Há uma crença muito difundida
de que “eleições livres e limpas” são fundamentais e suficientes para que haja
democracia. De fato, este é apenas um dos aspectos que realmente importam para
o bom funcionamento de qualquer processo político democrático.
Todavia, eleger é muito mais
do que simplesmente escolher candidatos e votar neles. Como em tudo na vida, é
preciso que quem elege, opina, ou sequer comente ou diga alguma coisa sobre
qualquer assunto, tenha conhecimento mínimo dos assuntos em pauta. Não é
diferente na atividade política, que deveria ser a principal atividade do
cidadão e, no entanto, no Brasil, é uma atividade execrada por muitos sob o
estigma de que não é para pessoas de bem e honestas. O resultado desse
afastamento das pessoas bem formadas e competentes é o de que a política
acabou ficando entregue aos corruptos, vivaldinos, e desonestos.
“O maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que
serão governados pelos que se interessam.”
Aristóteles
O que acabo de escrever acima
pode parecer a muitos um lugar-comum e, como dizia Nelson Rodrigues, a
expressão do “óbvio ululante”. Todavia, para quem minimamente se debruça sobre
a frágil democracia brasileira, constata que esse óbvio parece passar
despercebido por aqueles que são responsáveis pelas instituições democráticas
no Brasil.
Ora, todos nós sabemos que o gênio das democracias robustas e eficazes
do Ocidente consiste, em si, na força de suas instituições e nem tanto
assim nos eleitores, como ensina o professor Samuel P. Huntington, da
Universidade de Harvard, nos EUA.
O sistema federativo, no
Brasil, está amplamente corrompido e chegou ao ponto de se tornar totalmente
invertido. Os municípios que deveriam estabelecer a grande maioria das
legislações, para que, então, os estados pudessem funcionar a contento deles,
de preferência abrangendo regiões geossociais definidas, com a união se
restringindo a legislar sobre aspectos gerais de segurança nacional,
infraestrutura dos setores produtivos, e prestação de serviços públicos de
qualidade pelo menos decente, veem a coisa toda se processar no sentido
inverso. Não fazem mais do que obedecer a tudo o que ditam as legislações
estaduais e os estados têm seu funcionamento atrelado às legislações federais.
Eis um quadro real de antifederalismo.
Nesse rastro de regime
imperial, as instituições democráticas passam a ter um valor secundário e são
violentadas na medida em que o interesse do grupelho governante central assim o
determina.
Na verdade, a observação do
professor Huntington pode ser levada mais adiante quando afirmamos que o cerne da civilização ocidental é
constituído, em geral, pela força e a eficiência de suas instituições.
Certamente, a democracia é a
base para isso tudo, mas a democracia é, também, um fato à parte e uma
consequência dessa força institucional, haja vista que algumas ditaduras da
Ásia têm também conseguido edificar instituições robustas e meritocráticas, ao
passo que as fracas democracias da África e da América latina não conseguem
atingir o mesmo objetivo.
As instituições são os
elementos jurídicos de tal forma mundanos na civilização ocidental, que as
pessoas tendem a obedecê-las sem maiores questionamentos como organizações
capazes de estabelecer legislações garantidoras de verdade da ordem e da
segurança pública. Mas, tal visão é tanto mais verdadeira quanto mais locais ou
municipais essas instituições possam ser. Não é o que ocorre, infelizmente em
nosso país, onde as instituições locais, quando existentes, não têm a menor
capacidade de se gerar e gerir a riqueza produzida no município e muito menos
de corrigir a sua pobreza.
Obter, por exemplo, uma
licença ou um simples documento não costuma ser uma questão de esperar na fila
por alguns minutos, mas sim a necessidade de dar “aquele jeitinho” que não raro
significa o pagamento de subornos e o uso do tráfico de influência de padrinhos
e conhecidos, geralmente em troca de “favores eleitorais”.
Os serviços que deveriam ser
públicos e financiados por contribuições específicas dos usuários, se tornam
privados pela “mágica” espúria da “terceirização” tornando a maioria das
instituições meras centrais “fiscalizadoras” de empresas credenciadas por
concessão, como uma decadente prática de pseudoadministração de suas
infraestruturas.
