Rui A.
Durante muitos anos o regime
democrático português sorriu, com ironia mais do que justificada, da velha
licença de utilização de isqueiro que o Estado Novo pusera em vigor em novembro
de 1937, pelo Decreto-lei nº 28219. A coisa tinha o seu ridículo, sobretudo
quando vista com mais de quarenta anos sobre a data daquele diploma, ainda que
se pudesse arguir, em defesa do mesmo, que a generalização do hábito de fumar
era, nessa época, muito recente e que a proliferação de meios incendiários, que
usavam produtos petrolíferos para a combustão, nas mãos de milhares de
fumadores, poderia envolver riscos ainda desconhecidos. Quem usasse isqueiro
para fumar ficava, assim, sob a tutela do estado, não fosse dedicar-se a atividades
subversivas, e isso teria necessariamente um custo…
Ora, por mais que puxemos pela
cabeça não conseguimos atingir as razões substantivas que levaram o governo
português em funções a aprovar a recente taxa anual de 50,00 € para «autorização
da detenção de espécies aquícolas em cativeiro para fins ornamentais», que
foi publicada no último dia 28 de Dezembro, no Diário da República, Iª Série – nº 248. Serve esta taxa,
entretanto já popularizada pela «taxa aquário» para quê? Que custo social tem
um dono de um aquário de pagar ao estado? O facto das águas donde essas
espécies vem – na maioria tropicais – ficarem sem os bichanos? Mas o que tem o
estado português a ver com isso? A necessidade de pagar um custo pelo benefício
de se contemplarem as maravilhas da natureza aquícola «detidas» em cativeiro
privado? Ninguém sabe, ao certo. Todavia, se quisermos taxar usos menos
apropriados por parte dos seus responsáveis e beneficiários, poderemos
considerar as seguintes possibilidades, que deixamos ao superior critério
governamental:
1ª Taxa do preservativo
marginal, a incidir sobre cada unidade desse produto consumida a mais na
mesma relação sexual. É sabido que o látex e o petróleo poluem o ambiente, e
que um cidadão consciente das suas obrigações sociais não deverá usar mais do
que o necessário para satisfazer os seus instintos primitivos, isto é, uma
única unidade por relação. As demais serão desnecessárias e devem ser taxadas.
2ª Taxa da flatulência
agressiva, a aplicar sobre os gases emitidos pelos organismos não sociais,
mas humanos, desde que o mesmo ocorra fora dos recintos apropriados, isto é,
dos wc. É escusado explicar a necessidade ambiental imperiosa para esta
importante contribuição social.
3ª Taxa do odor corporal
intenso, que será cobrada a quem, por não tomar banho diário ou por usar
produtos de higiene corporal comprados no LIDL, produza odores corporais
inapropriados e, com isso, perturbe colegas de trabalho, passageiros de
transportes públicos ou de elevador.
4ª Taxa do comentário
idiota, para castigar e, de preferência, evitar comentários cretinos ditos
em público, tais como «afinal havia outra via» ou «acabou-se
a austeridade».
Título, Imagem e Texto: Rui A., Blasfémias, 3-1-2018
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