segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Saindo do Hotel Plaza... (I)

Trecho do livro "Estrela Brasileira", de Everaldo Botelho Bezerra, poeta, escritor, artista plástico e ex-Comissário de Voo na Varig, Ever Botelho:
(Escrito em 20 de julho de 2006)

Ever Botelho, Firenze, Itália
Vamos! Esta história não podemos perder. Vamos! Estou saindo no ônibus do Plaza Hotel em Copacabana. Aqui, a turma baseada em São Paulo ficava hospedada, e daqui partiam para os aeroportos Santos Dumont ou para o Galeão, nos casos dos vôos internacionais. Vamos fazer este trajeto pela última vez como se fôssemos tripulantes, isto é, como se trabalhássemos ainda na Varig. Não! Isto não é uma história chata, autobiográfica. Esqueçam, pois não me daria ao trabalho de massacrá-los com algo que não valesse a pena. O ônibus começa a sair. Meu coração bate acelerado. Bolas! Eu não deveria estar emocionado. Prometi a mim mesmo que não me deixaria envolver emocionalmente para que pudesse ser imparcial. Entretanto, é impossível, quando se trata de tantas vidas envolvidas em rodamoinho de emoções. 

Vidas que se perderam, dispersaram, e neste momento muitas espalhadas por este mundo afora. Isto sem exagero. Há gente vivendo em Los Angeles, Japão, Portugal, Nordeste e Norte do Brasil, Minas Gerais, Duque de Caxias e Baixada Fluminense. Certo. Grande parte está aí, pois foram ficando nos caminhos, como uma cesta cheia de ramos de flores que vão se derramando nas poeirentas estradas. Como foram belas e úteis, por que foram vidas, e seus corações bateram fortes como o meu agora, desesperado pelo encantamento desta estrela.

Vamos! Deixemos de coisas, o dia é 20 de Julho de 2006, e neste momento está prestes a pousar no Aeroporto Antonio Carlos Jobim o último vôo da Varig. Daqui a pouco vão bater o martelo e ela será leiloada. Ponto final. Merda, não gosto nem de pensar com que friezas estão rifando a maior Cia. Aérea da América Latina. As coisas são assim, ou as fazemos assim. Tudo é pouco. Tudo vale muito pouco. Modernos, deixamos soçobrar o barco de ilusões. O nosso e dos outros. Sem consideração pelos esforços de milhares de trabalhadores, o pranto derramado em noites de vigílias, o sorriso escancarado, felizmente, de homens e mulheres alegres que nos ajudaram a atravessar este caminho. Não sei por que logo no início lembro da Estrela Brasileira Elis Regina a bordo, indo se apresentar no México. Como ela foi solícita, alegre, convidou-nos para assistir a sua apresentação. – “Que lamentável”, falei. “Sairemos um dia antes. Que grande perda”. Ela não se furtou ao nos convidar então, para o ensaio no estúdio da Capitol. Meu Deus! 

Você pode imaginar em pequeno espaço, Elis, cabelos curtos, calça jeans, com seus músicos ensaiando, aproximadamente, quarenta músicas, enquanto, Liuba, Serrão e eu, sentados ao lado, quietos, aparvalhados, víamos Elis balançar, mãos, braços, corpo em ritmo crescente, e a voz preenchendo todos os espaços da sala, das nossas almas. “Você pega o trem azul, o sol na cabeça”. Os críticos, produtores e músicos apontam-na como a maior cantora do nosso País. De repente ela para de cantar no meio da música e exclama aborrecida, “Porra, o que está acontecendo?, não é por aí!” Sinto um orgulho profundo ao saber de sua capacidade musical. Ela era o maestro coordenando tudo, com uma segurança inabalável. “Você na cabeça”, voltava a cantar como se já não houvesse nada. No fim do ensaio, mandou vir um lanche para nós e um carro nos trouxe de volta para o hotel. Bravo! Obrigado Elis pelo legado que nos deixou. “ Perdoe a cara amarrada, os dias eram assim”.

Continuação:

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