Francisco Vianna (com base em
matéria publicada pela revista The
Economist)
A "globalização"
tornou-se a palavra de ordem das duas últimas décadas. O súbito aumento na
troca de conhecimento, de comércio, de capital humano e financeiro, em todo o
mundo, impulsionados pela inovação tecnológica – da Internet aos contêineres
dos navios – tudo junto acabou jogando o termo às luzes da ribalta. Virou moda
falar em globalização e, mais até, a noção se tornou um parâmetro de análise
macro e microeconômica.
Alguns veem a globalização
como uma coisa boa. De acordo com Amartya Sen, economista vencedor do Prêmio
Nobel, a globalização "tem enriquecido o mundo cientificamente e
culturalmente, e também beneficiou muitas pessoas economicamente". A ONU
previu ainda que as forças da globalização podem ter o poder de erradicar a
miséria e a pobreza extrema ao longo deste século 21.
Outros discordam. A
globalização tem sido atacada pelos críticos da economia de livre mercado
(leia-se socialistas), como os economistas Joseph Stiglitz e Ha-Joon Chang, que
argumentam ser uma manobra dos países ricos (leia-se capitalistas e
democráticos) para “perpetuar a desigualdade” no mundo, em vez de reduzi-la
(como se a “igualdade” possa ser algo viável em qualquer época, em
qualquer país e sob qualquer regime).
Alguns acham que é possível
uma combinação dessas duas correntes econômicas e políticas, algo que para
muitos configura o que os americanos chamam de “wishful thinking”, que se pode traduzir por “pensamento faz de
conta”, amplamente dissociado da realidade.
O Fundo Monetário
Internacional admitiu em 2007 que os “níveis de desigualdade” podem ter
aumentado pela introdução de novas tecnologias e o investimento de capital
estrangeiro nos países em desenvolvimento. Nos países desenvolvidos, também há
os que desconfiam da globalização, ao temerem que, muitas vezes, se permita que
os empregadores migrem para lugares onde a mão de obra é mais barata ou onde
haja mais segurança jurídica para a aplicação de seus capitais e a obtenção de
seus lucros. Na França, por exemplo, a "globalização" e a
"deslocação" tornaram-se termos pejorativos para as políticas de
livre mercado. Em Abril de 2012, uma enquete conduzida pelo IFOP, um instituto
de pesquisa de opinião, descobriu que apenas 22 % dos franceses achavam a
globalização uma "coisa boa" para o seu país.
No entanto, os historiadores
econômicos concordam em que a questão de saber se os benefícios da globalização
superam as desvantagens é algo mais complicado do que isso. Para eles, a
resposta depende de quando se creia que o processo de globalização começou. Mas
por que isso importa, se a globalização começou a 20, 200 ou até 2.000 anos
atrás?
A resposta é que é impossível
dizer o quanto uma "coisa é boa", dentro de um processo que está
na história, sem primeiro definir por quanto tempo isso vem acontecendo.

Sua descrição do
desenvolvimento econômico tem como princípio fundamental a integração dos
mercados ao longo do tempo. Como a divisão do trabalho permite a saída para
expandir, a busca de especialização expande comércio e, gradualmente, une as
comunidades de diferentes partes do mundo. A tendência é quase tão antiga
quanto a própria civilização.
Divisões primitivas de
trabalho, entre os "caçadores" e "pastores", por exemplo,
cresceram como aldeias e as redes de comércio se expandiram para incluir
especializações mais amplas e negócios mais variados. Eventualmente, armeiros
para criar uma variação maior de arcos e flechas, carpinteiros para construir
casas e utensílios e costureiras para fazer roupas, deram origem a artesãos
especializados, trocando seus produtos por alimentos produzidos pelos
caçadores, pastores, e agricultores.
Da mesma forma, as vilas, as cidades, os países e os continentes deram início ao comércio de mercadorias, uns com mais eficiência que outros, e os mercados tornaram-se mais integrados, aumentando a especialização do comércio e ampliando o uso do dinheiro. No início o capital financeiro era tudo e o capital humano valia quase nada, mas essa discrepância foi desaparecendo ao longo do século XX, principalmente, e hoje ambos têm praticamente o mesmo valor. Este processo que Smith descreve começa a soar um pouco como "globalização", mesmo que mais limitado à área geográfica do que a maioria das pessoas pensa hoje.
Adam Smith tinha um exemplo
específico em mente quando falou sobre a integração dos mercados entre os
continentes, europeu e americano. A descoberta dos nativos americanos pelos
comerciantes europeus permitiu uma nova divisão do trabalho entre os dois
continentes. Cita ele, como exemplo, que os nativos americanos, que se
especializaram na caça, negociado peles e produtos de animais para
"cobertores, armas de fogo e aguardente", fizeram com que esse
comércio fosse lucrativo mesmo atravessando milhares de quilômetros de distância
do velho mundo.
Alguns historiadores
econômicos modernos contestam o argumento de Smith de que a descoberta das
Américas por Cristóvão Colombo, em 1492, tenha acelerado o processo de
globalização. Kevin O'Rourke e Jeffrey Williamson argumentaram num artigo de 2002
que “a globalização só começou realmente no século XIX, quando uma súbita queda
dos custos de transporte permitiu que os preços das mercadorias na Europa e na
Ásia convergissem para a América. A descoberta da América e a descoberta do
caminho para a Ásia dobrando o Cabo da Boa Esperança, feitas respectivamente
por Cristovão Colombo e Vasco da Gama, tiveram muito pouco impacto sobre os
preços dessas mercadorias”, argumentam eles.
