Alguns amigos internautas têm
me questionado sobre o que eu possivelmente possa ter achado do fato de o
presidente Barak Obama, dos EUA, ter fracassado em avançar decisiva e
militarmente contra a Síria, mesmo e apesar de o presidente da Rússia, Vladimir
Putin, não concordar com isso. Respondo que não houve um fracasso, propriamente
dito, mas uma atitude de prudência por parte da Casa Branca, suscitada muito
mais pela decisão da dinastia Assad em submeter o seu arsenal químico ao
controle internacional da ONU, do que por qualquer discurso que Putin tenha
feito sobre a intervenção da OTAN na Síria. Justiça seja feita, diga-se de
passagem, ao fato de que o mandatário russo em momento algum se entregou à
veleidade de fazer ameaças aos EUA e seus aliados, agindo também com a
necessária prudência que a sua posição exige.
Todavia, mais importante do
que uma intervenção militar contra o regime da Bashar al Assad, que, é claro,
teria muitos aspectos geopolíticos que ainda não foram devidamente
considerados, situa-se o estado em que se encontram as relações entre EUA e os
países europeus e, dentro da União Europeia, o estado das relações entre os
seus países membros e destes com o resto da Europa e Ásia.
Tenho escrito pouco sobre os
russos, mas em vista da sua atuação no caso da Síria, que é um país econômica e
militarmente fraco – sinto-me no dever de escrever algo sobre o governo de
Putin, pelo menos sobre o que Moscou pode estimular Damasco a fazer e dar a
Assad os meios para isso. Ora, a Europa, como um todo, ainda é uma economia um
pouco maior do que a dos EUA e, em conjunto, seria um concorrente de peso para
os americanos. Mas seu poderio militar é fraco, ao contrário da Rússia, cuja
economia é fraca, mas ainda conserva boa parte do poderio militar herdado da
falecida União Soviética.
As relações
americano-europeias ajudaram a moldar o século 20, com o capitalismo evoluindo
muito em função da doutrina socialista fundamentada pelos filósofos europeus
desde o final do século XVIII, até o evento da Segunda Guerra Mundial,
provocada exatamente pela exacerbação de uma das formas de socialismo, o
nacional-socialismo do Partido dos Trabalhadores da Alemanha.
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Ilustração de Hachfeld, no Neues Deutschland, Berlim |
As ações, americana e russa,
foram decisivas para destruir o Terceiro Reich e vencer a 2ª Guerra Mundial,
mas foi graças ao Plano Marshall, dos EUA, que a Europa se ergueu dos escombros
e voltou a ser a potência que é hoje, pelo menos quando a economia dos seus
países é considerada em conjunto, justificando assim o bloco econômico que é –
e deve continuar a ser apenas isso – a União Europeia. Isso também se repetiu
no Japão, fazendo surgir uma primeira potência asiática do pós-guerra. A
depender da Rússia (leia-se União Soviética) a Europa estaria ainda relegada a
um continente pobre, destroçado e subdesenvolvido.
É claro que as viúvas do Muro
de Berlim não concordam com isso, mais por terem sua visão histórica turvada
pela ideologia marxista, do que pelo cenário que a história do século XX mostra
com extrema nitidez. A própria Guerra Fria foi extremamente útil a partir da
“crise dos mísseis soviéticos em Cuba” e acabou se tornando numa ferramenta que
difundiu a empresa privada e à economia de mercado privatista que gerou tamanha
riqueza, que os soviéticos não só se viram forçados a retirar suas forças da
Europa Ocidental, como, também suscitou entre eles questões existenciais do
tipo: “ora, de que adianta termos tanto poder militar se continuamos a viver um
nível de vida pior do que qualquer país do terceiro mundo”?
E foram perguntas como essa
que fizeram os russos achar que algo de muito errado estava se passando com
eles e, com uma ajudinha do Papa João XXIII e do simpático Ronald Reagan,
começaram a exigir transparência (glasnost)
e reestruturação (perestroika) por
parte dos seus dirigentes, o que eventualmente determinou o fim da União
Soviética, da mesma forma como, no Brasil, as mesmas exigências certamente
determinarão o desaparecimento do “sucialismo” do Partido dos Trabalhadores e
base ‘alugada’.
