Reinaldo Azevedo
Um parágrafo de um post
meu sobre a crise na Ucrânia gerou algumas crispações de quem procurou ler o
que não estava escrito, ignorando o que estava, a saber:
“A
Crimeia, no entanto, que tem um governo local e goza de relativa autonomia,
jamais deixará de ser pró-Rússia porque essa é a vontade da esmagadora maioria
do seu povo, que é russa. Talvez seja esse o preço de Putin por uma derrota no
resto da Ucrânia, que, a esta altura, parece certa.”
O que está escrito aí? O
óbvio. Quase 60% dos habitantes da Crimeia são russos étnicos. Os
ucranianos não chegam a um quarto da população. Enquanto estavam todos sob a
ditadura soviética, os rancores ficavam mitigados. Agora não. A propósito: a
Ucrânia é ainda um eco da redefinição de fronteiras à esteira do fim do comunismo.
Nem sempre isso se deu da melhor maneira, como sabem as repúblicas que
compunham a antiga Iugoslávia.
Afirmo ainda o óbvio: Putin já
perdeu. Perdeu o quê? O resto da Ucrânia. Era um satélite da Rússia e não será
mais. Qualquer que seja o governo eleito, será pró-Ocidente, pró-Europa. O
presidente russo está pedindo uma compensação: a Crimeia. Apenas por orgulho
ferido? Não! A questão é, antes de mais nada, militar. Pesquisem um pouquinho
sobre a chamada “Frota do Mar Negro”, que data do século 18, e tem na cidade de
Sebastopol, na Crimeia, a sua maior base.
Não estou justificando,
obviamente, as ações de Putin. Eu as estou explicando. Em outro texto, escrevi
também que tivessem os EUA e a Europa líderes um pouquinho mais sensatos e
responsáveis, a crise não teria chegado a esse ponto. É claro que a destituição
do presidente Viktor Yanokovich foi um erro. Alguém deveria ter advertido Obama
— e, se possível, Angela Merkel: “A Rússia não vai aceitar uma solução hostil
por causa da Crimeia”.
Cumpre também baixar a bola da
retórica. Só uma cretina como Hillary Clinton ousaria, como ousou, comparar a
ação de Putin à de Hitler. É de tal sorte estúpido que mal se acha o fio por
onde contestar a bobagem. O, por assim dizer, império russo está minguando, não
se expandindo; não existe um movimento no país para alargar as suas fronteiras;
luta-se ali é para preservar uma presença militar de mais de dois séculos.
Política também se faz com os fatos.
“Ah, então, agora, é festa.
Putin vai invadindo, fazendo referendos e anexando territórios…” É uma
simplificação grosseira; todo mundo sabe que não é assim. De resto, insisto,
ele já perdeu. O resto da Ucrânia já mudou de lado. Da Crimeia, no entanto, ele
não vai abrir mão.
O que significa “não abrir
mão”? Vamos ver. Que a Crimeia não será “ucraniana”, ah, isso não será.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 07-03-2014
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