quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

A “pureza” é sempre fatal: se Bolsonaro quiser bancar o Robespierre, terá o mesmo fim

Rodrigo Constantino

A militância de Jair Bolsonaro [foto] está na defensiva, e mais agressiva, desde que saíram informações na imprensa sobre seus investimentos imobiliários familiares e outras questões suspeitas, de uso de verba pública para fins privados ou funcionário fantasma.

Alguns baixaram o nível a ponto de atacar uma jornalista até “ontem” tida como ícone da direita com mensagens sobre sua vida privada sexual, e tantos outros estão defendendo tal postura abjeta. É a escolinha do professor Frota em ação…

O deputado deve explicações, por óbvio, e atacar a mídia não é defesa legítima para quem pensa. Dito isso, é claro que os ataques a Bolsonaro são desproporcionais, que a mesma mídia tem viés de esquerda, que protege Lula, que adota uma seletividade hipócrita etc. Tudo isso é verdade, e os seguidores do capitão estão certos nesse ponto.

Uma das fãs de Bolsonaro, que não se importa com a alcunha de “bolsominion”, escreveu um texto como desabafo. Claudia Wild argumenta que falta senso de proporção aos que atacam Bolsonaro, tendo uma máfia socialista em ação no país com chances concretas de voltar ao poder. Diz ela:

Não dá para aceitar que joguem no mesmo balaio do menoscabo e da repugnância aqueles que por convicção apoiam o único candidato que não está comprometido com o projeto de poder marxista na América do Sul. Assim, gradativamente, todos que criticam as condutas exageradas, maliciosas dos detratores de Jair Bolsonaro – caso abram a boca – passaram a ser rotulados como “cegos, fanáticos, petistas invertidos “e outros títulos trapaceiros. Não caiam nesta tentativa barata de intimidação por atacado.

O maior estrago que a esquerda fez no Brasil (e, provavelmente, no mundo) foi extirpar – completamente – das pessoas o senso das proporções para o julgamento da maioria das situações. Estas pessoas defendem o direito à crítica, desde que não sejam objeto dela. Estes iluminados defendem uma democracia de um lado só – desde que lhes convenha emudecer quem não pense como eles. Estes divinos deuses do entendimento da guerra política recusam-se a dar o direito de defesa ao candidato Jair Bolsonaro e ao mesmo tempo ampliam as garantias dos ataques de seus desafetos, dos mentirosos e todos aqueles que por nojo estético – ou ideologia – não querem e não admitem que outros queiram votar no Capitão. Vivem pedindo respeito e ignoram que precisam respeitar minimamente as divergências, digamos, “internas” - ainda que não gostem disso.

Claudia tem um ponto. Mas gostaria de acrescentar outros para reflexão. O próprio Bolsonaro tem culpa no cartório sobre essa “falta de senso das proporções”. Afinal, foi ele, com sua militância, que jogou todos no mesmo saco podre, que misturou “tudo e todos” como se fossem da mesma laia, que não fez qualquer distinção entre PT e PSDB.

Se não fosse fiel ao bolsonarismo, então era um “socialista fabiano”, um agente de Soros e do globalismo, um vendido. Não havia mais 50 tons de cinza, ou mesmo de vermelho: era tudo a mesma porcaria! Alckmin? É Lula com menos cabelo. Doria? É Lula mauricinho. Todos, à exceção do próprio Jair, eram do Foro de SP, e os jornalistas independentes que ousassem fazer críticas ou perguntas incômodas só podiam ser petistas também!

Ah, eu sei disso pois eu mesmo fui vítima de ataques dessa natureza! Ao nivelar todos por baixo e colocar somente Bolsonaro como diferente, como o ícone da moralidade, como a pureza em pessoa, era questão de tempo até o tiro sair pela culatra. E não foi por falta de aviso!

Agora os “bolsominions” já saíram da bolha e mudaram o discurso: Bolsonaro não é o único incorruptível, mas os outros são piores! Se enxergam já o cinza, então é sinal de amadurecimento. Então podem reconhecer, por exemplo, as melhorias da gestão Temer, sem ter que rotular os demais que o fazem como “defensores de bandidos”. Ou alguém tem saudade de Dilma e do PT?

Se já são capazes de ver as gradações, então podem reconhecer que o PSDB, apesar de todos os seus defeitos que eu mesmo vivo apontando, não é igual ao PT, e que o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal e as privatizações foram avanços importantes, sem falar da essência mais democrática dos tucanos, ao contrário dos petistas, marginais defensores de Maduro. O PSDB merece muitas críticas, inclusive pela postura pusilânime frente ao próprio PT, mas não é igual ao PT. O Brasil não correria o risco de virar uma Venezuela sob o PSDB ou mesmo sob o PMDB.

Enfim, quando se sai da bolha da pureza total (e fatal), e se passa a admitir a existência de defeitos, há amadurecimento, e vamos ponderar quais são os defeitos mais toleráveis na política, e quais são as virtudes e qualidades mais desejáveis. Mas lidando com seres humanos imperfeitos, não com “mitos”. Mantendo o ceticismo, não a idolatria. Entendendo que política é a arte do possível e a escolha do menos pior, não a busca por um messias salvador da Pátria.
Bolsonaro ainda pode ser considerado a única alternativa real ao esquerdismo em 2018, um remédio amargo, um grito de desespero, um ato de revolta contra o establishment, contra a hegemonia esquerdista na cultura, a impunidade dos corruptos. Desde que isso não se transforme em sinônimo de “vale tudo”, de “redenção”, de “solução mágica” para nossos problemas, até porque Bolsonaro sequer aprova a reforma previdenciária tão necessária para o Brasil. Claudia Wild escreve:

Exigem do candidato uma perfeição imaculada que ninguém tem (nem eles próprios). Chegaram ao esdrúxulo estado mental de não distinguirem uma dispensável ironia tosca de uma fala acadêmica. Como já disse e repetirei, o que nos move a apoiar Jair Bolsonaro é o nosso patriotismo – e mais nada, pois sabemos que, caso a esquerda volte ao poder, o Brasil será soterrado rapidamente.

