terça-feira, 24 de setembro de 2013

Tenho medo

Helena Matos
Francamente tenho medo do dia em que a ‘troika' deixará de aterrar em Lisboa para nos verificar as contas, lembrar os compromissos assumidos e passar o cheque. Este medo arreiga-se-me cada vez mais quando vejo o que se promete nos cartazes dos candidatos às autarquias: manuais escolares gratuitos; medicamentos gratuitos; residências assistidas gratuitas; vacinas gratuitas...
Enfim um delírio de gratuitidade "já e agora" que acaba na promessa de uma escola de ninjas - gratuita, naturalmente! – para combater a insegurança de uma cidade nortenha ou na não menos irreal garantia a sul de programas autárquicos de combate ao desemprego. (Dado que as autarquias não abrem mão dos crescentes custos e da complexidade das suas burocracias esses programas ou não se traduzem em nada ou desgraçadamente implicam mais e mais emprego nas autarquias elas mesmas ou nas empresas municipais, prática que entre outros efeitos perversos muito contribuiu para que a ‘troika' tivesse de ser chamada de urgência em 2011.) O medo acentua-se-me ainda mais quando ouço António José Seguro dizer que não aceita mais cortes sem explicar que isso só é possível aumentando muito mais os impostos e quando entrevejo a ânsia do PSD e do CDS por se verem livres da canga do controlo externo e imediatamente poderem dar largas a promessas e promessas de mais "gratuito já".


Nasci em Portugal nos anos 60. Logo já é a terceira vez que vivo num país sob ajuda externa e por isso acho que a minha geração deve sobretudo reconhecimento aos credores que em 1977, 1983 e em 2011 se dispuseram a colocar aqui o seu dinheiro. Alguém de bom senso quereria ter vivido com a sua família em Portugal caso essa ajuda externa não tivesse acontecido? É claro que pagamos juros - mesmo assim bem mais baixos do que aqueles que pagaríamos se não fossemos o tal protectorado abominado por Portas e a nossa classe política tivesse de andar pelo mundo a ver quem nos emprestava mais dinheiro.

Logo tenho medo do dia em que Portugal de facto, não seja um protectorado e esta classe política volte a fazer dos verbos dar e investir (mas se querem tanto investir porque não investem o seu dinheiro e se tornam empresários?) a mistificação a que chamam discurso positivo sobre o País. E sobretudo há coisas que vividas repetidamente se tornam grotescas.

Porque é mais que certo que vai aparecer alguém que tal como em 2009 vai atirar o País para uma fuga em frente e dizer que tal era voluntarismo e inovação. Garantidos estão também os corporativo-sensíveis que em luta pelos seus privilégios pessoais e empresariais vão declarar que o País não aguenta mais austeridade quando a austeridade é imposta não pelos credores mas sim pelo descalabro a que nos conduziu a protecção às corporações, ao Estado parceiro de negócios e aos direitos adquiridos no papel mas não garantidos na tesouraria. E por fim vamos ter os falhados com o seu discurso sobre os grandes homens do passado, as grandes políticas do passado, o tempo em que havia líderes... e que com tanta grandeza, sapiência e elevados princípios não só nos conduziram três vezes à indigência em escassos 35 anos como com notável descaramento mal vêem o dinheiro do lado de cá optam imediatamente por culpar o credor e nunca a si mesmos.

Após três intervenções externas não só tenho como certo que a ‘troika' voltará de novo como encontrará o País em circunstâncias bem piores porque de cada vez que somos um protectorado geramos não uma reflexão sobre o mal que nos governamos mas pelo contrário acentuamos aquela incontida ânsia de repetir todos os erros que nos conduziram a viver de mão estendida.
Assim e se a minha vida durar o que as estatísticas dizem ser normal certamente que voltarei a ver outras ‘troikas' aterrar em Lisboa. O tempo que vai decorrer entre cada uma dessas vindas será o tempo de todas as demagogias.
Título e Texto: Helena Matos, Diário Económico, 24-9-2013

Um comentário:

  1. Parece-me, Helena Matos, que o vírus da "gratuidade" que assanha os governantes e políticos que querem se perpetuar no poder não tem nacionalidade. Aqui no Brasil é gritante o assanhamento! Essa gratuidade está corroendo a sociedade e o futuro da nação, já tão comprometido que mais parece um buraco negro... lamentavelmente!

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