíça, faz, na China, purificadores que custam até três mil dólares e são exibidos em salas de exposição brilhantes e luxuosas. Mike Murphy, chefe-executivo da IQAIR China, disse que as vendas triplicaram nos primeiros três meses de 2013 em relação ao mesmo período do ano passado.
As máscaras nasais são agora parte da vestimenta urbana chinesa. A Sra. Zhang mantém sobre a mesa da sua sala de jantar meia dúzia de máscaras faciais e uma vestida num ursinho de pelúcia de filho Xiaotian. As escolas estão adotando medidas de emergência. O Jardim-de-infância, privado, de Xiaotian costumava levar as crianças numa uma viagem semanal ao campo, uma vez por semana, mas cancelou a maioria delas este ano em função da má qualidade do ar.
Na prestigiada Escola de Segundo grau Nº 4, de Pequim, que por muito tempo treinou líderes chineses e seus filhos, as aulas de educação física ao ar livre estão canceladas agora, pelo índice de poluição muito alto. "Os dias com céu azul e ar aparentemente limpo são valorizadas, e eu costumo sair e fazer exercício", disse Dong Yifu, um veterano que acaba de ser aceito pela Universidade de Yale, nos EUA.
Escolas de elite estão investindo em infraestrutura para manter suas crianças ativas. Entre elas se destacam o Colégio Dulwich de Pequim e a Escola Internacional de Pequim, as quais em janeiro último acabaram de construir dois grandes domos brancos sobre quadras de esportes feitos de tecido sintético que os cobrem e que permitem a criação de uma atmosfera artificial ideal em seu interior.

Wu Xiaotian, em seu minúsculo apartamento em Pequim, é obrigado a fazer repetidas inalações com soro fisiológico por dia para manter suas vias nasais limpas e permeáveis. Foto: Adam Dean/The New York Times
A construção dos domos e um prédio adicional começaram há um ano e tem capacidade para abrigar atividades esportivas de 1.900 estudantes, mesmo que o ambiente externo esteja altamente poluído. O projeto custou 5,7 milhões de dólares e inclui sistemas de filtração de ar em grau hospitalar.
Os professores checam hora a hora as medições da poluição do ar feitas pela Embaixada Americana em Pequim, para saber se as crianças podem brincar e exercer atividades esportivas ao ar livre ou se têm que fazê-las no interior dos domos. 
Uma mãe norte-americana em Pequim, Tara Duffy, disse que tinha escolhido uma escola maternal para a filha, em parte, porque a escola tinha filtros de ar nas salas de aula. A escola, chamada de Escola Internacional 3E, também traz médicos para falar sobre poluição e impede que as crianças brinquem ao ar livre durante o aumento dos níveis de poluição. "Nos últimos seis meses, tem havido muito mais dias com "bandeira vermelha" do que verde, e as crianças são mantidas do lado de dentro, onde o ar é filtrado", disse a Sra. Duffy, escritora e ex-consultora de uma fundação. Afirma ainda que também verifica diariamente o índice de qualidade do ar para decidir se leva a filha a um piquenique ao ar livre ou se busca um espaço de lazer coberto e filtrado.
Agora, depois de nove anos na China, a Sra. Duffy está indo embora da China, e ela cita a poluição e o trânsito como os principais fatores que tornam a vida em Pequim de baixa qualidade, independente do quanto se ganha.
Essa maneira de sentir a vida na capital chinesa faz aumentar número de expatriados por vontade própria e mesmo a saída de muitos estrangeiros do país. Um casal de americanos com uma criança, convidado a ir para Pequim por uma fundação de prestígio e com um salário diferenciado, após discutir sobre a poluição ambiental, resolveu recusar a oferta.
James McGregor, um conselheiro veterano do escritório de Pequim da APCO Worldwide, uma empresa de consultoria, disse que ouviu de um diplomata norte-americano com as crianças que havia recusado uma estada na China, mesmo apesar do fato de que o Departamento de Estado oferece um abono salarial de 15 por cento a mais para os que aceitem ir para Pequim, abono esse existente, em boa parte, por causa da poluição do ar. Esse “bônus de sofrimento” existe também para outras cidades chinesas que também sofrem de ar terrivelmente poluído, e varia de 20 a 30 por cento, com exceção de Xangai, onde é de 10 por cento. Mesmo assim, muitos funcionários qualificados, não aceitam ir para lá e muitos que aceitam, logo pedem remoção para outros países.
"Eu vivi em Pequim 23 anos, e meus filhos foram criados aqui, mas se eu tivesse filhos pequenos hoje, teria que sair da China", disse McGregor. "Muitas pessoas estão a fazer planos para ir embora".
Título e Texto: Edward Wong, The New York Times, 23-04-2013
Tradução: Francisco Vianna

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