Preocupados com um possível desrespeito ao tratado bilateral sobre
controle de armas, os EUA comunicaram a seus aliados da OTAN, neste mês, que a
Rússia testou um novo míssil de cruzeiro lançados de terra, levantando
preocupações sobre a efetividade do tratado assinado em 1987.
Francisco Vianna
Os americanos possuem fortes
indícios de que os russos começaram a realizar testes de voo de mísseis já em
2008. Tais testes são proibidos pelo Tratado que proíbe mísseis de médio
alcance, que foi assinado em 1987 pelo presidente Ronald Reagan e Mikhail S.
Gorbachev. Na ocasião, o líder soviético e o presidente americano foram tidos
por muito tempo como os responsáveis por acordos que puseram fim à Guerra Fria
e, por via de consequência, acabaram por derrubar o Muro de Berlim e provocar o
fim da União Soviética levando o capitalismo privado e uma democracia, embora
frágil nas mãos de mafiosos, para dentro da Rússia.
Em maio último, Rose
Gottemoeller, uma alta funcionária especializada em controle de armas do
Departamento de Estado, começou a levantar muitas questões sobre os testes com
mísseis balísiticos russos junto aos funcionários de Moscou, que, por sua vez,
responderam que iriam investigar o assunto e analisar o caso a portas fechadas
no Kremlin. Mas funcionários do governo Obama, ao que parece, ou não estavam
prontos para denunciar formalmente os testes balísticos como ilegais, ou
simplesmente receberam ordens superiores (do Salão Oval) para que não tocassem
no assunto e evitassem que a diplomacia americana falasse em “violação do
tratado de 1987”.
Com a iniciativa de Obama em
aumentar consideravelmente os cortes orçamentários do Pentágono para armas
nucleares, o Departamento de Estado tenta achar uma forma de resolver o
problema de não observância contratual russa de modo a preservar o tratado
assinado e manter uma porta aberta a futuros acordos de controle de armas.
Jen Psaki, uma porta-voz do
Departamento de Estado, disse claramente que "os EUA nunca hesitam em
levantar questões de inobservância de tratados por parte da Rússia com Moscou,
e a questão dos testes balísticos não é uma exceção; há um processo de revisão
em curso, e nós não gostaríamos de especular ou de prejudicar o seu
resultado".
“Tais testes com mísseis de
médio e longo alcance por parte dos russos, violam flagrantemente o tratado de
1987 e a Casa Branca, mesmo assim, tem tido muita paciência com Moscou”,
disseram alguns funcionários do Departamento de Estado, na condição de
anonimidade por estarem desautorizados a discutir sobre deliberações internas
em curso e chanceladas como secretas há mais de um ano. Isso faz crescer a
pressão sobre a administração Obama para que adote uma atitude mais dura com
relação a Moscou de Putin.
A controvérsia pública sobre
tais testes russos pode se tornar uma nova e importante área de atrito nas já
difíceis relações entre os EUA e Rússia, podendo até fazer recrudescer uma nova
Guerra Fria. Nos últimos tempos, essas relações foram estressadas por
diferenças pouco conciliáveis, como, por exemplo, acabar com o conflito na
Síria, pelo asilo temporário concedido a Edward J. Snowden, o ex-empreiteiro
traidor da Agência de Segurança Nacional (NSA) e, mais recentemente, sobre a
recente turbulência na Ucrânia.
O tratado de proibição de
testes, produção e posse de mísseis de médio alcance foi considerado pela
maioria dos países como um passo importante para conter a corrida armamentista
tanto americana como russa. Ronald Reagan, que assinou o tratado, chegou a
dizer durante a asiinatura que “a importância do tratado transcende os
números", tendo acrescentado que destacava o valor de "uma maior
abertura em programas militares e de equilíbrio de forças".