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Ilustração: Ruben L. Oppenheimer |
Mas, a questão agora é outra:
qual será atualmente a relação entre EUA e União Europeia, duas entidades
econômicas enormes que, juntas, respondem por cerca de 50 por cento do PIB de
todo o mundo, nesta segunda década do século XXI? Esta pergunta paira sobre
todos os demais países do mundo, principalmente sobre a Rússia, cuja transição do
socialismo soviético para o capitalismo privado – embora o Estado russo ainda
seja um forte agente capitalista – foi turbulenta com grupos mafiosos ávidos
por substituírem a reduzida burguesia do politiburo soviético.
Os acontecimentos que levaram
americanos e europeus a cogitarem uma intervenção militar na Síria, que até
agora não se materializou, servem para responder a essa pergunta. Ora, a crise
síria não começou com os Estados Unidos, e a alegação de que uma ação militar
“punitiva” contra Assad deveria ser feita pelo ato alegadamente criminoso de
genocídio por uso de armas químicas, deveria sim ser feita a partir dos apelos
para tal do Reino Unido, da França e da Turquia.
Com relutância, os EUA
acabaram concordando com seus aliados europeus, mesmo que tal intervenção
militar fosse contra os interesses americanos e israelenses e representassem o
perigo de ver a Irmandade Muçulmana, jihadista e antiocidental, tomar o poder
em Damasco.
Na Turquia, o apelo para a
intervenção da OTAN foi muito maior do que queriam os americanos. A má vontade
dos EUA de atender os seus aliados num ataque militar ao regime de Assad era
evidente e anterior a qualquer declaração de Putin, que, na verdade,
aproveitou-se desse cenário surreal para fazer proselitismo político e sair
como o “bom-mocinho” dessa história toda.
Os franceses, que se viram
instados pelos americanos e ingleses a não ficar apenas olhando, mas a
participar ativamente do que diziam querer, acabaram inibidos por um Parlamento
que achou por bem abortar a sua participação, inicialmente condenada por Obama.
O mais significativo de tudo
isso foi perceber como os europeus estavam divididos quanto a uma intervenção
armada na Síria. E Putin, político perspicaz e profundo conhecedor dos
compradores do gás natural de seu país, logo se apercebeu disso. Praticamente,
cada país da “União” Europeia, trabalhava com soluções as mais díspares, mas
sempre contando com a força militar da OTAN.
A Alemanha teve uma posição
interessante, dizendo no início que não estava disposta a endossar a ação, para
no fim aceitar a participação, provavelmente só para não ficar de fora da
‘festa’. Tudo isso explica porque a União Europeia, apesar de beneficiar seu
núcleo franco-germânico, nunca foi capaz de sequer chegar perto de reunir as
condições de criar um país parecido com uns “Estados Unidos da Europa”.
França e a Alemanha têm
divergências profundas, não apenas históricas ou só sobre a Síria, mas em
relação a própria capacidade de interagirem numa eventual fusão política
nacional. Historicamente, as divergências entre Franca e Alemanha sempre
estiveram nas raízes da maioria das guerras europeias e, um dos motores
centrais da atual União Europeia tem sido a necessidade de união entre ambos os
países, o que explica por que esse motor sempre rateou e o bloco nunca passou
daquilo que realmente deve ser, ou seja, uma cooperação econômica.
Mesmo assim, os demais países
europeus, intoxicados pelo socialismo anterior à formação do bloco, são
verdadeiros incômodos e problemas a ser solucionado por ambos os países para
chegarem a uma UE forte e eficaz. Após a recuperação europeia pelo plano
Marshall americano, as divergências entre ambos retornaram com força. Desta
vez, porém, sem a virulência que motivou duas guerras mundiais, mas ainda assim
inviabilizando qualquer sincronização e factibilidade conjunta de suas
políticas externas.