Acredito que, no Brasil, ainda
não chegamos ao ponto de que, ter um amigo ou um parente trabalhando na Receita
Federal vá salvá-lo de pagar o imposto de renda, mas tal situação funciona mais
ou menos assim em muitas repúblicas bananeiras da América latina.
Instituições eficazes tratam a
todos de um modo equânime, uniforme, e de forma impessoal. Mas esse não é o
caso que ocorre nos chamados “países em desenvolvimento” – sabe-se lá como possam
estar a se desenvolver.
Mesmo nas democracias mais
poderosas eficientes do Ocidente, há reclamações e os aperfeiçoamentos são
justamente provenientes delas. Todavia, no Brasil, tais protestos e reclamações
são ainda vistas como ações políticas de oposição aos governos.
As instituições, ou a falta
delas, explicam muito do que tem acontecido no mundo nas últimas décadas. Os
meios de se avaliar o desenvolvimento no Brasil não consistem em apenas
entrevistar elementos da sociedade civil que vivem nas capitais, mas sim ir
buscar nos ministérios e em outras burocracias locais as informações; e
aguardar na fila para ver como as coisas funcionam – caso funcionem.
Na verdade, as pessoas mentem
a si próprias e então mentem aos jornalistas. Assim, não ouça o que as pessoas
dizem (especialmente as da elite); apenas observe como elas se portam. Elas
pagam impostos? De onde elas sacam seu dinheiro? Elas aguardam na fila para
obter documentos? E assim por diante. É o comportamento delas, e não a sua
retórica, que indica a existência de instituições, ou a falta delas. E caso
existam, qual é a força delas.
Já eleições são fáceis de
serem convocadas e conduzidas e indicam muito menos do que os jornalistas e os
cientistas políticos alegam pensar. Uma eleição é um acontecimento que dura de
24 a 48 horas, frequentemente organizada com ajuda de observadores
estrangeiros. Mas uma secretaria municipal bem engrenada e com pessoal
realmente eficiente tem que funcionar 365 dias por ano.
Quem conhece a cidade-estado
de Singapura, sabe por que Lee Kuan Yew é um dos grandes homens do século XX,
graças às instituições que construiu e que tornaram o minúsculo país num dos
mais prósperos do planeta. Ele sabia muito bem que, sem uma ordem básica não
pode haver liberdade significativa e muito menos progresso. O lema positivista
da nossa bandeira só tem razão de ser se formos capazes de edificar
instituições locais fortes e eficazes como ferramentas fundamentais para a
existência da ordem e do progresso.
A devida compreensão de tudo
isso exige, por sua vez, que as pessoas convocadas a eleger, a escolher, a
opinar e a legislar, tenham um nível mínimo de escolaridade que implique numa
educação de humanidades e num ensino profissionalizante, principalmente nos
dias atuais de alta competitividade global. Quanto maior for a escolaridade do
cidadão, maior será sua capacidade de se fazer representar e mais robustas
serão as instituições demográficas que edificarão no município, no estado e no
governo central, necessariamente, nessa ordem.
A força das instituições,
principalmente as locais e as estaduais, depende destarte da escolaridade
mínima que possamos determinar para o exercício da cidadania. Até mesmo o
socialismo, a mais desmoralizada de todas as ideologias, conseguirá produzir
resultados positivos, caso a cidadania seja minimamente qualificada o
suficiente para evitar que os politiburos centrais funcionem como burguesias
restritas improdutivas a viver nababescamente do trabalho do povo.
Destarte, as estórias da
grande mídia frequentemente dão uma pobre indicação das perspectivas de um país
em particular. A chamada “democracia popular” é a rota da perdição para as
ditaduras e para o agravamento da centralização antifederalista e do
capitalismo estatal, o mais selvagem de todos os regimes econômicos.
Os empreendedores e os
cidadãos livres, que labutam para se capitalizar e empreender, devem estar mais
atentos, em suas previsões com base na inteligência, ao funcionamento das
instituições do que ao que dizem as personalidades do país, nas quais votam
ou irão votar.
A melhor plataforma política é
a que tem em seu bojo o planejamento de tornar o regime político do país uma
democracia meritocrática e o regime econômico num capitalismo produtivo de viés
eminentemente privado. Fora disso, o destino é a paralisação e o recuo, a
antiordem e o antiprogresso.
Título e Texto: Francisco Vianna, 17-01-2014
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