O diabo pode citar as escrituras quando isso lhe convém.
Shakespeare
Quero refletir um pouco sobre
duas cortes supremas. A Suprema Corte dos Estados Unidos e o seu correlato
Supremo Tribunal Federal do Brasil.
Como os Estados Unidos criaram
o sistema presidencial, à proporção que as colônias europeias nas Américas
iam-se tornando independentes assumiam esse sistema. Não quero me estender no
curso de uma história que todos nós estudamos nos bancos escolares.
Quero só timbrar que, passados
quase oitenta anos da independência, foi proclamada a república brasileira,
assentada numa constituição basicamente moldada por Ruy Barbosa, admirador do
presidencialismo e do constitucionalismo americanos.
Criamos uma suprema corte à
imagem da existente na já então mais de centenária e bem-sucedida república dos
Estados Unidos. Acredito que as comparações, trazidas para o presente, ficam
por aí.
Como conheço bem a nossa corte
suprema, sua atual composição e costumes dos seus membros, venho de há muito
procurando saber como vivem os membros da Suprema Corte americana.
Parece uma corte de fantasmas.
Perpasso páginas da imprensa, leio artigos e sinto muita dificuldade em saber o
que estão fazendo os seus membros, aqui chamados de justices.
São levados à suprema corte
americana algo em torno de cinco a oito mil processos por ano. Vários desses
processos são selecionados para que os advogados patronos das causas façam
sustentação oral para demonstrar a importância e a repercussão do julgamento da
causa pela corte. O fato é que somente
uns oitenta processos são selecionados para julgamento, e, além disso, as
petições devem ser objetivas e não exceder, em tese, as 29 laudas.
Ora, se comparamos esses cerca
de oitenta processos julgados pela Suprema Corte com as dezenas de milhares que
são julgados por nosso Supremo Tribunal Federal, haveremos de concluir que os
membros da Corte Suprema americana têm tempo à vontade para sair por aí
flanando. E realmente têm.
Mas como é difícil você
conseguir saber o dia a dia desses justices. Parece que são fantasmas. Mas
minha curiosidade era e é grande para saber o que fazem esses senhores juízes.
Sei que não ganham muito. Recebem por ano em torno de US$244,000.00. Alguns são
ricos. Vários são professores de direito. O fato é que os seus ganhos são
insignificantes ante o que aufeririam se estivessem em grandes organizações
advocatícias. Às vezes ganham muito na edição de livros que escrevem.
Assisti boa parte das
intermináveis audições a que foi submetido Neil M. Gorsuch, candidato apontado
pelo presidente Trump para preenchimento da vaga deixada pela morte do justice Antonin Scalia. A vida profissional e moral do candidato foi submetida a um escrutínio
profundo e os senadores foram duros na sabatina. É como se fosse uma prova
olímpica de competência e integridade de caráter. Como já era juiz federal,
seus votos e sua vida foram inteiramente radiografados. Causa inveja aos
processos de confirmação que tenho assistido para preenchimento de vagas no
STF. O despreparo da maioria dos senadores brasileiros para proceder à sabatina
é mais que evidente. Quem sabe um dia o Brasil chegue lá...
Vivem uma vida próxima da
normalidade. Observam vida recatada, sem embargo de idas a teatros, balés,
espetáculos esportivos, como qualquer pessoa do povo. Li que, como costumo
fazer, um dos membros posta-se na porta da casa distribuindo guloseimas às
crianças no dia da festa de Halloween. Não andam assediados e poucos eventos
sociais são patrocinados pela corte. Se forem a restaurantes ou lugares
públicos nem serão notados.
Fazem palestras não
remuneradas, viajam a convite para eventos nacionais e internacionais com
despesas sempre pagas pelos patrocinadores. Quando isso sai do razoável, a
crítica vem. Não andam dando entrevistas nem deitam falação sobre temas que
terão de desatar.
Tirante isso, voltam às
condições de fantasmas e só tornam a ser mencionados quando das grandes
decisões de que participam.
Já da maioria dos ministros do
Supremo Tribunal Federal não se pode dizer o mesmo.
Vão chegando para um trabalho
que devia ser discreto, lá vêm os repórteres com os microfones arrancar
entrevistas e pronunciamentos sobre casos que decidirão.
Vivem se queixando que decidem
dezenas de milhares de casos por ano. E isso é verdade. Deveria ser um trabalho
insano. Os pobres coitados, pela labuta de que se queixam, não deveriam ter
tempo nem para tomar um banho decente. A despeito disso, haja viagem, haja
simpósios em bons hotéis e resorts, para não falar em almoços e jantares com
gente que, muita vez, terão que julgar. Não quer dizer que não haja ministros
de vida reclusa e morigerada e que observam a liturgia do cargo.