Daqui do meu canto
cibernético, no Brasil, acredito poder ver com mais nitidez do que um
observador lá do local, lendo as mais variadas análises e acompanhando o
desenrolar dos fatos como um espectador privilegiado para chegar a conclusão de
que as três principais potências europeias, o Reino Unido, a França e a
Alemanha, estão executando políticas externas muito diferentes.
Os ingleses têm seus objetivos
próprios e, apesar de regularem seus preços tomando o padrão ‘euro’, fazem
questão de manter em seu país a libra esterlina como padrão monetário
circulante e não parecem dispostos a arcar com a sobrecarga econômica de tentar
salvar as arruinadas economias periféricas europeias detonadas por décadas de
socialismo crônico.
Os franceses estão voltados
para o Mediterrâneo e a África, ao passo que os alemães tentam preservar a zona
de comércio do euro, mesmo a custo de sérias sangrias de sua potente economia e
agora se voltam para o leste europeu, principalmente para a Rússia, da qual
dependem energeticamente.
Tudo isso me faz pensar que,
na verdade, nada mudou na Europa e que o conceito de uma “nação europeia” segue
mais fluido do que nunca, pois, apesar de ser uma zona de livre comércio, a UE
exclui alguns países europeus; apesar de ter uma união monetária, alguns
membros são excluídos por manterem suas moedas próprias; apesar de ter um
Parlamento – supremo absurdo – deixa a defesa e as prerrogativas da política
externa a cargo de Estados (nações) soberanos.
A UE não conseguiu resolver
alguns aspectos fundamentais, desde 1945, e montar algo mais organizado. Pelo
contrário, onde antes havia apenas divisões geográficas e de interesses
econômicos, parece agora haver também divisões conceituais.
Com a crise na Síria, as
diferenças entre os EUA e a Europa saíram do armário e ficaram evidentes, com
exceção para as pessoas que vivem em países onde a ‘mainstream’ mídia só
informa aquilo que interessa aos seus governos, como é o caso de Pindorama,
infelizmente. Todavia para quem tem a capacidade mínima de entender outras
linguagens, fatos como esses não permanecem despercebidos.
Apesar do pouco interesse, a
matança química nos subúrbios de Damasco praticamente forçou Obama a moralmente
sentir-se obrigado a intervir, o que só não fez porque o Capitólio é muito mais
utilitarista do que um presidente moderadamente populista (e que não poderá
mais ser reeleito – é bom que se diga).
A Europa, sem as forças
americanas da OTAN não pode agir porque, na verdade, não tem uma política
externa única ou uma política de defesa comum. Só pode reagir premida por
necessidade absoluta, o que não é o caso. Nenhum país europeu isoladamente tem
a capacidade de por si próprio realizar um ataque aéreo ou de manter uma área
de exclusão aérea sobre a Síria, como ficou evidenciado na Líbia. Eles precisam
dos Estados Unidos para tanto.
Os europeus hoje metem o pau
em Obama pela sua atitude cautelar com Damasco e ao mesmo tempo afirmam que a
política externa de Putin é um fracasso, mas temem que o fornecimento de gás
russo seja interrompido e, afinal, o inverno está quase batendo às portas
europeias. Quanto aos americanos, os europeus tendem a considerá-los em dois
polos de comportamento: ou são ‘ingênuos’ ou são ‘caubóis’. Assim consideraram
Jimmy Carter, por exemplo, como ingênuo e Lyndon Johnson e George Bush como
caubóis. Só consideram como verdadeiros estadistas Ronald Reagan e – pasmem –,
Richard Nixon...
A maioria dos europeus é mais
atenta aos presidentes americanos do que o contrário e a opinião dessa maioria
é quase sempre negativa com relação a quem está na Casa Branca e isso tem
gerado suscetibilidades às vezes difíceis de serem superadas. A sorte da Europa
é justamente a de ter seus líderes com seus dedos afastados dos botões de
lançamento de mísseis termonucleares ou já pensaram como suas mãos nervosas
poderiam reagir se agirem como em 1914 e 1939?...
Ainda bem que estas armas são
controladas por caubóis e ingênuos americanos, além de russos
"conspiradores" – como é a visão europeia da maioria dos líderes
russos. Com tantas e profundas diferenças e desconfianças rolando no horizonte,
americanos e russos, soviéticos ou não, têm conseguido evitar o pior, de um
modo ou de outro e, provavelmente graças a Deus.
