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Ilustração: Mayk |
Nicolas Berggruen e Nathan Gardels
A história oferece poucos
exemplos de federações políticas bem-sucedidas. No momento da sua federação, na
década de 1780, os Estados Unidos eram um punhado de jovens Estados
escassamente povoados com uma cultura e uma língua em comum, pelo que não
oferece muitas lições relevantes para a Europa de hoje. Já a experiência da
Suíça é mais produtiva, nomeadamente em termos de gestação lenta. “Federar
requer tempo”, considera o ex-diplomata suíço Jakob Kellenberger. “Demorou séculos
para as pessoas que vivem nos cantões suíços se conhecerem umas às outras,
houve um longo período de confederação antes de se dar o passo para a federação
integral, em 1848.”
A federação suíça tem
funcionado, segundo ele, porque o centro tem sido respeitador da autonomia dos
cantões (que nunca se manifestaram ansiosos por abdicar da sua autoridade) e
tem tido cuidado para não abusar dos seus poderes. Assim, todos os poderes não
especificamente delegados no governo federal pela Constituição Helvética continuam
a ser assumidos pelos cantões. Com décadas de uma integração realizada a
pequenos passos por trás de si e um mundo em aceleração pela frente, a Europa
tem de dar o salto para uma união política, dentro de anos ou décadas, não
séculos, e essa mudança pode ganhar muito se seguir em grande parte o modelo
suíço. [...] Por outras palavras, como a Suíça, a Europa precisa de um governo
central, forte mas limitado, que acomode a maior diversidade local possível.
A opinião pública
democrática de cada Estado terá que decidir se é do seu interesse a longo prazo
juntar-se à federação ou optar por sair
Apesar de uma Europa federal
ter de ser aberta a todos os Estados-membros da União Europeia, a atitude de
atirar-se para a frente não deve ser bloqueada porque alguns ainda não estão
dispostos a fazê-lo, tal como não deve ser imposta de cima. A opinião pública
democrática de cada Estado terá que decidir se é do seu interesse a longo prazo
juntar-se à federação ou optar por sair. É uma ilusão acreditar que uma união política
forte possa ser construída sobre acordos fracos que resultam em tratados
titubeantes. A sua fundação tem de ter um mandato popular.
Um compromisso centrista
O local apropriado para estes
debates seria uma convenção europeia aberta a todos os países. O
ex-primeiro-ministro belga Guy Verhofstadt e o político alemão Daniel
Cohn-Bendit (ambos membros do Parlamento Europeu), entre outros, propuseram
transformar as eleições para o Parlamento Europeu de 2014 numa eleição para uma
Assembleia Constituinte que redija uma nova Constituição para a Europa,
incorporando este tipo de ideias.
Especificamente, como pode uma
união política funcionar na Europa? O Parlamento Europeu poderia eleger o
presidente-executivo da Comissão Europeia, que formaria um gabinete ministerial
saído dos grandes partidos com assento no Parlamento – incluindo um ministro
das Finanças com capacidade para cobrar impostos e formular um orçamento
substancial sobre a Europa de base ampla. O foco de um ministro das Finanças
seria a coordenação macroeconómica, e não a gestão microeconómica.
Outros cargos ministeriais
cobririam áreas supranacionais de alguns domínios europeus (defesa, política
externa, energia, infraestruturas, entre outros), deixando, sempre que
possível, as decisões sobre outros assuntos nas mãos dos governos nacionais no
âmbito da federação. O Tribunal de Justiça Europeu arbitraria quaisquer
questões de soberania em litígio entre a Comissão e os Estados-membros.
Na seleção de um executivo
para a União, porque o Parlamento teria maior poder, faria sentido ter eleições
parlamentares de toda a Europa, em vez de listas partidárias nacionais.
Aumentar o que está em jogo nas eleições levaria a uma maior discussão e
maiores taxas de votação, o que significaria mais legitimidade para os resultados
e para as instituições em geral.
Os partidos que obtivessem
menos de 10 ou 15% dos votos em eleições de âmbito europeu participariam dos
debates, mas não poderiam votar. Essa regra tenderia a empurrar a política para
um compromisso centrista e evitar impasses resultantes de um poder de veto por
pequenos partidos numa coligação.
Questões espinhosas
Neste esquema, o atual
Conselho Europeu seria transformado na câmara alta do poder legislativo da
União. Os membros seriam selecionados pelos Estados-nação para mandatos mais
longos do que o ciclo eleitoral da câmara baixa do parlamento, incentivando,
assim, uma perspetiva de longo prazo em matéria de governação. Ao contrário da
câmara baixa, que se concentraria principalmente sobre os interesses de curto
prazo dos seus componentes nacionais, a câmara alta seria um corpo deliberativo
mais centrado em questões mais vastas e de longo prazo. A representação deveria
basear-se num sistema proporcional, de acordo com a população dos
Estados-membros.
A fim de preservar um pouco da
qualidade meritocrática apartidária da comissão atual, cada ministro na
comissão teria um secretário permanente destacado de entre os funcionários
públicos europeus da sua área de competência. Como num ideal “sistema de
Westminster”, a formulação do orçamento seria da competência da comissão e não
do parlamento. Esse orçamento seria apresentado para votação de braço no ar no
Parlamento. Um voto de “não confiança construtiva” pelo Parlamento pode
rejeitar a orientação política definida pela Comissão. Nesse caso, seria
formado novo governo. (O voto de não confiança construtiva é um mecanismo de
consenso em que um voto de não-confiança só pode ser apresentado se já estiver
assegurado o apoio da maioria para uma nova coligação de governação.) Impostos
e legislação teriam de ser aprovados por uma maioria de ambas as câmaras
legislativas.
Qualquer passo na direção de
uma união política levanta obviamente incontáveis questões espinhosas. As novas
instituições e as suas regras seriam idealmente estabelecidas de baixo para
cima, numa assembleia constituinte, e não por uma mudança instituída por
tratado – mas como pode um processo verdadeiramente sedimentado ganhar ímpeto?
Os grandes partidos, com a maioria dos lugares no Parlamento Europeu,
precisariam de assinar um compromisso ou um programa comum suficientemente
robusto para tornar possível a governação. Mas e se não o fizerem? E, mais
importante, poderia uma união política exercer uma política se não fosse
precedida de uma construção nacional a nível de todo o continente, destinada a
forjar uma identidade comum para o futuro? No entanto, o que é crucial agora é
o reconhecimento de que o sistema atual não está a resultar e que uma
integração mais próxima é a opção mais sensata e atraente.
A única maneira de responder
ao atual desafio da Europa, perante o grande leque de incertezas, é a
concretização do compromisso dos dirigentes europeus e seus concidadãos com
essa transformação, em vez de se manterem paralisados pela hesitação.
Título e Texto: Nicolas Berggruen e Nathan Gardels, Press Europe, 06-9-2013
Traduzido por Ana
Cardoso Pires
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