Com apenas nove meses no
poder, Nicolás Maduro já é o governante de hábitos mais caros da história
recente da Venezuela
Em viagens, chefe de Estado
costuma ter 120 pessoas na comitiva, inclusive provadores de comida, técnicos
em explosivos e médicos com especialização até em epidemiologia
José Casado
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Foto: Juan Barreto/AFP |
Quando acorda, é recebido por
um séquito de guarda-costas. Em viagens, costuma ter 120 pessoas na comitiva,
inclusive provadores de comida, técnicos em explosivos e médicos com
especialização até em epidemiologia.
Em maio passado, por exemplo,
passou 72 horas no circuito Buenos Aires-Montevidéu-Brasília. O périplo custou
US$ 1 milhão, o equivalente a despesas de US$ 13.800 por hora, em hotel,
comidas, bebidas e compras variadas. Bloqueou andares inteiros de hotéis de
luxo (42 apartamentos só para guarda-costas) e alugou suítes a US$ 4,5 mil por
dia. Nas conversas com os presidentes Cristina Kirchner, José Mujica e Dilma
Rousseff, ele pediu crédito para comprar alimentos, cada dia mais escassos nas
prateleiras dos mercados venezuelanos.
Quatro meses mais tarde, em
setembro, desembarcou em Pequim. Gastou US$ 2,9 milhões na estadia de uma
semana — média de US$ 17.261 por hora. Fez um empréstimo emergencial de US$ 5 bilhões,
em condições não divulgadas, e retornou à suíte japonesa de Miraflores.
Com apenas nove meses no
poder, Nicolás Maduro, 51 anos, já é o governante de hábitos mais caros da
história recente da Venezuela: reservou US$ 945 milhões para suas despesas,
segundo dados do orçamento nacional para 2014 levantados pela Transparência
Venezuela e por especialistas em contas públicas como Carlos Berrizbeitia,
deputado pelo partido Projeto Nacional. Isso representa 16 vezes mais do que
dispõe para gastar neste ano, com dinheiro público, a Rainha Elizabeth II, da
Grã-Bretanha.
A Presidência Maduro tem um
custo previsto US$ 2,5 milhões por dia. Se realizado, vai superar em 19% o
recorde do antecessor, Hugo Chávez, que em 2011 consumiu US$ 794 milhões, à
média diária de U$ 2,1 milhões.
É significativo para um país
cuja economia equivale a um quarto da brasileira e cambaleia sob grave crise. A
Venezuela encerrou 2013 como recordista mundial de inflação: os preços ao
consumidor subiram 56,2%, informa o Banco Central local. Ou seja, avançaram em
ritmo nove vezes superior aos brasileiros no período.
O índice traduz um processo
acelerado de corrosão do poder de compra da maioria dos 30 milhões de
venezuelanos, que, paradoxalmente, vivem num dos territórios mais ricos do planeta,
com fartas reservas de petróleo (cotado a US$ 90 por barril). A inflação
venezuelana subiu em velocidade maior do que em países em guerra civil, como a
Síria de Bashar al-Assad (49,5%) e o Sudão de Omar al-Bashir (37,1%).
Essa alta nos preços é obra da
administração Nicolás Maduro. É quase o triplo da taxa registrada na Venezuela
(20,1%) nos 12 meses anteriores. Em alimentos e bebidas a escalada foi de 79,3%
de aumento, em comparação com o último ano da era Hugo Chávez.
Maduro herdou a crise de
Chávez, e, mesmo sem o carisma, tenta driblá-la com imitações do estilo
peculiar do caudilho no exercício do poder. Renova diariamente a promessa de
levar os venezuelanos a um paraíso socialista. Mantém o Estado funcionando como
um emirado petrolífero, militarizou o governo, mas já não consegue garantir o
suprimento de produtos básicos, como óleo, carnes, farinha, leite e papel
higiênico.
O falecido coronel deixou-lhe
um “Plano de Suprema Felicidade Social” como testamento político. Maduro
decidiu “aprofundá-lo”, como explicou na quarta-feira ao discursar na
Assembleia Nacional: “Vamos avançar para a supressão radical do capitalismo”.
Acrescentou: “Os capitalistas têm de rezar muito, e se arrepender.”
