O mito dos governos de salvação nacional emerge sempre durante o desespero. Não vale a pena: Bruxelas vai tratar-nos da saúde
Contra a situação aberrante, Luís Amado, Paulo Portas e Cavaco Silva partilham uma ideia política. O trio defende, com diferenças de geometria e de interesses, a constituição de um governo de salvação nacional. O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, o líder do CDS-PP e o Presidente da República acreditam que o consenso político, a estabilidade governativa e a suspensão do combate partidário estéril permitirão atravessar a barreira de fogo com que os mercados cercaram o país. É pura ilusão. A saída de Portugal está entre Bruxelas e Berlim: bem longe de Lisboa.
O mito dos governos de salvação nacional, que emerge sempre que o desespero mostra a sua cara feia, é um poderoso meio para distrair as massas. Desde o século XIX que os salvíficos governos se apresentam aos portugueses - sem grande resultado. O que hoje está em causa não é uma solução política de governo, melhor ou pior, minoritária ou maioritária. Está em causa o futuro de um país arruinado, endividado até à medula, com um Estado Social em desmantelamento e que ameaça a moeda única.
O que todos pensam, na verdade, é que o actual governo esgotou a sua credibilidade política. O ano de 2009 foi o que foi por causa das eleições. O ano de 2010 é o que é por causa da incompetência. Nas contas do Estado, o buraco aumentou quase dois mil milhões de euros. E o défice só não cresce em proporção porque o fundo de pensões da PT foi incorporado no Estado: nem tudo se explica pela despesa dos submarinos.
Luís Amado disse este fim-de-semana, e bem, que Portugal vive uma situação excepcional: "Somos o único país na Europa onde temos a situação aberrante de a oposição e o partido minoritário não terem conseguido tão-pouco iniciar o diálogo com vista à constituição de uma plataforma de governo." Pois. O problema, porém, já não é esse. Basta fazer contas. Até Setembro de 2011 Portugal terá de liquidar mais de 27 mil milhões de euros entre Bilhetes e Obrigações do Tesouro. O financiamento externo para 2010 está assegurado, mas em 2011 adivinha-se um desastre: Portugal terá de recorrer aos mercados já em Abril. Caso o país não tivesse de pedir dinheiro emprestado até 2014, a dívida a liquidar nesse ano seria superior a 13 mil milhões de euros. Há alguma maneira de aguentar este estrangulamento financeiro com juros astronómicos? Não, não há. Quem quiser ver o futuro de Portugal deve olhar para a Irlanda. A trajectória de ambos os países é paralela e os mercados tratam-nos como um investimento cada vez mais arriscado. O efeito de contágio do risco à zona euro - que ameaça Portugal - estende-se perigosamente à imensa Espanha. Ora, como os 750 mil milhões de euros do fundo europeu de emergência não aguentam a falência de Espanha, Bruxelas terá de intervir [faça zoom nas páginas 16-17] para estancar a euro-hemorragia na Irlanda e em Portugal. O que é notável já que os primeiros-ministros de ambos os países recusam pedir ajuda externa para resolver os seus problemas financeiros. Azar: o euro fala mais alto. E agora é Bruxelas que os pressiona a pedir a dita ajuda.
Dublin já está sob intensa pressão política europeia para recorrer à União Europeia e ao FMI. O mesmo vai suceder a Portugal, em Dezembro. Porque é preciso salvar o euro. Bruxelas, Berlim e Paris acreditam que, para salvar a moeda, é preciso acalmar os mercados. O que depende do domínio tutelar dos monstros irlandês e português. Em última análise, isto significa que a Europa não acredita na capacidade política dos governos de Lisboa e de Dublin para resolver a crise. Portugal, com este governo ou outro qualquer, vai perder soberania. Mas talvez assim se consiga salvar da situação aberrante.
Carlos Ferreira Madeira, "i", 15-11-2010
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