Paulo Hasse Paixão
Os factos são inescapáveis: depois de décadas de
governação globalista, o Reino Unido, a França e a Alemanha encontram-se agora
a um passo do colapso econômico
O Reino Unido e a França estão prestes a entrar em incumprimento da dívida pública e a Alemanha, que na verdade está em recessão desde 2023, apresenta indicadores económicos assustadores, com as falências a aumentarem 20% em Julho e o desemprego a atingir 3 milhões de alemães.
Chegamos ao ponto surrealista
em que a dívida pública portuguesa apresenta uma taxa de juro inferior à mesma dívida francesa, ou seja, os
investidores acreditam que o Estado português é mais capaz de satisfazer as
obrigações financeiras que mantém nos mercados do que o Estado francês, mesmo
quando a França tem um PIB dez vezes superior ao do nosso país.
As razões da ruína, que são constantemente escamoteadas pelos políticos, pelos economistas e pela imprensa do estabelecimento, são óbvias e podem ser resumidas em seis segmentos fundamentais.
O Estado corporativo
O leninismo-globalismo assenta
necessariamente numa ideia corporativa do Estado, em que o sector público
estende os seus promíscuos tentáculos sobre a esfera privada para centralizar o
poder e dirigir inorganicamente a economia. As empresas privadas pactuam, na
medida em que, quando as coisas correm mal, como aconteceu por exemplo em 2007,
os governos estão lá para as redimir da sua má gestão.
Esta lógica de poder explica por
que é que as grandes corporações trabalham muitas vezes contra os seus próprios
interesses, como é o caso claríssimo da indústria automóvel alemã, que Berlim e
Bruxelas têm obrigado a uma aberrante espécie de suicídio (os automóveis já não
são fabricados para serem desejados pelo consumidor, mas para cumprirem os
regulamentos da nomenclatura europeia).
As experiências corporativas
de inspiração marxista nunca deram bons resultados económicos, como é
historicamente demonstrável. E é discutível que o corporativismo fascista da
primeira metade do século XX tenha sido bem sucedido, considerando que o crescimento
económico da Itália e da Alemanha nos anos 30 se deveu a uma economia de
guerra, que o desenvolvimento infraestrutural da Espanha de Franco não se refletiu
em índices de competitividade empresarial comparáveis aos seus rivais europeus
e que a experiência portuguesa de um corporativismo colonial atávico beneficiou
mais as colónias do que a metrópole, que permaneceu subdesenvolvida.
Parece também líquido que nenhuma filosofia de desenvolvimento económico inorgânico, centralizada pelo Estado, tenha alguma vez sido frutífera, desde que o Sapiens decidiu cunhar moeda.
Acresce que o corporativismo
fascista se centrava numa ideia de proteção da nação e dos seus valores, contra
interesses atomizados (o capitalismo) ou ideológicos (o comunismo). Mas o
corporativismo atual, neoliberal, pretende alcançar exatamente o contrário,
defendendo os interesses das elites globalistas para prejuízo dos cidadãos e
aniquilação das nações. Neste sentido, é uma arma de desmoralização das massas
e de desagregação social, e não é credível que povos animicamente vencidos e
sociedades culturalmente desagregadas possam triunfar materialmente. Nem que
uma forma de dirigismo económico focada em transferir poder e riqueza das
massas para as elites possa ser sustentável a longo prazo.
Tanto mais que a experiência corporativa em democracia anula uma das poucas virtudes do corporativismo fascista: a capacidade de planear a longo prazo. Os dirigentes políticos europeus agem de acordo com ciclos eleitorais, que ocorrem a cada quatro ou cinco anos, quando as legislaturas são cumpridas integralmente. Mas o Reino Unido teve quatro governos nos últimos seis anos. A França teve quatro governos nos últimos três anos. Na Alemanha, as breves legislaturas são geralmente cumpridas integralmente, mas em governos de coligação entre a CDU e o SPD, que obrigam mais ao exercício do compromisso político do que à determinação de princípios programáticos, por efémeros que sejam.
Custos sociais e despesismo
Como já foi referido, a
inspiração pós-marxista dos poderes instituídos na Europa implica a engenharia
social e a correspondente incidência excessiva nos encargos do Estado. Assim, o
poder executivo age sobre as sociedades com uma falsa missão solidária e uma
genuína volição igualitária, que desvaloriza ou anula o mérito, subvaloriza a
iniciativa privada e a criatividade individual e agudiza o déficit das
prestações sociais. Esta filosofia de governação pública é extremamente onerosa
para o contribuinte, tanto como irrealista face à estruturação demográfica das
sociedades ocidentais, onde há cada vez menos ativos que trabalham em favor de
uma percentagem cada vez maior de inativos.
