Maka Angola
Em Dezembro passado, o
Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, Brasil, decidiu sobre o
pedido de liberdade provisória (habeas corpus) requerido pelo general angolano
Bento dos Santos “Kangamba”, acusado de tráfico internacional de mulheres para
prostituição e cárcere privado.
A decisão, que reforça o
mandado de captura contra o requerente, foi publicada há dias no diário
electrónico da referida instituição, para conhecimento público.
Os advogados de defesa do
general Kangamba, Paulo José Iasz de Morais e Rebeca Bandeira Buono,
apresentaram os seguintes argumentos:
A Justiça Federal Brasileira
seria incompetente para processar e julgar o general por, alegadamente, não ter
havido fraude ou coacção no recrutamento das prostitutas brasileiras, para além
do que estas não se manifestavam vulneráveis. Logo, os advogados aduziram não
ter havido tráfico internacional de pessoas.
Bento Kangamba nunca esteve no
Brasil e, por isso, não teria cometido crime contra cidadãos brasileiros nesse
país.
O acusado goza de imunidade
diplomática: “é general do governo e casado com a sobrinha do Presidente de
Angola, o que afastaria a competência da Justiça Brasileira para a investigação
dos fatos a ele imputados”.
O juiz que decretou a sua
prisão terá manifestado repulsa quanto aos factos narrados contra o acusado. Na
lógica dos advogados, essa repulsa foi uma manifestação de parcialidade por
parte do juiz.
Com base na suposta
incompetência da justiça brasileira para julgar o caso e nas imunidades
diplomáticas do general, os advogados solicitaram também a anulação do
processo-crime contra Bento Kangamba.
A Conduta
Segundo a justiça brasileira,
Bento Kangamba, actual membro do Comité Central do MPLA, formou e liderou uma
quadrilha, entre angolanos e brasileiros, “há pelo menos sete anos”. O gangue é
acusado de ter praticado os crimes de “favorecimento à prostituição, com fins
de lucro”, de tráfico internacional de pessoas para a exploração sexual e de
rufianismo – designação atribuídas às práticas de quem lucra ou se sustenta, no
todo ou em parte, com a prostituição alheia.
Os factos recolhidos pela
investigação brasileira indicam que, de Julho de 2008 a Agosto de 2013, o
general financiou toda a actividade da referida quadrilha, incluindo o
transporte e alojamento das prostitutas brasileiras que se deslocavam a Angola,
África do Sul e Portugal, conforme as ordens de Kangamba.
Entre as provas, consta também
que, de 18 a 29 de Maio de 2013, Kangamba manteve “em cárcere privado com fins
libidinosos”, em Angola, as prostitutas brasileiras Fernanda Luísa Silvera da
Rocha, Jacqueline Viana Batista e Priscila Nabosny Bonatto.
Para além disso, o relatório
da justiça brasileira narra como o próprio Kangamba escolhe as mulheres e
efectua as “encomendas”. Explica ainda que o general tem preferência, “para
satisfação de sua lascívia sexual e de alguns conterrâneos conhecidos seus”,
por duas mulheres em particular:, Andressa Soares, também conhecida como a
mulher Melancia, e uma Cynthia. As prostitutas recebiam US $10,000 cada, e as
preferidas de Bento Kangamba, que mantinham relações sexuais sem o uso de
preservativos, ganhavam até US $100,000.
A polícia brasileira
interceptou, através de escutas telefónicas, as comunicações entre Bento
Kangamba e os seus principais cúmplices, o angolano Fernando Vasco Inácio
Republicano “Nino Republicano”, da produtora LS Republicano, o brasileiro
Wellington Edward de Souza “Latyno”, e uma das suas garotas preferidas,
Cynthia.
O documento narra, entre
várias conversas, a mantida entre Bento e Latyno a 31 de Maio de 2013, às
18h41:
“no qual o primeiro questiona
o segundo sobre o ‘pessoal que vai agora’. Latyno diz estar com várias pessoas
preparadas, que é tudo pessoal de TV. BENTO pergunta das meninas da África do
Sul. Latyno afirma que vai também a Juju, a Dani e a dançarina do Latino. Bento
pede a Jane. Latyno diz que pode falar com ela também. Latyno diz que Kate
também pediu para ir, Kate, a magrinha que vai sempre junto com Jane. Bento diz
para colocar o grupo das duas para ir na quinta-feira.”