Essa “radicalização” do modo
chavista de governar se reflete no orçamento para 2014. Para administrá-lo na
crise, Maduro decidiu manter em 39 o número de ministérios — entre eles, um
dedicado à “Transformação Revolucionária” e outros sete ao “Desenvolvimento
Integral” . Ao mesmo tempo, criou 111 vice-ministérios.
Se, um dia, resolvesse reunir
os ministros e os vices, precisaria de um auditório com 150 lugares. Se cada um
pudesse falar por cinco minutos, o presidente seria obrigado a escutá-los por
11 horas seguidas. Sem intervalo.
Na lógica administrativa de
Maduro cada ministério precisa de apêndices. O da Saúde, por exemplo, ganhou
cinco vice-ministérios — para Saúde Integral, Ambulatorial, Saúde Coletiva,
Hospitais e Recursos, Tecnologia e Regulação.
Por decreto (número 730), e
com justificativa de “contribuir para alcançar a maior soma de felicidade
possível”, Maduro criou vice-ministérios para tudo. Instituiu o da “Suprema
Felicidade do Povo” ; da “Economia Socialista”; da “União com o Povo”; da
“Liberação”; do “Novo Ordenamento Socialista”; do “Desenvolvimento Produtivo da
Mulher”; do “Saber Ancestral”; e, da “Vida e Paz” . Tem até um vice-ministério
para o Twitter e o Facebook — o das “Redes Sociais” .
A galáxia burocrática
venezuelana foi expandida, mas poucos são os núcleos do poder com recursos
garantidos. Sob a maior inflação do mundo, Maduro impôs cortes nos orçamentos
da Saúde (redução de 63% em relação a 2012, descontada a inflação), Educação
(-67%), Habitação (-66,6%) e Energia Elétrica (-65%), conforme os cálculos da
Transparência Venezuela.
Cortou pela metade programas
como o de Alimentação Escolar, deixando o gasto por criança abaixo de US$ 1 por
dia. Preferiu duplicar o caixa do serviço secreto, dando-lhe US$ 120 milhões.
Pelo orçamento, seu conceito
de “felicidade suprema” só vale para o caixa presidencial. Ao reservar US$ 945
milhões, Maduro garantiu:
* U$$ 7,6 milhões para suas despesas com alimentos e bebidas, num
padrão de consumo mensal de US$ 633 mil. É suficiente para comprar, por
exemplo, um conhaque francês Henri IV Dudognon em garrafa de cristal feita à
mão, com capa de ouro 24 quilates e 6,5 mil diamantes certificados. Custa US$
3,4 milhões cada. A sobra dá para 30 garrafas de vinho Chateau Mouton
Rothschild 1945, a US$ 114 mil a unidade, e ainda 130 quilos de caviar de
beluga iraniano Almas.
* US$ 5,2 milhões para
despesas em viagens. É menos que os US$ 9,5 milhões despendidos nas 33
realizadas dos últimos sete meses.
* US$ 250 mil para roupas e
sapatos. A renovação do guarda-roupa de Maduro vai custar US$ 20.800 por mês.
Essa verba possibilita, entre outras coisas, a aquisição de 10 ternos de
vicunha e cashmere, com riscas de platina, na Henry Poole, de Londres,
alfaiataria que há 207 anos veste a realeza britânica e foi a predileta de D.
Pedro II e do marajá de Jaipur, da Índia. Cada peça custa US$ 20 mil. Com o
restante pode adquirir 38 gravatas de seda Hermès Bolduc Diamant, mais 15
camisas de algodão (200 fios) Turnbull & Asser, e uma dúzia de pares do
clássico sapato JohnLobb City II Leather Oxford (US$ 1,7 mil cada).
* US$ 119,5 mil para produtos
de higiene pessoal. Isso dá acesso a uma fragrância personalizada Mathilde
Laurent, da Casa Cartier, de Paris, embalada em cristal Baccarat, com detalhes
em ouro, ao custo de US$ 75,5 mil. E ainda paga 150 quilos de sabonete Cor, em
fórmula nano-prata, harmonizada com compostos de sílica. Afinal, artigos de
higiene pessoal estão no topo da lista de produtos escassos na Venezuela.
Principalmente, papel higiênico — inexistente em 79% dos mercados, segundo o
Banco Central.
Título e Texto: José Casado, O Globo, 19-01-2014
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