Mais a mais, a lógica imediatista das democracias liberais encoraja a criação de laços materiais com os cidadãos que os tornem reféns dos poderes públicos. Esta estratégia é manifesta através de subsídios, apoios à “inserção” e à “integração”, “incentivos” microeconômicos, empregos no sector público, compromissos eticamente discutíveis com o sector privado etc., que se traduzem depois em capital eleitoral, depositado nas urnas, para cristalização das elites e sacrifício do erário público.
Sobretaxação e burocracia
Os dois pontos iniciais
resultam necessariamente na sobretaxação de cidadãos e empresas, bem como na
obesidade virulenta e endémica do sector público. A Europa contemporânea
assenta num aparelho burocrático que será mais monstruoso do que aquele
engendrado pelos sovietes. Temos uma cega, gigantesca e kafkiana nomenclatura
em Bruxelas, depois temos os monstruosos aparelhos executivos a nível nacional,
e ainda contamos com poderosas e onerosas estruturas de governação local, em
muitos casos, como o alemão e o espanhol, fortificados pela lógica federal:
governos regionais que operam sob a égide de governos nacionais que operam sob
a égide da Comissão Europeia, num labirinto distópico de parasitas maximamente
empoderados.
O aparelhismo desmesurado gera
espontaneamente e sem razão que o justifique, legislação incomensurável que
paralisa as sociedades e dificulta, na maior parte das vezes intencionalmente,
o investimento e a atividade económica.
O sobredimensionamento dos
aparelhos públicos, o pesadelo burocrático que implicam, os custos sociais que
assumem, a praxis despesista de que dependem e o protagonismo
totalitário que exigem resultam necessariamente numa fartura astronómica, que é
invariavelmente paga pelo contribuinte.
Quando as corporações
obedientes aos mandatos do Estado – e também por isso insolventes – anunciam
falências, são os contribuintes que as salvam do colapso. Quando o Estado
social revela a sua inviabilidade, o remédio é torná-lo ainda mais inviável,
tributando acrescidamente aqueles que o sustentam. Quando as dívidas públicas
se tornam insustentáveis, a solução imediata persiste na cobrança de mais
impostos a quem já é castigado por excesso, até ao ponto da destituição pelo
tributo de largos sectores da sociedade.
Em última análise, quando as dívidas soberanas já não podem ser colmatadas de todo, a figura do resgate financeiro pelo FMI obriga a uma agudização dos castigos a que as populações são submetidas para salvar o Estado, com redução drástica e súbita de benefícios, contribuições e serviços públicos, e, se possível, novo ciclo de aumento de impostos. A este tratamento de choque, porém, são poupadas invariavelmente as superestruturas corporativas e as elites políticas e financeiras que as dirigem.
Emissão de moeda e inflação
Para colmatar os déficits
crónicos do seu modelo de gestão, os poderes instituídos têm optado por emitir
moeda, assumindo em definitivo, mas de forma insensata, que essa emissão não
tem que estar relacionada com qualquer valor colateral, mas apenas com as
necessidades da despesa e da dívida públicas.
Qualquer caloiro em economia
sabe, ou deveria saber, que o valor da moeda é de carácter religioso, ou seja:
vale enquanto as pessoas acreditarem no seu valor. A ideia de que o PIB de uma
nação, ou no caso do Euro – de um conjunto de nações, responde pelo crédito da
sua política monetária tem funcionado até aqui, porque os produtos nacionais
têm crescido, mesmo que marginalmente. Mas num quadro recessivo que perdure no
tempo, essa crença pode desaparecer rapidamente.
A emissão de moeda baseada em
necessidades de tesouraria traz um outro e grave problema: a inflação. Também é
conhecimento de quarta-classe que à liquidez de um dado mercado corresponde
necessariamente um aumento dos preços dos bens que nesse mercado são transacionados.
A inflação é, nesse sentido, mais um imposto que os cidadãos têm que pagar para
manter o Estado neoliberal a funcionar. E uma outra forma de destituição das
classes médias.
Acontece que o principal instrumento dos bancos centrais para travar a inflação tem sido o de fazer subir as taxas de juro. O que só contribui para a insustentabilidade das dívidas soberanas. Que obrigam os estados a aumentarem impostos (porque se recusam invariavelmente a reduzir na despesa), num ciclo vicioso de empobrecimento.
Desindustrialização, crise
energética e russofobia
O globalismo que infectou o
dirigismo económico no Ocidente teve duas fases. A primeira foi a de exportar
os meios de produção para países de mão de obra barata. A segunda foi de
importar a mão de obra barata. Os dois processos, que parecem diametralmente
divergentes, tiveram, porém, um mesmo resultado: a devastação da capacidade
produtiva das nações europeias e do seu potencial de prosperidade per capita,
bem como o aumento do desemprego da população nativa.
Por outro lado, a obsessão
escatológica das elites neoliberais com um alegado (e fabricado) apocalipse
climático levou à decapitação dos impulsos tecnológicos e industriais que
tinham oferecido à civilização ocidental os seus recordistas índices de
prosperidade material.