De acordo com o despacho de
pronúncia do Tribunal Federal da 3ª Região, minutos mais tarde, Bento Kangamba
ligou a Latyno perguntando pelo nome da “menina que faz programa da tarde”:
“Latyno questiona se é Ana
Hichkmann. Bento responde afirmativamente, que a cara é boa. Latyno diz que ela
boa, é grande, mas que ele já tentou, mas é difícil demais.”
Das inúmeras chamadas
telefónicas interceptadas, a justiça brasileira conclui que é o general das
Forças Armadas Angolanas (FAA), Bento Kangamba, “quem dá a palavra final de
quem [vítima] deve ir para o exterior, onde será explorada sexualmente, por
intermédio da quadrilha por ele liderada de Angola, sendo ele o grande
financiador e responsável pela manutenção de todo o esquema criminoso ora
investigado.
Com efeito, o referido
tribunal federal estabelece a competência da Justiça Federal Brasileira para
julgar Bento Kangamba, pelo facto de este ser acusado “de organizar e financiar
uma organização criminosa a recrutar e enviar mulheres brasileiras ao exterior
para prostituírem-se, momento em que seriam submetidas à privação da liberdade
e deveriam efetuar a divisão dos proventos com os demais integrantes da
quadrilha”.
Ainda segundo a decisão do
tribunal, quanto a Bento Kangamba:
“O fato de se tratar de
Oficial General e marido da sobrinha do Chefe de Estado da República de Angola
não afasta a jurisdição brasileira, uma vez que o paciente não pode ser
considerado “agente diplomático”, nos termos do Artigo 1, ‘e’, da Convenção de
Viena, por não ser chefe ou integrar a Missão Diplomática de Angola no Estado
brasileiro. Ainda que assim não fosse, a alegada extensão da imunidade
diplomática prevista na Convenção de Viena é restrita aos familiares do agente
diplomático que com ele vivam, nos termos do artigo 37, do decreto nº
56.435/65, como se depreende de sua simples leitura.”
O tribunal manteve a decisão
que decretou a prisão preventiva de Bento Kangamba e de Nino Republicano.
A Polícia Federal brasileira
anunciou o desmantelamento da referida rede de prostituição, a 24 de Outubro
passado, quando pediu a prisão de Bento Kangamba.
Durante um ano, a polícia
brasileira investigou a teia de prostituição que, para além de Angola, se estendeu
à África do Sul, à Áustria e a Portugal, através do que convencionou chamar de
“Operação Garina”.
Segundo a Polícia Federal, a
quadrilha de Bento Kangamba “movimentou US$ 45 milhões com o tráfico
internacional de mulheres desde 2007”.
Por outro lado, a polícia
brasileira alegou também que Bento Kangamba tem usado o Kabuscorp Futebol Club,
em Angola, e o clube de futebol português Vitória de Guimarães, do qual é o
principal patrocinador, como veículos para a “lavagem de dinheiro do crime
organizado”.
Na sequência da ordem de
prisão da justiça brasileira, a Interpol emitiu um mandado de captura
internacional contra o general Bento dos Santos Kangamba, que se mantém em
vigor.
Em Angola, o general Bento
Kangamba continua a gozar da protecção do seu tio, o presidente da República
José Eduardo dos Santos, e dos seus leais servidores. A 24 de Dezembro passado,
o segundo comandante-geral da Polícia Nacional, comissário-chefe Paulo de
Almeida, ridicularizou o processo judicial em curso no Brasil, afirmando que,
em Angola, o general Kangamba “pode circular à vontade”.
No entanto, o processo não
deixa de ser delicado para as autoridades angolanas. É prática do governo
angolano insurgir-se sempre contra processos judiciais movidos contra figuras
do regime na Suíça, em França e, sobretudo, em Portugal, com ameaças de sanções
económicas e retaliações diplomáticas. No caso do Brasil, onde todos os
detalhes do caso têm sido expostos, incluindo as horas em que as escutas
telefónicas foram interceptadas, a reacção tem sido bastante recatada,
envergonhada. A Procuradoria-Geral da República de Angola não invocou a
manutenção do segredo de justiça, como tem feito amiúde com Portugal, para
abafar a informação.
Título, Imagem e Texto: Maka Angola, 22-01-2014
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