Por outro lado, como
fartamente noticiou a imprensa, um deles, figura polêmica pelo apoucado
conhecimento jurídico, açoitado por algumas doses de whiskey, abriu o
dicionário de palavrões para louvar o próprio e a pobre mãe de jornalista
ilustre, que se retirava de um dos inúmeros convescotes da malsinada Brasília,
cidade que fica ali na confluência de Sodoma e Gomorra.
Temos todos assistido ao vivo
e em cores inúmeros pega-pra-capar entre alguns de seus membros, rififis
próximos a um verdadeiro pugilato. Um escárnio.
Temos algo muito emblemático em
relação ao STF. Refiro-me ao julgamento do processo conhecido como Mensalão.
Condenaram pessoas do núcleo financeiro a mais de quatorze anos, os integrantes
do núcleo publicitário até a trinta e sete anos, pessoas que nada mais fizeram
do que executar um plano que veio de cima, das mais altas esferas do poder
executivo. O plano era comprar uma base aliada para não só criar a hegemonia do
PT como impor um programa de condução do País ao socialismo, estratégia
desenhada no chamado Foro de São Paulo, que buscava levar toda a América Latina
a regimes ditatoriais, começando pela tomada do poder pelo voto. As lideranças
desse Foro estavam nas mãos politicamente suspeitas de Fidel Castro, Lula e
Hugo Chaves, pessoas que falavam em democracia com o maior descaramento.
Enquanto isso, o STF condenava
a penas leves toda a cúpula do PT, exceção feita a Lula, considerado inocente,
o homem que de nada sabia. Uma vez livre, leve o solto, pode continuar a
governar e permitir, por comissão ou omissão - quero aqui ser light -, a
instalação do Petrolão, plano nascido da experiência do Mensalão, ou a ele
coetâneo.
Em razão dessa forma
desarrazoada de apreciar toda extensão de um sofisticado plano
político-delinquencial, a grande maioria não pode ir a um restaurante ou a eventos
e lugares públicos, com medo que o povo puxe a cordinha da descarga.
O PT inaugurou no Brasil uma
era que se vem revelando um verdadeiro sinal dos tempos, algo que poderíamos
chamar do espírito do tempo petista, um lamentável zeitgeist do PT. Esse mesmo
partido, que se tem mostrado capaz de qualquer coisa, por uma dessas injunções
históricas conseguiu nomear a maioria dos atuais membros dessa corte,
procurando sempre, com o dedo que não se pode chamar de limpo, apontar aqueles
que melhor preenchessem os requisitos de seu decálogo político. Um Senado, que
veio se provar composto por muitos corruptos, disse amém a todas essas
indicações.
Tomara que tal critério de
nomeação não se venha transformar num vaticínio; tomara que os nomeados não se
achem devedores de quem os nomeou e assumam posição acima das conveniências e
compromissos pessoais para pensar antes de tudo no bem comum, no bem do País,
no “esquecido homem brasileiro”, aquele que trabalha e paga impostos sem
praticamente nenhuma contrapartida.
A propósito, parece ser um
desplante, depois de tantas críticas, um dos ministros mais chegados ao partido
procurar compor a turma que julgará os processos da Lava Jato. Foi uma
temeridade, para não dizer um acinte.
Os membros de nossa suprema
corte deveriam alçar a si próprios ao sonho de Ruy Barbosa que queria
constituição e instituições à altura das americanas. Deveriam comportar-se como
os ilustres justices da Suprema Corte americana, competentes, recatados, de
costumes morigerados e quase invisíveis, sobre terem a vantagem de poder
frequentar qualquer ambiente público, onde, se reconhecidos, serão
reverenciados.
A toga, meus caros, usada
desde Roma, lembra aos julgadores a seriedade de sua missão. Simboliza a
grandeza da missão de julgar. Envergar a toga pressupõe atributos de sapiência,
circunspecção, altivez e senso de grandeza. Representa o sentido de missão que
deve estar presente na mente dos senhores julgadores, especialmente daqueles
que estão na cúpula do sistema. É um símbolo a ser dignificado.
Pensando em tudo isso, fui
dormir. Tive um pesadelo.
Vi sete ministros da nossa
corte num caruru de Cosme e Damião. Todos envergando as respectivas togas,
sentados no chão. No colo, pratos com vatapá, xinxin de galinha, farofa de
dendê e caruru gosmento.
O sonho tornava-se denso e
sufocante. Via os ministros comendo de mão, empurrando mais comida em bocas já
cheias. Via, nauseado, o vatapá, a farofa de dendê, o caldo do xinxin de
galinha e o caruru gosmento escorrendo pelas comissuras labiais e pelos cantos
das bocas. Um por um, os vi usando as togas para limpar toda aquela baboseira e
as mãos sujas. Para minha angústia, tudo debalde. As togas, além de não darem
conta do recado, já estavam todas emporcalhadas.
Uma boa semana para todos.
Título e Texto: Pedro
Frederico Caldas, 26.5-2017
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