Aconteceu que, depois que o
presidente Vladimir V. Putin chegou ao poder, os militares russos começaram a
reavaliar sua estratégia e o Kremlin levantou dúvidas sobre o acordo assinado.
Durante o governo de George W. Bush, o Ministro da Defesa russa, Sergei Ivanov
B., chegou a propor que os dois lados denunciassem e deixassem o tratado.
O russo argumentou que, embora
a Guerra Fria tivesse acabado, seu país ainda enfrenta ameaças de nações de sua
periferia, incluindo a China e, potencialmente, o Paquistão. Mas Bush se mostou
relutante em encerrar um tratado que os países da OTAN consideravam como uma
pedra angular no controle multilateral de armas de destruição em massa e cuja
revogação permitiria, em tese, que russos – e eventualmente outros –
aumentassem o número de mísseis balísticos com ogivas nucleares de médio
alcance dirigidos contra aliados dos EUA na Ásia.
Com a chegada de Obama à Casa
Branca, os russos reafirmam que querem manter o acordo. Mas, na visão de
analistas americanos, a Rússia também busca montar um esforço para fortalecer
suas capacidades nucleares para compensar a fraqueza de suas forças
convencionais, não nucleares. Por sua vez e concomitantemente, Barak Obama
havia prometido, em seu discurso sobre o “Estado da União” do ano passado,
"buscar novas reduções dos arsenais nucleares estadunidenses", uma
meta que as autoridades americanas, principalmente entre os democratas, até
certoponto esperava poder fazer parte do “legado de Obama”.
Todavia, funcionários do
governo e especialistas internos e externos – principalmente do Pentágono -
dizem que é “altamente improvável que o Capitólio venha a aprovar maiores
cortes nesse sentido, a menos que a Rússia demonstre uma irrestrita adesão ao
tratado de 1987, o que, afinal, parece não estar ocorrendo.
Segundo diise um ex-oficial da
Casa Branca e do Pentágono, Franklin C. Miller, "caso o governo russo tome
decisões consideradas proibidas por tratados formamente assinados com os
americanos, isso, por si só já é uma indicação mais do que suficiente de que
agora eles não estão mais interessados em buscar qualquer controle de armas,
pelo menos até o fim do mandato do presidente Obama" e que sua atitude, na
prática, já corresponde a um abandono do tratado.
Foram necessários anos de
trabalho minucioso para que a inteligência americana reunisse informações
suficientes sobre o novo sistema de mísseis da Rússia, mas, no final de 2011,
as autoridades estadunidenses puderam denunciar com certezza e de forma clara
que os russos não agiam mais em conformidade com o tratado de 1987.
No ano passado houve um
mutismo oficial de Washington sobre isso. Não obstante, tem havido repetidos
rumores sobre a natureza de tal violação não ter sido previamente divulgada,
veiculados por algumas reportagens da mídia especializada no setor de defesa que,
ao que parece, têm focado sobre o sistema errado: o de um novo míssil de dois
estágios chamado RS-26.
De acordo com os dados da
inteligência privada e estatal, os russos tem testado esse míssil no médio
alcance, com as autoridades ocidentais percebendo de forma predominante que
existe a intenção russa de preencher uma lacuna em sua capacidade balística de
médio alcance, que acabou resultando na inobservãncia do tratado de 1987.
Esse tratado define mísseis de
médio alcance como sendo os mísseis balísticos ou de cruzeiro lançados do solo
e capazes de voar de 500 a 5.800 km. Mas, pelo fato de a Rússia ter realizado
uns poucos testes com o RS-26 em escala intercontinental, tecnicamente, o
míssil se qualifica como sendo de longo alcance e será contado sob o tratado
conhecido como “New Start” (Novo Começo), que foi negociado pela administração
Obama. Por isso, é geralmente considerado pelas autoridades ocidentais como
sendo uma “evasão”, mas não uma “violação” do Tratado de 1987...
