sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Eleições importam, mas instituições importam mais

Francisco Vianna
Há uma crença muito difundida de que “eleições livres e limpas” são fundamentais e suficientes para que haja democracia. De fato, este é apenas um dos aspectos que realmente importam para o bom funcionamento de qualquer processo político democrático.
Todavia, eleger é muito mais do que simplesmente escolher candidatos e votar neles. Como em tudo na vida, é preciso que quem elege, opina, ou sequer comente ou diga alguma coisa sobre qualquer assunto, tenha conhecimento mínimo dos assuntos em pauta. Não é diferente na atividade política, que deveria ser a principal atividade do cidadão e, no entanto, no Brasil, é uma atividade execrada por muitos sob o estigma de que não é para pessoas de bem e honestas. O resultado desse afastamento das pessoas bem formadas e competentes é o de que a política acabou ficando entregue aos corruptos, vivaldinos, e desonestos.

O maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam.”
 Aristóteles

O que acabo de escrever acima pode parecer a muitos um lugar-comum e, como dizia Nelson Rodrigues, a expressão do “óbvio ululante”. Todavia, para quem minimamente se debruça sobre a frágil democracia brasileira, constata que esse óbvio parece passar despercebido por aqueles que são responsáveis pelas instituições democráticas no Brasil.

Ora, todos nós sabemos que o gênio das democracias robustas e eficazes do Ocidente consiste, em si, na força de suas instituições e nem tanto assim nos eleitores, como ensina o professor Samuel P. Huntington, da Universidade de Harvard, nos EUA.

O sistema federativo, no Brasil, está amplamente corrompido e chegou ao ponto de se tornar totalmente invertido. Os municípios que deveriam estabelecer a grande maioria das legislações, para que, então, os estados pudessem funcionar a contento deles, de preferência abrangendo regiões geossociais definidas, com a união se restringindo a legislar sobre aspectos gerais de segurança nacional, infraestrutura dos setores produtivos, e prestação de serviços públicos de qualidade pelo menos decente, veem a coisa toda se processar no sentido inverso. Não fazem mais do que obedecer a tudo o que ditam as legislações estaduais e os estados têm seu funcionamento atrelado às legislações federais. Eis um quadro real de antifederalismo.

Nesse rastro de regime imperial, as instituições democráticas passam a ter um valor secundário e são violentadas na medida em que o interesse do grupelho governante central assim o determina.

Na verdade, a observação do professor Huntington pode ser levada mais adiante quando afirmamos que o cerne da civilização ocidental é constituído, em geral, pela força e a eficiência de suas instituições.

Certamente, a democracia é a base para isso tudo, mas a democracia é, também, um fato à parte e uma consequência dessa força institucional, haja vista que algumas ditaduras da Ásia têm também conseguido edificar instituições robustas e meritocráticas, ao passo que as fracas democracias da África e da América latina não conseguem atingir o mesmo objetivo. 

As instituições são os elementos jurídicos de tal forma mundanos na civilização ocidental, que as pessoas tendem a obedecê-las sem maiores questionamentos como organizações capazes de estabelecer legislações garantidoras de verdade da ordem e da segurança pública. Mas, tal visão é tanto mais verdadeira quanto mais locais ou municipais essas instituições possam ser. Não é o que ocorre, infelizmente em nosso país, onde as instituições locais, quando existentes, não têm a menor capacidade de se gerar e gerir a riqueza produzida no município e muito menos de corrigir a sua pobreza.
Obter, por exemplo, uma licença ou um simples documento não costuma ser uma questão de esperar na fila por alguns minutos, mas sim a necessidade de dar “aquele jeitinho” que não raro significa o pagamento de subornos e o uso do tráfico de influência de padrinhos e conhecidos, geralmente em troca de “favores eleitorais”.

Os serviços que deveriam ser públicos e financiados por contribuições específicas dos usuários, se tornam privados pela “mágica” espúria da “terceirização” tornando a maioria das instituições meras centrais “fiscalizadoras” de empresas credenciadas por concessão, como uma decadente prática de pseudoadministração de suas infraestruturas.

