Segundo
denúncia dos Repórteres sem Fronteiras, o número de casos do coronavírus
poderia ser 86% menor se o mundo tivesse sido avisado antes
Gabriel Oneto
A China é um dos países mais
autoritários do mundo. De acordo com o Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa
da ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) de 2019, a China ocupa a 177ª posição
entre 180 países avaliados.
Segundo a RSF, é possível
afirmar que, sem a censura e o controle impostos pelas autoridades do Partido
Comunista, os meios de comunicação chineses teriam informado mais cedo a
população a respeito do coronavírus. Essa conduta poderia ter poupado milhares
de vidas no mundo todo e, quem sabe, até evitado a pandemia.
A Universidade de Southampton,
no Reino Unido, publicou uma análise em que demonstra que o número de
infectados poderia ser 86% menor se as medidas contra a epidemia tivessem sido
tomadas duas semanas antes do dia 20 de janeiro. Utilizando a cronologia da
crise, a ONG mostra como a censura ajudou na disseminação da pandemia pelo
globo.
Em 18 de
outubro, o Centro Johns Hopkins de Segurança em Saúde, com o apoio do
Fórum Econômico Mundial e da Fundação Bill e Melinda Gates, realizou a
simulação de uma pandemia de coronavírus, com o assustador resultado de 65
milhões de mortes em 18 meses.
Caso a internet na China não
fosse terrivelmente censurada, as autoridades do país teriam se interessado por
esse estudo, visto que ele se inspirou na epidemia de Sars (síndrome
respiratória aguda grave), causada também por um coronavírus e que deixou mais
de 800 mortos em 2013.
Em 20 de dezembro,
a cidade de Wuhan já contava com 60 pacientes do coronavírus ainda
desconhecido. Apesar da grave situação, os meios de informação não foram
avisados pelas autoridades. Caso a pandemia não tivesse sido escondida no
início, muitas pessoas teriam parado de visitar o mercado de Wuhan, local onde
a doença teria feito suas primeiras vítimas, bem antes de ele ter sido fechado,
em 1º de janeiro.
O diretor do departamento de
gastroenterologia do Hospital Número 5 de Wuhan, Lu Xiaohong, começou a
suspeitar que a doença era transmitida entre humanos em 25 de dezembro.
Como a China impõe até penas severas de prisão a quem divulga informações
a jornalistas, o médico não pôde alertar a imprensa, o que poderia ter levado o
governo a agir antes para deter a doença.
Em 30 de dezembro,
um grupo de médicos liderados pela diretora da emergência do Hospital Central
de Wuhan, Ai Fen, divulgou um documento de alerta na internet censurada do
país. O grupo foi ameaçado pelas autoridades por divulgar rumores mentirosos.
Caso a imprensa fosse livre e
as mídias sociais não estivessem sob controle, o público teria ficado
consciente da situação e poderia ter exercido pressão para que as autoridades
tomassem medidas de contenção do coronavírus.
A China informou a Organização
Mundial da Saúde (OMS) sobre a nova doença em 31 de dezembro e
no mesmo dia começou a censurar qualquer palavra relacionada ao termo epidemia
no WeChat, a maior rede social do país, com mais de 1 bilhão de usuários. Sem a
censura, jornalistas e especialistas poderiam ter transmitido informações e
conselhos de proteção para o público através da plataforma.
Em 5 de janeiro, uma
equipe do Centro Clínico de Saúde Pública de Xangai liderada pelo professor
Zhang Yongzhen conseguiu sequenciar o genoma do vírus, mas foram proibidos de
divulgar a descoberta. Em 11 de janeiro, os pesquisadores vazaram
as informações para a comunidade científica internacional, o que levou ao
fechamento do laboratório pelo Estado chinês.
Se as autoridades tivessem
agido com transparência, a descoberta teria sido comunicada imediatamente à
comunidade científica do mundo inteiro, e com isso pesquisas para o desenvolvimento
de vacinas teriam se iniciado antes.
Em 13 de
janeiro, registrou-se o primeiro caso de coronavírus fora da China. A
vítima era um turista chinês de Wuhan em visita à Tailândia. Caso a mídia
internacional tivesse acessado as informações que as autoridades da China
estavam escondendo, a pandemia global poderia ter sido evitada.
A evolução desse episódio
demonstra porque a liberdade de informação e imprensa constitui algo
fundamental, e essa pandemia, assim como o desastre de Chernobil, na então
União Soviética, deixa claro que ditaduras não sabem lidar com situações
difíceis.
Título e Texto: Gabriel Oneto, Revista Oeste, 26-3-2020, 10h25
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