Por outro lado, pela sua
reputação, os líderes europeus poderiam ter mergulhado o mundo em mais um
desastre desta vez sem precedentes e por motivo fútil. Os europeus se orgulham
de sua diplomacia, mas nunca compreendi direito o porquê desse orgulho. Vimos
isso nas tratativas de ação militar na Síria, quando os europeus queiram porque
queriam um ataque punitivo e cirúrgico a Damasco. E quando Obama, sabendo que o
Congresso não lhe daria o aval, resolveu adotar uma atitude de cautela,
previamente combinada como Putin, os warmongers europeus começaram a dizer que
Obama tinha sido “dobrado” pelo líder russo.
Se, o entanto, ele tivesse
atacado a Síria, acabaria automaticamente classificado como mais um caubói, não
importa o resultado que isso viesse a ter.
Os ingleses foram os mais
indiferentes quanto à decisão da Casa Branca e sempre se focaram no seu real
interesse, ou seja, naquilo que diria e faria o FED, claro!
Os europeus do leste,
pressionados tanto pela realidade como por seus pesadelos, não podiam imaginar
por que os americanos deixariam que algo de mal lhes acontecesse. Não entendiam
qual o benefício que a América teria por estar em conflito com os russos.
A visão americana da Europa é
um misto de indiferença e perplexidade e os estadunidenses não dão tanta
importância assim à Europa, desde a Guerra Fria, assim como não dão a menor
pelota para as reclamações esganiçadas de Dilma Roussef por causa da alegada
‘espionagem’ norte-americana sobre a correspondência pessoal da presidente ou
sobre as atividades da Petrobras.
Desde a primeira Guerra do
Golfo, o que importa para os americanos é o mundo muçulmano, com vários graus
de intensidade. A Síria nunca foi o alvo, mas sim quem a está usando para
tentar dominar o Oriente Médio e “varrer Israel do mapa”.
Os americanos só não gostam
mais de viajar para a Europa porque se incomodam quando têm que ouvir o que os
EUA têm que fazer. Mas a percepção americana da Europa é a de que o continente
é inútil, aborrecido e, em última análise, fraco e, pois, inofensivo. Assim, a
Europa, bem como o Brasil, não chegam a receber muita atenção de Washington e a
maioria não consegue entender o que europeus e brasileiros realmente querem...
Os americanos também não
precisam falar quatro idiomas para dirigir por 4 mil quilômetros, como os
europeus, o que torna o diálogo leste-oeste uma comunicação caótica entre uma
única entidade nacional e uma verdadeira torre de Babel. Os EUA são, além
disso, um país unificado e com suas políticas, econômica, externa e de defesa,
alinhadas e coerentes com seus objetivos. A Europa, ao contrário, nunca
funcionou dessa forma, e, na verdade, vem de desintegrando desde 2008.
Todavia, o acervo cultural e
histórico da Europa é extraordinário e de extremo valor para a nossa cultura
dominante no continente americano. A América é um bebê perto da anciã Europa e
talvez, por isso, muitos povos americanos são desmemoriados, Brasil mais do que
os EUA e esses mais do que muitos países hispanos e o Canadá.
Fala-se muito da “relação
transatlântica”, que nem sequer está prejudicada. Europeus vêm – e gostam muito
de vir – para o Brasil e para os EUA, embora temam mais a insegurança de
Pindorama. A recíproca também é verdadeira, com os ‘sucialistas’ brazukas
preferindo ir mais para o norte de que para o leste...
Mas os liames que os unem não
são suficientemente robustos quando se trata de relações entre estados. A coisa
é estranha, pois hoje viajamos a lazer, para a Itália, onde um dia nós fomos lá
para combater o Terceiro Reich nacional-socialista.
Nesse contexto, fica realmente
difícil estabelecer uma política comum ocidental com relação a Síria e muito
mais complicado ainda decidir uma estratégia sólida para o Atlântico Norte.
Título e Texto: Francisco Vianna, 25-9-2013
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