Tal como na Confissão, Seguro pode repetir "por minha, culpa,
minha tão grande culpa" perdi. O quê? A hipótese de ser tomado como um
sério candidato ao lugar de primeiro-ministro. E perdeu não por causa da
inanidade das suas propostas. Destas como daquele mau aluno num exame de
Direito pode dizer-se que as originais (como a de que Portugal devia ir
imediatamente para eleições ou de que a UE impeça o desemprego acima da média)
não só não são boas como são tontinhas e que as boas (como será pedir mais
tempo aos credores) não só não são originais como têm o pequeno defeito de
dependerem em absoluto da vontade dos outros.
Mas não foi por nada disso que
Seguro perdeu. Infelizmente não é por coisas dessas que se perde em Portugal.
Seguro deixou de ser percepcionado como primeiro-ministro em consequência de um
fenómeno com que poucos contavam: o Estado Social não paga a assustadiços. Paga
a traidores, mentirosos compulsivos, fantasistas, lida mal de início com quem
pretende falar verdade... mas assustadiços é que não tolera. Muito menos em
tempo de crise. E muito menos a quem pode vir a ser primeiro-ministro.
Afinal e muito ao contrário do
que garante o manual etnográfico que serve de livro de estilo às redacções de
boa parte da comunicação social portuguesa - manual esse em que o manifestante
indignado sucedeu ao pauliteiro de Miranda - o imaginário das revoluções e dos
governos que caem nas ruas pouco tem a ver com a pobreza ou com o desemprego.
Antes pelo contrário: o Maio de 1968 foi uma revolta da fartura e em Portugal
os capitães de Abril ainda não perceberam que os golpes de 1974 e 1975 são
irrepetíveis pela prosaica razão de que não há dinheiro. O Estado Social trocou
as voltas a Marx: os proletários desapareceram há muito tempo e todos nós temos
algo a perder com uma revolução. Logo o que se quer e desesperadamente
necessita é de alguém que consiga levar o barco a bom porto e com o menor dos
danos. Dir-se-á que este é o melhor dos terrenos para os socialistas pois
ninguém quer perder aquilo que na gíria esquerdista que nos domina se diz que o
Estado dá. Pois seria, não tivesse António José Seguro cometido dois erros. Um,
que é facilmente remediável, e que passa por exagerar na irrealidade: ninguém
acredita que seja possível não despedir na Função Pública, e a não ser que
defenda um aumento vertiginoso dos impostos a redução nas pensões terá de
acontecer. E uma coisa é dizê-lo Jerónimo de Sousa, a dupla Semedo-Martins ou
Portas (quando se vir livre do Governo será o primeiro que Portas fará e
naturalmente com mais sucesso que qualquer dos outros anteriormente referidos)
outra bem diferente é um líder do PS ou do PSD dizê-lo.
Em boa verdade este erro é
facilmente remediável em campanha eleitoral. O que é mais ou menos irremediável
é o outro erro cometido por Seguro: mostrar-se hesitante, medroso, timorato
perante os seus. Incapaz de enfrentar os socráticos e de denunciar o jogo do
"esperando sempre mas não me comprometendo nunca" de António Costa,
Seguro foi-se deixando acantonar por eles e agora estes entregam-lhe uma lista
de mercearia com o que tem de ganhar nas próximas autárquicas para que eles
magnanimamente o deixem continuar à frente do partido. Enquanto lhes der jeito,
claro. O pior é que um líder acossado pela sua própria gente não é o líder a
quem o eleitorado dê uma vitória q.b. nas legislativas.
Tudo isto pode parecer injusto
a Seguro mas na verdade só tem de se culpar a si mesmo: por sua culpa, por sua
grande culpa deixou que Costa e Sócrates pareçam mais líderes do PS que ele. E
sobretudo, ao querer contemporizar com eles, caiu na armadilha de fazer um
discurso que lhe garantiu uma paz podre no aparelho e a intranquilidade
desconfiada do eleitorado. O que naturalmente favorece Passos Coelho. Como
diria o muito católico, logo muito sábio, António Guterres, é a vida. E em
política a vida é injusta.
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