Acredito que, no Brasil, ainda não chegamos ao ponto de que, ter um amigo ou um parente trabalhando na Receita Federal vá salvá-lo de pagar o imposto de renda, mas tal situação funciona mais ou menos assim em muitas repúblicas bananeiras da América latina.
Instituições eficazes tratam a todos de um modo equânime, uniforme, e de forma impessoal. Mas esse não é o caso que ocorre nos chamados “países em desenvolvimento” – sabe-se lá como possam estar a se desenvolver.

Mesmo nas democracias mais poderosas eficientes do Ocidente, há reclamações e os aperfeiçoamentos são justamente provenientes delas. Todavia, no Brasil, tais protestos e reclamações são ainda vistas como ações políticas de oposição aos governos.

As instituições, ou a falta delas, explicam muito do que tem acontecido no mundo nas últimas décadas. Os meios de se avaliar o desenvolvimento no Brasil não consistem em apenas entrevistar elementos da sociedade civil que vivem nas capitais, mas sim ir buscar nos ministérios e em outras burocracias locais as informações; e aguardar na fila para ver como as coisas funcionam – caso funcionem.

Na verdade, as pessoas mentem a si próprias e então mentem aos jornalistas. Assim, não ouça o que as pessoas dizem (especialmente as da elite); apenas observe como elas se portam. Elas pagam impostos? De onde elas sacam seu dinheiro? Elas aguardam na fila para obter documentos? E assim por diante. É o comportamento delas, e não a sua retórica, que indica a existência de instituições, ou a falta delas. E caso existam, qual é a força delas.

Já eleições são fáceis de serem convocadas e conduzidas e indicam muito menos do que os jornalistas e os cientistas políticos alegam pensar. Uma eleição é um acontecimento que dura de 24 a 48 horas, frequentemente organizada com ajuda de observadores estrangeiros. Mas uma secretaria municipal bem engrenada e com pessoal realmente eficiente tem que funcionar 365 dias por ano.

Quem conhece a cidade-estado de Singapura, sabe por que Lee Kuan Yew é um dos grandes homens do século XX, graças às instituições que construiu e que tornaram o minúsculo país num dos mais prósperos do planeta. Ele sabia muito bem que, sem uma ordem básica não pode haver liberdade significativa e muito menos progresso. O lema positivista da nossa bandeira só tem razão de ser se formos capazes de edificar instituições locais fortes e eficazes como ferramentas fundamentais para a existência da ordem e do progresso.

A devida compreensão de tudo isso exige, por sua vez, que as pessoas convocadas a eleger, a escolher, a opinar e a legislar, tenham um nível mínimo de escolaridade que implique numa educação de humanidades e num ensino profissionalizante, principalmente nos dias atuais de alta competitividade global. Quanto maior for a escolaridade do cidadão, maior será sua capacidade de se fazer representar e mais robustas serão as instituições demográficas que edificarão no município, no estado e no governo central, necessariamente, nessa ordem.
 
A força das instituições, principalmente as locais e as estaduais, depende destarte da escolaridade mínima que possamos determinar para o exercício da cidadania. Até mesmo o socialismo, a mais desmoralizada de todas as ideologias, conseguirá produzir resultados positivos, caso a cidadania seja minimamente qualificada o suficiente para evitar que os politiburos centrais funcionem como burguesias restritas improdutivas a viver nababescamente do trabalho do povo. 

Destarte, as estórias da grande mídia frequentemente dão uma pobre indicação das perspectivas de um país em particular. A chamada “democracia popular” é a rota da perdição para as ditaduras e para o agravamento da centralização antifederalista e do capitalismo estatal, o mais selvagem de todos os regimes econômicos.

Os empreendedores e os cidadãos livres, que labutam para se capitalizar e empreender, devem estar mais atentos, em suas previsões com base na inteligência, ao funcionamento das instituições do que ao que dizem as personalidades do país, nas quais votam ou irão votar.

A melhor plataforma política é a que tem em seu bojo o planejamento de tornar o regime político do país uma democracia meritocrática e o regime econômico num capitalismo produtivo de viés eminentemente privado. Fora disso, o destino é a paralisação e o recuo, a antiordem e o antiprogresso.
Título e Texto: Francisco Vianna, 17-01-2014

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