Aparecido Raimundo de
Souza
Para meus filhos
Luana, Amanda, Narjara, Antonella, Eduardo e Érica e todas as demais crianças
neste dia que é só delas.
ASSIM QUE LUANA pegou a enorme caixa
envolta num papel vermelho e amarrada com uma fita verde, que havia ganhado no
dia de hoje, o dia das crianças, tratou logo de rasgar o celofane colorido que
a envolvia e matar a curiosidade. Ao topar com uma boneca quase do seu tamanho
correu a abraçar o pai.
- Que tal um beijo?
Luana aquiesceu
sorridente. Deu um beijo no pai. Em seguida o abraçou novamente. Estava
radiante e eufórica.
Feito isso,
desvencilhou-se rápida e passou a reparar nos mínimos detalhes. Ali estava o
seu sonho. Uma boneca exatamente como queria, como via em seus devaneios: os
cabelos lisos, com os fios coloridos, até a altura da cintura, uma tiara
grudada no couro cabeludo. Nas pernas uma meia calça, os sapatos brancos. No
lugar dos seios, duas bolas internas, a cintura fina.
- Como ela é magra!
- Come pouco –, disse
o pai, muito sério, olhando para a introspecção que se formara nos olhos da
criança -, por isso, a cintura dela é fina.
- Será que ela malha a
tarde toda, na academia, como a tia Mimice?
- E como a sua outra
tia Milinha também, sem contar que nenhuma das duas bebe refrigerante.
- Como é que o senhor
sabe?
- Adivinhei.
- Olha só: ela só tem
uma calcinha. E se ela quiser ir ao banheiro e por acaso se molhar?
- Ela é uma boneca. E
as bonecas não vão ao banheiro nem fazem xixi. Logo a sua boneca não vai molhar
a calcinha...
- A de Amanda é
diferente.
- Diferente como,
papai?
- Ora, filha,
diferente...
- Mas como, pai?
O pai fica confuso.
Sai pela tangente como pode.
- De vez em quando
você vai precisar tirar a calcinha dela e lavar.
- Mas se ela não faz
xixi e não se suja, por que tenho que tirar a calcinha dela e lavar?
Sem saída o pai tratou
de mudar de assunto:
- Que nome você dará a
ela?
- Sofia.
- É feio. Parece
sofria.
- Pai, o que é sofria?
- Ponha o nome da sua
irmã: Narjara.
- Têm muitos. E depois
minhas amigas vão me gozar lá na escola.
- Gozar? Como?
- Na minha sala de
aula tem uma Narjara. E todos “chamam
ela” de Cobra. “Está na hora da cobra chegar. Viu, foi na hora. A Cobra chegou.
Olha só o guizo. Vai atacar alguém...”.
- Amiguinha?
- Carina?
- Acho chato.
- Chato?
- É. Chato.
- Ludimila?
- Credo!
- Então?
- Pai, o que é sofria?
Título e
Texto: Aparecido Raimundo de Souza, jornalista. Dos funerais de Zíbia
Gasparetto. Cemitério de Congonhas, São Paulo, Capital. 12-10-2018
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