Ana Sá Lopes
Uma das coisas interessantes
de ver por estes dias é como as mesmas pessoas que condenam os chamados «factos
alternativos» de Donald Trump são as mesmas que estão disponíveis para ignorar
um problema ético do Governo português – o de se o ministro das Finanças
prometeu ou não ao antigo presidente da Caixa a isenção da declaração de
rendimentos – em nome dos sucessos económicos de Centeno na redução do défice.
Após-verdade é fácil de
condenar quando se fala da América de Trump, mas no nosso Portugal paroquial, o
querer descobrir a verdade é coisa de forças interessadas em conspirar contra o
Governo. É natural que militantes mais excitados embarquem em teorias da
conspiração, até porque a busca da verdade não é um valor nacional – é preciso
reconhecê-lo.
Temos exemplos recentes: depois
de várias trapalhadas sobre Sócrates terem já vindo a lume na imprensa, o
grosso do PS preferia ignorar as suspeitas, quase entoando em coro o poema de
Sophia ao contrário: «Não vemos, não ouvimos, não lemos/Podemos ignorar».
Em sequência do regresso da
polémica sobre as responsabilidades de Mário Centeno relativamente à isenção da
entrega de declarações de rendimentos e património dos gestores da Caixa, um
académico, investigador do Instituto de Ciências Sociais, autor da História
Económica de Portugal, Pedro Lains [imagem], escrevia o seguinte no Facebook: «Com os
2,3, Mário Centeno deu a volta a tudo e todos, PSD, jornalistas, OCDE, tudo (ao
FMI não, que esse sabia, mas não dizia). Agora, claro, é alvo a abater.
Domingues foi a primeira arma de arremesso. O resto, vai-se inventado, com mais
ou menos jeito, à la Fox News. Estamos nisto. É pena que os meios de
comunicação façam oposição. Mas é assim. Paciência».
Infelizmente, Pedro Lains é um
retrato das nossas elites, que se consolarão sempre com os factos alternativos
se vierem do seu campo político, enquanto rasgarão as vestes contra os seus
adversários. Jornalismo que questione as falhas do seu campo político é sempre
«oposição». Cada país tem o que merece. É uma pena que as nossas elites
desvalorizem os valores da ética e verdade. Mas é assim. Paciência. Aliás, o
caso Sócrates explica-se em parte por este karma nacional.
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