José António Saraiva
Há uma semana, um novo programa de TV –
Fronteiras XXI, moderado por Carlos Daniel – teve como convidado na sessão
inaugural o Presidente da República.
Discutiam-se ‘os populismos’ (a
propósito da eleição de Donald Trump).
Marcelo ficou em lugar de destaque, em
frente do apresentador, havendo dois comentadores instalados em cadeiras
laterais e, num plano recuado, sentava-se o público.
Aí pareceu-me ver Jaime Gama e Marçal
Grilo, facto um pouco estranho, sobretudo tendo em conta que os comentadores
não eram pesos-pesados.
Um era João Pereira Coutinho, o outro
era uma senhora que eu não conhecia. E ambos estavam ali, segundo percebi, por
serem especialistas em ciência política (ciência que na verdade não existe, pois,
a política depende em grande parte de fatores humanos).
O Presidente e os comentadores
perderam muito tempo a falar sobre a origem dos populismos, a sua geografia e a
sua história, num estilo académico, não atacando o coração do problema.
É óbvio que o populismo está a crescer
no Ocidente porque os partidos do sistema não conseguem dar respostas
satisfatórias a certas inquietações das pessoas.
E quais são elas?
Quais são os problemas que afligem as
sociedades contemporâneas e a que os partidos centrais não respondem de modo a
sossegar os cidadãos?
Um é certamente a imigração e suas
consequências; outros são a droga, a globalização, a crise dos valores
nacionais.
E há ainda as questões ligadas à vida
e à morte (aborto, eutanásia) e à homossexualidade.
Na maior parte destas questões, a
esquerda radical impôs o discurso ‘politicamente correto’.
Ou seja: favorável à imigração,
crítica do nacionalismo, permissiva em relação à droga, adepta do aborto e da
eutanásia, aberta às reivindicações da comunidade gay.
Os partidos centrais mostraram sempre
incomodidade – e falta de combatividade – na discussão destes temas.
E, desse modo, o discurso
politicamente correto foi-se instalando, e quem se atrevia a questioná-lo foi
sendo marginalizado.
Ai de quem punha reservas à imigração,
ai de quem defendia o nacionalismo, ai de quem questionava a legalização das
drogas, do aborto e da eutanásia, ai de quem não aceitava o casamento e a
adoção por casais gay, etc.
Com medo de ser insultada,
enxovalhada, ridicularizada, muita gente, embora discordante, calou-se.
Não partilhando do pensamento
politicamente correto, também não tinha coragem para o criticar.
Assim, os problemas foram sendo
camuflados.
Atirados para debaixo do tapete.
Um amigo meu que vive em França
dizia-me há dias que, quando um árabe entra num café ou numa carruagem do
Metropolitano com uma mochila às costas, as pessoas começam a olhar e a
sentir-se desconfortáveis.
E em muitos países europeus, da
Inglaterra à Bélgica e à Holanda, sucede o mesmo.
Há uns meses, o ministro do Interior
holandês (de um Governo de bloco central) escrevia: «A sociedade holandesa está
a desintegrar-se, em termos de identidade [por causa dos imigrantes], e já
ninguém se sente em sua casa na Holanda».
Convenhamos que é muito preocupante
ouvir um membro do Governo dizer isto.
Outro exemplo: a empregada doméstica
de uns amigos meus passa a vida a praguejar contra os imigrantes e os ciganos,
porque são esses que lhe fazem ‘concorrência’.
Como esta mulher, há muitas outras
pessoas a pensar assim.
Ora, para tranquilizar esta gente não
basta dizer: «A Europa (ou os EUA) tem uma tradição humanista e universalista e
aceita os imigrantes de braços abertos».
As pessoas já não vão em conversas,
querem atitudes e não palavras.
A maioria das pessoas quer um Estado
que as proteja – e que não tenha uma atitude mole em relação ao combate ao
terrorismo e demasiado permissiva relativamente à imigração.
Do mesmo modo, questões como a droga
vão destruindo o tecido social – e outras como o aborto, o casamento gay ou a
eutanásia vão causando incómodo em certos setores (os católicos e não só) que
se vão sentindo violentados nas suas convicções.
A força de Donald Trump foi dar voz a
todo este descontentamento muitas vezes silencioso, mas cada vez mais vasto.
Trump veio romper uma cortina de silêncio.
Muita gente que tinha medo de falar
abertamente destes temas, porque receava ser hostilizada, sentiu-se livre para
dizer o que pensa.
Trump veio ‘libertar’ a maioria
silenciosa.
Através de Trump percebeu-se que
metade da América se sentia reprimida.
Por isso, não adianta nada gritar
contra Donald Trump.
Os países têm é de resolver os seus
problemas – e não escondê-los.
Enquanto os partidos do sistema não
perderem o medo, e continuarem a aceitar o espartilho do politicamente correto;
enquanto não forem capazes de dar respostas à imigração que tranquilizem e
convençam as pessoas; enquanto mostrarem incapacidade para combater o flagelo
da droga; enquanto forem tímidos relativamente às questões que envolvem a vida
e a morte, como o aborto e a eutanásia; enquanto este estado de coisas se
mantiver, os populismos continuarão a avançar.
Sejam os populismos de esquerda, para
defenderem as suas ‘conquistas’, sejam os populismos de direita, para as
questionarem – como está Trump a fazer nos EUA.
Neste aspeto, Donald Trump teve a
virtude de enfrentar o politicamente correto, que tendia a constituir-se em
pensamento único.
Título e Texto: José António Saraiva, SOL,
12-2-2017
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