Plinio Maria Solimeo
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Tomada da Bastilha, 14 de julho de 1789 |
No prólogo de sua completíssima
biografia de Santo Afonso de Ligório, [i] o erudito historiador e hagiógrafo
francês Padre Berthe [foto abaixo] debuxa em rápidos traços a situação
religiosa na França no início do século XX.

Entretanto, após investir
contra o altar e o trono, a Revolução de 1789 fez um recuo tático: com a
Concordata de Napoleão e particularmente com a Restauração dos Bourbons em
1814, ela permitiu que a situação religiosa na França de certo modo se
recompusesse e a Igreja recomeçasse a inspirar a vida pública dos franceses.
Contudo, como os revolucionários não estavam dormindo, mas tinham apenas mudado
de tática, ganharam amplamente as eleições em 1879 e começaram a trabalhar para
acabar coma influência da Igreja sobre o Estado, ainda relativamente forte.
Assim, nesse mesmo ano
suprimiram a obrigação do repouso dominical, e no ano seguinte interditaram as
congregações religiosas e expulsaram a Companhia de Jesus. Em 1881
secularizaram os cemitérios, até então ligados à Igreja, e em 1882 laicizaram a
escola primária, tirando-a do âmbito religioso.
Mas isso ainda não satisfazia
a sanha dos revolucionários: em 1884 eles suprimiram as orações públicas na
Câmara dos Deputados e restabeleceram o divórcio. No ano seguinte fecharam as
Faculdades de Teologia geridas pelo Estado e laicizaram os hospitais, que até
então sob a tutela da Igreja. Em 1886 laicizaram o pessoal de ensino nos
estabelecimentos laicos e em 1887 retiraram os símbolos religiosos dos
tribunais. Em 1889 decretaram a convocação dos seminaristas e clérigos para o
serviço militar, e finalmente, em 1904, romperam as relações diplomáticas com a
Santa Sé e decretaram a separação da Igreja e do Estado[ii].
Enquanto os revolucionários
demoliam assim toda a influência da Igreja na esfera temporal, o que faziam os
católicos, majoritários no país? Como foi possível — pergunta o Padre Berthe
— “reduzir os católicos a esse estado de escravidão” na
outrora Filha Primogênita da Igreja, sem que houvesse uma reação proporcional?
Para o ilustre eclesiástico,
isso só se deu porque os católicos em geral se esqueceram de que a Igreja é
militante e, portanto, que devem lutar contra o demônio, o mundo e a carne.
Mas, sobretudo, porque “a maioria não quis compreender que o cataclismo
de 1789 não foi uma revolução comum, mas a Revolução dos povos contra Deus e
contra seu Cristo, a apostasia das nações”.
Eis como o Pe. Berthe descreve
a consequência dessa apostasia dos católicos: “Cegos voluntários, em
presença das ruínas que se acumulavam, continuavam a repetir ‘que o mal não é
tão grande, que todos os séculos se assemelham, e que os homens sempre foram os
mesmos’. Eles dormirão em seu otimismo até o dia em que, com a religião e a
moral destruídas, a sociedade desmoronará sob os golpes do socialismo”.
Mas é preciso citar os
“colaboracionistas” — aqueles católicos “esclarecidos e progressistas” como
os há hoje —, “que julgavam que se devia poupar [a Revolução],
aceitando seus princípios, louvando como ela a liberdade, o progresso, a
civilização moderna, aconselhando mesmo à Igreja de se reconciliar com o
direito novo, de sacrificar suas imunidades, e de se mostrar menos
intransigente em matéria de moral, de ascetismo, de exegese, de história, de
tradições”.
É o que sucede também em
nossos dias quando, para adaptar a Igreja ao “espírito do mundo”, se leva tudo
de roldão, provocando o desfazimento da vida de família com a avalanche
homossexual, a teoria de gênero, o aborto etc., tendo como consequência,
sobretudo, a terrível crise que devasta a Santa Igreja.
Continuando com o Padre
Berthe, por causa dessa colaboração ou pela falta do espírito de luta, “se
nós perdemos bom número de nossas posições, é porque não as quisemos defender
muito vigorosamente. […] Em tempo de guerra, todo homem é soldado; em tempo de
perseguição, todo cristão deve dizer como os Macabeus: ‘Antes a morte à
apostasia!’”.