O maniqueísmo ambiental
obrigou à reconversão forçada dos sistemas industriais alimentados por
combustíveis fósseis abundantes e baratos, ao irracional fecho de centrais
nucleares e à implementação, com carácter de emergência existencial, de uma
indústria de energias ditas “verdes” ou renováveis, que são substancialmente
mais caras e muito menos fiáveis, para incomensurável prejuízo de consumidores
finais e empresariais.
Acrescentando dor ao
sofrimento, o globalismo-leninismo decidiu fazer a guerra àquele que era o seu
primeiro fornecedor de petróleo e gás. A decisão, acima de tudo baseada em fatores
ideológicos, não só abriu uma crise energética brutal na Europa, encarecendo
ainda mais os preços, como implicou um interminável fluxo de fundos financeiros
para a Ucrânia, num contexto já de si recessivo.
Os sucessivos pacotes de
sanções decretados desde 2022 pela União Europeia e pelo Reino Unido contra as
exportações, os ativos e os interesses comerciais russos tiveram ainda por cima
efeitos inversos aos que eram desejados: a Rússia tem somado em média índices
de crescimento económico muito superiores àqueles que a União Europeia tem para
apresentar, mesmo quando falamos de indicadores relativos, como a paridade do poder de compra ou o PIB per capita. É hoje
claro que essas sanções prejudicaram mais a Europa do que a Rússia, mas ainda
assim, Bruxelas, dando sinais do autismo que caracteriza a sua atuação, insiste
num vector claramente contraproducente e está a implementar um 17º (!) conjunto de sanções.
A russofobia tem inúmeras incidências negativas no contexto deficitário dos países europeus. Talvez o exemplo máximo desse processo autofágico será Friedrich Scholz, que perante uma economia recessiva, achou por bem endividar mais o seu país para aumentar a despesa na defesa e financiar acrescidamente o regime Zelensky.
Imigração e desagregação
social
A segunda fase do globalismo
que referimos no segmento anterior teve como consequência a abertura de
fronteiras aos migrantes provenientes do norte de África, do médio-oriente e da
Ásia.
Esta inédita e, por isso,
histórica decisão de invalidar as fronteiras das nações, justificado pela
falência previsível, a médio prazo, do Estado social europeu e pela alegada
necessidade das empresas de mão de obra não qualificada, teve impactos trágicos
na civilização europeia.
Há que dizer desde já que as
premissas económicas que justificaram a abertura à imigração massiva são
falsas. A entrada de milhões de pessoas despreparadas para as exigências
performativas e culturais do mercado de trabalho europeu implicou um esforço acrescido
das contribuições sociais e não um alívio desses mecanismos. E as empresas só
começaram a precisar de mão de obra não qualificada por três motivos:
– Para despudoradamente
aumentarem os lucros ao baixarem os custos da mão de obra;
– Porque os estados estavam a subsidiar os cidadãos nativos ao ponto
esquizofrénico de estes equacionarem que tinham prejuízo em trabalhar;
– Porque se criou a ideia disparatada que as sociedades ocidentais precisam
desesperadamente de paquistaneses para conduzirem táxis e entregarem fast food
ao domicílio.
O impacto da desagregação causada por esta ideia peregrina, sustentada por nenhum exemplo histórico bem-sucedido, de que a diversidade religiosa, étnica e cultural, sem integração, é um fator de resiliência das sociedades, está na verdade por ser avaliado, mas já temos sinais do desastre, dada a agitação política e social que se vive hoje na Europa.
Autismo e autoritarismo
O argumento de que a abolição
do conceito de nação, que se traduziu na primeira invasão patrocinada pelos
povos invadidos da história da humanidade, seria um fator de prosperidade
económica sempre foi de racionalidade exígua, mas a sua insustentabilidade é
cada vez mais evidente, até pelos três casos de falência técnica que deram
origem a este texto.
Não é, porém, de esperar que
as elites leninistas-globalistas que nos conduziram até ponto de degradação
material e cultural recuem no seu projeto de cinzas. Pelo contrário, há que
equacionar que a destruição do tecido socioeconômico faz parte do seu projeto.
Porque, como já foi referido, o corporativismo neoliberal tem como objetivo
último o favorecimento das suas elites e não dos povos que as sustentam.
E há necessariamente que
esperar uma reação autoritária e repressiva das “autoridades” quando o
descontentamento dos povos for manifesto nas ruas, como aliás já acontece no
Reino Unido.
As coisas vão piorar muito, antes de melhorarem. Terão necessariamente que piorar muito, tanto quanto for necessário para que os povos recuperem a coragem que é precisa para fazerem o que é preciso fazer, de forma a voltarem a ser senhores dos seus destinos.
Título, Imagem e Texto: Paulo
Hasse Paixão, ContraCultura,
4-9-2025
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