Lucy Pepper
Lisboa é ainda em larga medida um mercado
emergente para turistas. Uma má experiência pode ser suficiente para não
voltarem e recomendarem aos seus amigos que não venham.
Imagem: EPA |
Há dias, uns amigos meus
voltaram a Lisboa para passarem um mês. Apaixonaram-se pela cidade e decidiram
mudar-se para cá permanentemente, com os seus filhos pequenos e os seus
negócios. Vieram por um mês à procura de casa e de escolas, e para tratarem do
mais que que é necessário para se instalarem num novo país. São do tipo de
pessoas que Lisboa precisa e devia querer: profissionais altamente
qualificados, cheios de dinamismo, interessados pelo sítio onde vivem, com contatos
internacionais e filhos suficientemente novos para aprenderem a língua e
integrarem-se na sociedade portuguesa.
Tomei café com eles ao
terceiro dia da sua estadia em Lisboa. “Como é que vai a procura de casa?”
perguntei.
“Afinal, já não temos a
certeza de querer viver aqui,” responderam. “Graças a deus que só viemos por um
mês. E pensar que quase trouxemos tudo.”
O amor sem limites que sentiam
por Lisboa ainda há poucos meses desaparecera. A mudança chocou-me. Claro que,
sempre que conhecemos melhor uma pessoa, uma coisa ou uma cidade, encontramos
falhas, e o antigo amor à primeira vista diminui um bocadinho. Mas neste caso,
o objeto do seu amor parece tê-los tratado horrivelmente, desiludindo-os de uma
maneira bem pior do que um namorado que, afinal, tem o mau hábito de atirar com
as peúgas sujas para o chão e nunca as apanhar.
Não foi a chuva desta semana.
Na última visita, também fazia frio e chovia, e mesmo assim eles tinham adorado
Lisboa.
Não foi a quantidade enorme de
construção que fere a cidade por todo o lado, porque isso já acontecia há uns
meses atrás.
Não foi também o que eles,
entretanto, leram sobre a ensarilhada situação financeira do país. Sim, isso
preocupou-os, mas os negócios deles são internacionais e não dependeriam da
economia portuguesa, embora, claro, a economia portuguesa tivesse a ganhar com
eles, porque viriam criar riqueza e empregar pessoas em Lisboa.
Portugal, porém, no espaço de
três dias, mostrara-lhes uma das suas falhas mais antigas, uma coisa que todos
temos testemunhado, mas uma coisa que eu pensava já estar a acabar,
especialmente em Lisboa. Em resumo: Lisboa sujeitara-os a três dias de falta de
profissionalismo, à moda antiga, com uma fúria forte e feia.
Primeiro, aconteceu-lhes
chegar ao apartamento alugado através de um dos grandes sites de alugueres, e
descobrir que, afinal, não correspondia em nada ao anúncio, nem sequer satisfazia
as suas necessidades. Mas quando se atreveram a pedir de volta o (vasto)
pré-pagamento, a mulher que lhes alugara a casa, como vingança, denunciou-os
publicamente no facebook, clamando mentirosamente que lhe tinham danificado a
casa (por onde não passaram mais do que 24 horas), e devolveu-lhes apenas
metade do (vasto) pagamento que tinha pedido por um apartamento que afinal não
tinha nada a ver com o que anunciara.
Felizmente, os meus amigos
encontraram outra casa no mesmo site, uma casa melhor e maior, mas, como é
óbvio, ainda mais cara. A alegria, porém, não durou. Na primeira manhã nessa
casa, acordaram às oito horas, ao som de obras de construção no andar de baixo.
O senhorio que lhes alugara essa casa escondera-lhes que havia obras no prédio,
que essas obras já tinham começado há quinze dias, e que iam durar mais um mês
– precisamente o mês que eles iam ficar em Lisboa.
Depois, pelo menos duas
instituições das quais os meus amigos precisavam de respostas definitivas, sem
as quais não podem mudar-se para cá, não se mostraram capazes de dar essas
respostas, nem de lhes dizer quando as dariam. Houve ainda vários outros
incidentes com lojas e serviços, que não vale a pena contar. Todos lhe
mostraram, de modo brutal, um lado de Portugal que, felizmente, a maior parte
dos visitantes de hoje já não vê, e que fazem parte da crónica de um país sem
profissionalismo e sem graça. Quando é que haverá aulas de profissionalismo nas
escolas, independentemente das áreas vocacionais?
Que diferença é que podem
fazer estas más experiências? Muita. Lisboa é ainda em larga medida um mercado
emergente para turistas e residentes estrangeiros. Londres, Paris ou Madrid
também têm os seus “unprofessionals”, como é óbvio, mas essas cidades são
suficientemente reputadas pela enorme oferta que têm a todos os níveis, e um
incidente nunca dissuade um turista de voltar ou um estrangeiro de ficar. Mas
Lisboa não é assim. Depois de uma má experiência, porque há de um turista
regressar, ou um estrangeiro fixar residência aqui?
Tentei convencer os meus
amigos de que estes três dias foram uma simples e azarada acumulação de
coincidências, e que normalmente a vida em Portugal não é assim. Argumentei que
estes três dias são o pior que pode acontecer em Portugal, e que, tendo
presente as coisas catastróficas que ocorrem em outros países em que eles já
viveram — países muito mais perigosos e corruptos — Portugal é canja.
Espero que eles ainda acabem
por decidir ficar, para ver como as coisas mudaram.
Diga-lhes para vir passar um dia no Rio de Janeiro, andar de táxi, passear a pé em Copacabana e ir à praia no arpoador. Só essas três experiências.
ResponderExcluirNo dia seguinte com toda a certeza mudam de planeta.
José Manuel