Se exigem essa “perfeição imaculada” é porque ele a alimentou de certa forma. Robespierre também alimentou sua fama de incorruptível, e ela o ajudou a chegar ao poder por meio da revolução. Mas sabemos o resultado: o Terror, as guilhotinas, e seu próprio pescoço rolando depois. Bolsonaro parece já ter seu exército de soldados, e mesmo que os mais fanáticos sejam uma minoria barulhenta, o fato incômodo é que não são desautorizados pelo próprio.

Ao contrário: um sujeito como Alexandre Frota, que queria espancar um cidadão qualquer venezuelano no Brasil só para retaliar Maduro quando prendeu um brasileiro, merece elogios do capitão. Bolsonaro se cercou dos mais fiéis e bajuladores, que são também os menos críticos e inteligentes, os que estão indispostos a conviver com qualquer contraditório. E criou em torno de si uma aura de instrumento da moralidade contra um mundo corrupto. Isso poderá ser muito prejudicial à sua campanha, como prevê Carlos Andreazza:

Com ou sem Lula na urna, porém, estou entre os que apostam na desidratação de sua candidatura uma vez iniciada a campanha e posta a moer a máquina eleitoral do establishment.

Ele poderia, no entanto, dificultar a própria maceração. Mas, apregoando-se como o suprassumo da ética, montou armadilha fatal contra si, machucado por qualquer esbarrão no mais caro pilar do tripé que sustenta o conservadorismo familiar que exprime: o da moralidade.

Bolsonaro “comedor de gente”? Bolsonaro “comendo gente” com dinheiro público? Aí, a casa começa a ruir. Bolsonaro com funcionário fantasma? Bolsonaro com assessor parlamentar — pago com recursos públicos — servindo em Angra dos Reis? Aí, a casa cai.

O deputado ergue sua mitologia sobre a pedra do político diferente. Para quem estica a corda da própria integridade assim, qualquer frouxidão no fio gera dissonância sobre a credibilidade; porque volta contra si a régua da pureza estabelecida para malhar os demais. Esse, todavia, foi o solo em que se plantou. Talvez — justiça seja feita — não houvesse alternativa; não para que chegasse aonde chegou. Para ele, mais que qualquer outro, não basta ser honesto. Tem de parecer; o mais honesto indivíduo já parido sobre a Terra. Bolsonaro pode perder tudo, até o auxílio-moradia, e ainda resistir. Mas não a supremacia moral, superfície sobre a qual o mais mínimo arranhão — ele e os seus sabem — será gangrena.

Esse medo da infecção ficou evidente a partir do levantamento patrimonial empreendido pela “Folha de S.Paulo”. Não há, na reportagem, prova de atividade ilícita. É legítimo, entretanto, estranhar que indivíduos cuja atividade sempre foi pública tenham podido comprar 13 imóveis. Esse pavor — a noção de que tinham a imagem em risco — acuou os Bolsonaro e os colocou em inédita posição defensiva.

Em vez de acusar conspirações onde só há necessária luz sobre a vida de quem quer presidir o país, Bolsonaro deveria dar satisfações claras ao brasileiro — pai de família, que não sonega impostos, dono apenas de princípios — que passou a duvidar do mito.
Em suma: é melhor Jair se explicando.

E essa mentalidade, a de que cabe a todo político ter sua vida devassada pela imprensa, ser transparente e ter que prestar explicações ao cidadão, ao pagador de impostos, ao eleitor, é uma mentalidade liberal, e fundamental para o sucesso do país a longo prazo. É quando o governante deixa de ser investigado e cobrado que vivemos na tirania. Se Bolsonaro for eleito, seus fãs vão continuar condenando o trabalho investigativo da imprensa? E essa não é justamente a postura dos petistas com Lula?

Há, reconheço, os liberais “purinhos” também, aqueles que preferem ficar na confortável Torre de Marfim, em suas abstrações ideológicas, com suas metralhadoras giratórias contra tudo e todos no mundo real, sem disposição para sujar minimamente as mãos na guerra política e cultural, sem qualquer apreço pelo pragmatismo de resultados. Não sou desse tipo, o leitor sabe.

E estou disposto até a alimentar o benefício da dúvida de que Bolsonaro possa mesmo ser o instrumento viável e necessário hoje para conter a esquerda. Mas só se for dentro de certos limites de ética, decência e decoro. Como na metáfora do time de futebol, há espaço para várias funções, para zagueiro, atacante, meio-campo, laterais, torcida, técnico.

Mas se o zagueiro começa a fazer gol contra, é importante tirá-lo do time. Entre os “bolsominions”, tem muito zagueiro desse tipo. E pior: falam em nome da direita e acabam estimulados, ainda que indiretamente, pelo próprio capitão. De um time desses nenhum liberal pode aceitar fazer parte. Temos que jogar a água suja do esquerdismo fora, mas sem jogar junto o bebê da democracia liberal…
Título, Imagem e Texto: Rodrigo Constantino, Gazeta do Povo, 16-1-2018

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