Nicolau Maquiavel
1. Todos sabem que é louvável um príncipe manter a palavra empenhada, e viver com integridade e não com astúcia. Entretanto, a experiência dos nossos dias mostra que os príncipes que tiveram pouco respeito pela palavra dada puderam com astúcia confundir a cabeça dos homens e chegaram a superar os que basearam sua conduta na lealdade.
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Nicolau Maquiavel, óleo de Santi di Tito,
Palácio Vechio, Florença, Itália |
2. Como sabemos, pode-se lutar de duas maneiras: pela lei e pela força. O primeiro método é próprio dos homens; o segundo, dos animais. Porém, como o primeiro pode ser insuficiente, convém recorrer ao segundo. É necessário, portanto, que o príncipe saiba usar bem quer o procedimento dos homens, quer o dos animais. É o que ensinaram, veladamente, os antigos escritores, ao narrar como Aquiles e muitos outros príncipes de outrora foram confiados à tutela de centauro Quironte, para que este os educasse sob sua disciplina. A parábola deste professor meio-humano e meio-animal, adverte que um príncipe deve saber usar as duas maneiras, e que qualquer uma delas sem a outra não é duradoura.
3. Sendo obrigado a saber agir como um animal, deve o príncipe valer-se das qualidades da raposa e do leão, pois o leão não sabe se defender das armadilhas, e a raposa não consegue defender-se dos lobos. É preciso, portanto, ser raposa para reconhecer as armadilhas, e leão para afugentar os lobos. Aqueles que desejam ser apenas como o leão não compreendem isto. Um príncipe prudente não deverá pois agir com boa-fé quando, para fazê-lo, precise agir contra seus interesses, e quando os motivos que o levaram a empenhar a palavra deixarem de existir. Este preceito não seria bom se todos os homens fossem bons; mas como eles são maua, e não mantém a palavra, não se está obrigado a agir de boa-fé. E nunca faltaram razões legítimas para mascarar a inobservância das promessas. Seria possível apresentar incontáveis exemplos atuais, mostrando como muitas vezes tratados de paz foram rompidos e promessas anuladas pela infidelidade dos príncipes; e que os mais capazes de imitar a raposa lograram maior êxito. Mas é necessário saber disfarçar bem essa natureza, e dissimular perfeitamente; os homens são tão pouco argutos, e se inclinam de tal modo às necessidades imediatas, que quem quiser enganá-los encontrará sempre quem se deixe enganar. **
** Comentário de Napoleão Bonaparte: “Mentes atrevidas. O mundo é composto de tolos. Na multidão essencialmente crédula contam-se pouquíssimas pessoas que duvidem, e estas não ousarão manifestar suas dúvidas."