Convenhamos, os russos sempre
foram “bons” em matéria de “dalética”... Ora, o próprio John Kerry, que tenta
de forma ingente e desesperançada obter um tratado de “paz duradoura” no
Oriente Médio, foi um senador que dirigiu a Comissão de Relações Exteriores do
Senado e, como senador – e Democrata correligionário de Obama – afirmou na
ocasião que “eram fortes as preocupações de que a suspeita de violação de
controle de armas e que o fato poderá pôr em perigo os esforços futuros de
controle de armas”.
Como se vê, os americanos, quando
querem, também sabem apelar para a “dialética”. Como secretário de Estado,
Kerry não demonstrou, até agora, qualquer preocupação com os testes de mísseis
de cruzeiro russos, bem com o seu homólogo russo, Sergey Lavrov, mas enfatizou
a “importância de se cumprir os acordos sobre armas”, disse um funcionário do
Departamento de Estado.
Já os legisladores
republicanos, por sua vez, exigem que o governo seja mais incisivo e agressivo
em relação ao tema e tome atitudes que levem ao desenvolvimento de novas armas
de defesa. "Afinal, se os russos podem descumprir os tratados, nós também
podemos”, disseram alguns parlamentares da bancada conservadora.
Os deputados republicanos
Howard McKeon, da Califórnia e presidente dos Serviços da Comissão de Armas, e
Mike Rogers, de Michigan e que lidera o Comitê de inteligência, numa carta de
abril a Obama, dizem que “as informações prestadas pela Casa Branca alegam que
Obama concorda com avaliação de que as ações russas são sérias e preocupantes,
mas não conseguem oferecer nenhuma garantia de qualquer ação concreta para
resolver essas ações russas".
Já o senador Jim Risch,
republicano de Idaho, e outros 16 senadores republicanos, propuseram
recentemente uma legislação que exige que a Casa Branca relate ao Congresso sobre
o que a inteligência estatal dos Estados Unidos tem compartilhado com os
aliados da OTAN sobre as suspeitas de violação do tratado de 1987. Membros
republicanos do Comitê de Relações Exteriores do Senado, também citaram a
questão de se manter a confirmação da Sra. Gottemoeller como subsecretária de
Estado para Controle de Armas e Segurança Internacional.
Foi neste contexto que a
chamada Comissão de Deputados, um painel interagências liderado por Antony
Blinken, assessor de segurança nacional do vice de Obama, decidiu que a Sra.
Gottemoeller deve informar aos 28 membros da OTAN sobre a questão do
descumprimento russo do Tratado.
A Sra. Gottemoeller discutiu,
neste mês, sobre os testes de mísseis em uma reunião a portas fechadas de
Controle de Armas da OTAN, com o Comitê de Desarmamento e com o Comitê de
Não-Proliferação Nuclear reunidos em Bruxelas. “A administração Obama”, disse
ela, “não tinha desistido da diplomacia. Há precedentes para trabalhar fora
disputas sobre queixas de controle de armas”, e a Sra. Gottemoeller, como
disseram as autoridades americanas, continuará a tentar engajar os russos na
resolução da controvérsia.
Mas, mesmo com a melhor das
intenções, pressupondo que os russos estejam a fazer o mesmo, isso pode não ser
nada fácil. A rede elaborada de disposições de verificação criadas pelos termos
do tratado de mísseis de médio alcance já não está mais em vigor, uma vez que
todos os mísseis que se acreditava serem abrangidos pelo acordo foram, há muito
tempo, acreditados terem sido destruídos, desde maio de 1991.
Assim, ao que parece, a
atitude dos russos é temerária e terá, no curto prazo a contrapartida da OTAN
de restabelecer suas forças com novas ogivas nucleares de médio e longo
alcance, o que significaria o retorno da famigerada Guerra Fria, até que num
ato de loucura, alguém decida e consiga esquentá-la de vez.
Título e Texto: Francisco Vianna, (da mídia
internacional), 30-01-2014
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