terça-feira, 17 de setembro de 2013

É a vida

Helena Matos
Tal como na Confissão, Seguro pode repetir "por minha, culpa, minha tão grande culpa" perdi. O quê? A hipótese de ser tomado como um sério candidato ao lugar de primeiro-ministro. E perdeu não por causa da inanidade das suas propostas. Destas como daquele mau aluno num exame de Direito pode dizer-se que as originais (como a de que Portugal devia ir imediatamente para eleições ou de que a UE impeça o desemprego acima da média) não só não são boas como são tontinhas e que as boas (como será pedir mais tempo aos credores) não só não são originais como têm o pequeno defeito de dependerem em absoluto da vontade dos outros.

Mas não foi por nada disso que Seguro perdeu. Infelizmente não é por coisas dessas que se perde em Portugal. Seguro deixou de ser percepcionado como primeiro-ministro em consequência de um fenómeno com que poucos contavam: o Estado Social não paga a assustadiços. Paga a traidores, mentirosos compulsivos, fantasistas, lida mal de início com quem pretende falar verdade... mas assustadiços é que não tolera. Muito menos em tempo de crise. E muito menos a quem pode vir a ser primeiro-ministro.

Afinal e muito ao contrário do que garante o manual etnográfico que serve de livro de estilo às redacções de boa parte da comunicação social portuguesa - manual esse em que o manifestante indignado sucedeu ao pauliteiro de Miranda - o imaginário das revoluções e dos governos que caem nas ruas pouco tem a ver com a pobreza ou com o desemprego. Antes pelo contrário: o Maio de 1968 foi uma revolta da fartura e em Portugal os capitães de Abril ainda não perceberam que os golpes de 1974 e 1975 são irrepetíveis pela prosaica razão de que não há dinheiro. O Estado Social trocou as voltas a Marx: os proletários desapareceram há muito tempo e todos nós temos algo a perder com uma revolução. Logo o que se quer e desesperadamente necessita é de alguém que consiga levar o barco a bom porto e com o menor dos danos. Dir-se-á que este é o melhor dos terrenos para os socialistas pois ninguém quer perder aquilo que na gíria esquerdista que nos domina se diz que o Estado dá. Pois seria, não tivesse António José Seguro cometido dois erros. Um, que é facilmente remediável, e que passa por exagerar na irrealidade: ninguém acredita que seja possível não despedir na Função Pública, e a não ser que defenda um aumento vertiginoso dos impostos a redução nas pensões terá de acontecer. E uma coisa é dizê-lo Jerónimo de Sousa, a dupla Semedo-Martins ou Portas (quando se vir livre do Governo será o primeiro que Portas fará e naturalmente com mais sucesso que qualquer dos outros anteriormente referidos) outra bem diferente é um líder do PS ou do PSD dizê-lo.

Em boa verdade este erro é facilmente remediável em campanha eleitoral. O que é mais ou menos irremediável é o outro erro cometido por Seguro: mostrar-se hesitante, medroso, timorato perante os seus. Incapaz de enfrentar os socráticos e de denunciar o jogo do "esperando sempre mas não me comprometendo nunca" de António Costa, Seguro foi-se deixando acantonar por eles e agora estes entregam-lhe uma lista de mercearia com o que tem de ganhar nas próximas autárquicas para que eles magnanimamente o deixem continuar à frente do partido. Enquanto lhes der jeito, claro. O pior é que um líder acossado pela sua própria gente não é o líder a quem o eleitorado dê uma vitória q.b. nas legislativas.

Tudo isto pode parecer injusto a Seguro mas na verdade só tem de se culpar a si mesmo: por sua culpa, por sua grande culpa deixou que Costa e Sócrates pareçam mais líderes do PS que ele. E sobretudo, ao querer contemporizar com eles, caiu na armadilha de fazer um discurso que lhe garantiu uma paz podre no aparelho e a intranquilidade desconfiada do eleitorado. O que naturalmente favorece Passos Coelho. Como diria o muito católico, logo muito sábio, António Guterres, é a vida. E em política a vida é injusta.
Título e Texto: Helena Matos, Diário Económico, 17-9-2013
Grifos: JP

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