Mas há um importante mercado
que os senhores O'Rourke e Williamson ignoraram em sua análise: o mercado da
prata. Como as moedas europeias eram geralmente cunhadas com base no valor da
prata, qualquer mudança no seu valor teria grandes efeitos sobre os preços no
mercado europeu e asiático. O próprio Adam Smith argumentou que esta foi uma
das maiores mudanças econômicas resultantes da descoberta das Américas:
“A descoberta das abundantes minas na América, reduziu, no século XVI,
o valor do ouro e da prata na Europa em quase um terço do valor que tinham
antes. Como dá menos trabalho levar esses metais da mina para o mercado, então,
quando eles os levavam para lá, conseguiam comprar mais mão de obra e ter mais
liquidez; tal revolução em seu valor, embora talvez o maior, de jeito nenhum é
a única maneira entre as que a história nos dá alguma conta”.
O fluxo de cerca de 150.000
toneladas de prata do México e da Bolívia pelos Impérios Espanhol e Português
depois de 1500 inverteu as tendências de preços para baixo em relação aos
praticados no período medieval. Em vez disso, os preços subiram drasticamente
na Europa seis ou sete vezes ao longo dos 150 anos seguintes, na medida em que
mais prata era prospectada e negociada pela mesma quantidade de bens na Europa
(ver gráfico), configurando inflação.
O impacto resultante, que
os historiadores chamam de "revolução dos preços", mudou
radicalmente a face da Europa. Historiadores atribuem tudo, desde o domínio do
império espanhol na Europa para o aumento repentino na caça às bruxas em torno
do século XVI até os efeitos desestabilizadores da inflação sobre a sociedade
europeia. E se não fosse o aumento súbito das importações de prata da Europa
para a China e Índia, durante este período, a inflação europeia teria sido
muito pior do que foi. A subida de preços só parou em cerca de 1650, quando o
preço de cunhagem das moedas de prata na Europa caiu a um nível tão baixo que
não era mais rentável importar o metal das Américas.
A rápida convergência do
mercado de prata no início do período moderno é apenas um exemplo de
"globalização", garantem alguns historiadores. O economista
especializado em história, alemão, Andre Gunder Frank, argumentava que o início
da globalização pode ser rastreado à época do crescimento da integração
comercial e de mercado entre a Suméria e as civilizações do Indo do terceiro
milênio a C.
As relações comerciais entre
China e Europa primeiro cresceram durante a idade helenística, com novos
aumentos da convergência do mercado global, que ocorreram quando os custos de
transporte caíram no século XVI e mais rapidamente na era moderna da
globalização, que os senhores O'Rourke e Williamson descrevem como depois de
1750. Já od historiadores globais, como Tony Hopkins e Christopher Bayly também
destacaram a importância do intercâmbio não só comercial, mas também de ideias
e de conhecimento durante os períodos de globalização pré- modernos.
A globalização nem sempre tem
sido um processo unidirecional. Há evidências de que também houve desintegração
de mercados (ou “desglobalização”) em
períodos tão variados como a Idade das Trevas (Média), no século XVII, e o
período entre guerras no século XX. E há alguma evidência de que a globalização
recuou na crise atual a partir de 2007. Parece que as expansões globais
decrescem quando surgem as crises econômicas que são tanto mais severas quanto
maior é o grau de globalização da economia internacional.
Mas fica claro que a
globalização não é simplesmente um processo que começou nas últimas duas
décadas ou mesmo dos dois últimos séculos, como muita gente pensa e afirma. O
fenômeno tem uma história que se estende por milhares de anos, começando com o
primitivo sistema de trocas tribais e de grupos especializados de caçadores
coletores de Smith com a aldeia mais próxima, e, eventualmente, evoluiu para as
sociedades globalmente interconectadas de hoje.
Se você acha que a
globalização é uma "coisa boa" ou acha que não é, você deu o passo
essencial para levar adiante a história econômica da humanidade.
Quem se dedica a esses estudos
do passado, anseia compreender o presente e racionalizar uma projeção para o
futuro. Com o extraordinário desenvolvimento científico e tecnológico ocorrido
ao longo dos últimos setenta anos, a história econômica do século XX e desse
início de século XXI conseguiu estabelecer algumas verdades que jogaram no lixo
a quase totalidade das teorias dos sociólogos alemães que criaram a “doutrina
socialista” no fim do século XVIII e início do século XIX.
Não obstante, ainda há grupos
de pessoas e ativistas, principalmente nos países menos desenvolvidos, que
querem ressuscitar regimes socialistas que jamais lograram qualquer resultado
satisfatório em qualquer país do mundo.
A pior insanidade é a que faz
com que as pessoas esperem mudanças benéficas adotando sempre as mesmas
práticas errôneas, tanto em suas vidas privadas como nos governos de seus
países.
Título e Texto: Francisco Vianna (com base em matéria
publicada pela revista The Economist),
23-9-2013
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