Qual é a solução que nos
apresenta? A que ele propõe era válida para o início do século XX, mas hoje,
por causa da profunda crise na Igreja, precisaria de uma adaptação, a qual
exigiria uma nova envergadura para combater o mal.
Afirma o autor: “O
melhor meio de reanimar nos corações a santa chama do entusiasmo cristão é
colocando sob os olhos dos católicos a vida e os combates daqueles que se
fizeram cavaleiros de Cristo e de sua Igreja. Nos primeiros séculos, quando o
sangue corria aos borbotões, liam-se nas assembleias as Atas dos mártires, e os
homens, as mulheres e as crianças, levados pelo exemplo, corriam em busca do
suplício”.

Ele então sintetiza em poucas
linhas o perfil desse grande santo: “Quando o jovem cavaleiro
napolitano estava na idade de compreender o que se passava no mundo, três tipos
de sectários — os jansenistas, os regalistas e os filósofos — trabalhavam em
concerto para arruinar o catolicismo. Voltaire e Rousseau semeavam por toda
parte os princípios da Revolução que oprimem hoje o mundo inteiro. Não tendo no
coração outra paixão senão a de propagar o reino de Jesus Cristo salvando as
almas resgatadas pelo seu sangue, Afonso abandonou seu palácio, seu direito de
primogenitura, suas esperanças de futuro [era famoso advogado no Fórum de
Nápoles], suspendeu sua espada no altar de Nossa Senhora da Misericórdia e
entrou na milícia sagrada, a fim de levar seu socorro ao povo de Deus”.
Continua o Padre Berthe: “Revestido
dessa armadura [da penitência], ele empunha o gládio e marcha contra o inimigo.
Seu gládio não é o da palavra, como a espuma dos retóricos, mas o gládio do
grande Apóstolo, que penetra até a divisão da alma e do espírito e quebra todas
as resistências. […] Por toda parte veneram o santo, o taumaturgo, o profeta,
porque Deus está visivelmente com ele, a Virgem se digna iluminá-lo com um
brilho todo celeste enquanto ele prega ao povo”.
O grande Doutor da Igreja, no
entanto, deseja fazer render todos os talentos que recebeu do Criador. “Ele
deseja que todos os cristãos se compenetrem de seu espírito cavalheiresco. Por
seus numerosos escritos dirigidos às diversas classes da sociedade, ele se
esforça para despertar por toda parte a fé, o amor de Jesus Cristo, o zelo pela
salvação das almas. Suas calorosas exortações vão encontrar os bispos em seus
palácios, os padres em seus presbitérios, os religiosos e as religiosas em suas
celas, os próprios reis em seus tronos”.
Finalmente, conclui o Padre
Berthe: “E quando esse grande homem, apóstolo, fundador, bispo, asceta,
moralista, apologista, tinha assim, durante meio século, sustentado a Igreja e
repelido o mundo, Deus lhe pôs sobre os ombros a cruz de seu Divino Filho, e o
fez subir, durante 20 anos, a montanha do Calvário. […] Crucificado em seu
coração até se ver caluniado junto ao Papa e expulso da Congregação da qual era
fundador, ele exclamou: Fiat! Crucificado em sua alma até
sentir-se abandonado pelo próprio Deus, ao bordo do inferno, cercado de
demônios que o incitavam ao desespero, ele aceita a prova, triunfa de todos
seus inimigos e morre sorrindo à Virgem Maria, que vem buscá-lo para conduzi-lo
ao Céu. […] Os católicos mais ou menos seduzidos pela ilusão liberal aprenderão
do santo Doutor a morrer antes que transigir com a Revolução ou ceder a Satã um
só dos direitos que pertencem a Cristo e à sua Igreja”.
[i]R.P.
Berthe, Saint Alphonse de Liguori – 1696 – 1787, Tomo I, Librairie
de la Sainte Famille, Paris, 1906.
Título, Imagens e Texto: Plínio
Maria Solimeo, ABIM,
1-3-2020
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