quinta-feira, 6 de agosto de 2020

A troca

Haroldo Barboza

Ferreti sempre jogou futebol pela ponta direita. Não chegou à série A devido à sua forte personalidade em não se sujeitar às artimanhas de empresários nem sempre confiáveis. E também não se sentia bem em seguir as normas de horários rígidos para alimentação, treino, descanso e outras exigência feitas a atletas de ponta. 

Seguiu a carreira de Veterinário e casou-se aos 25 anos. Mas, aos domingos (mesmo com chuva) participava dos torneios realizados em sua cidade no interior de São Paulo. 

Em média, a cada 10 partidas fazia 12 ou 13 gols com sua certeira perna direita. Com chutes bem colocados, sem violência. Por isto conseguiu em 15 anos, 9 taças de campeão e 10 medalhas de artilheiro dos torneios anuais. 

Na final realizada antes do último Natal, seu time precisava empatar para tornar-se campeão. O estádio estava lotado, com quase 1.952 pessoas. 

O time visitante começou arrasador. Fez três gols em 30 minutos. A partida parecia perdida. Mas a estrela de Ferreti deu um lampejo e ele finalizou duas vezes para dentro da baliza adversária.


O primeiro tempo terminou com a torcida (uns 50 que foram embora, pagaram ingresso de novo para entrarem) voltando a ter esperanças.

No início do 2° tempo o time visitante fez 4 x 2. Mas Ferreti marcou mais um gol aos 38 minutos. 

Aos 44 minutos, o beque adversário meteu a mão na bola quase em cima da linha fatal. O árbitro marcou o pênalti incontestável sem reclamação de nenhum jogador da equipe visitante. 

Gil, o capitão da equipe da casa, batedor oficial de penalidades, pegou a bola para efetuar a cobrança. Mas a galera entusiasmada, começou a berrar em coro:

“Ferreti, Ferreti, Ferreti”! 

Gil entregou a pelota ao ídolo da cidade. Ferreti colocou a bola com carinho na “marca da cal”. Quase trinta segundos de uma cerimônia cívica. Neste instante, o goleiro adversário aproximou-se do atacante e sussurrou-lhe algo perto da orelha direita com o objetivo de deixá-lo nervoso. Para aprofundar o mistério, Ferreti, com a calma que lhe é peculiar, devolveu outro cochicho. 

Quando a bola furou a rede decretando o empate, a galera invadiu o gramado e o árbitro (com bom senso) decretou o fim do jogo. 

Ferreti foi carregado nos braços da torcida até o palanque onde o Prefeito da cidade entregou a taça ao capitão Gil. Puxou Ferreti para o lado e perguntou qual foi o colóquio que antecedeu a batida do pênalti. 

- Ele veio me dizer que já tinha jogado contra mim mais de oito vezes e que já sabia onde eu mandaria a bola. 

- E o que você respondeu? 

- Eu disse que então bateria com a perna esquerda, cuja potência é elevada, mas a direção nem eu mesmo sei! O roupeiro me disse que ela caiu no chiqueiro do outro lado da rua. 

Título e Texto: Haroldo Barboza, 5-8-2020

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