domingo, 8 de maio de 2011

Obama, Paquistão e o risco

Foto: Associated Press/Visão

Para a maioria dos americanos, a eliminação de Osama Bin Laden foi uma espécie de catarse colectiva. Fecha um período profundamente traumático, que se iniciara a 11 de Setembro de 2001. O êxito da operação das forças especiais da Marinha norte-americana fez reviver o orgulho nacional. Indo além da psique popular, é evidente que um desfecho destes acarreta dividendos políticos importantes. Obama foi o principal beneficiário. Recuperou a iniciativa política e saiu fortalecido, quando bem precisava. Passou, além disso, a ter um argumento de peso, no combate pela reeleição.
Quem se deve sentir incomodada é a liderança paquistanesa. Tinha por reflexo, incluindo no passado recente, emitir dúvidas sobre a presença de Bin Laden no Paquistão. Na pior das hipóteses, aceitava que talvez se encontrasse acossado nalguma montanha remota, na linha de fronteira com o Afeganistão, protegido por tribos primitivas, fora do controlo de Islamabad. Ora, o homem estava bem perto da capital e era vizinho de duas instituições militares de prestígio. Vivia, para mais, numa mansão que, pela sua natureza e localização, perto de instalações nevrálgicas, deveria ter atraído a atenção dos serviços secretos militares, o famoso e ambíguo ISI. Face ao que aconteceu, das duas, uma: ou o ISI é totalmente incompetente ou temos enredo. O meu conhecimento dos militares paquistaneses, com quem trabalhei no quadro de missões de paz da ONU, permite-me dizer que há gente importante nos serviços secretos que se sente mais confortável com o fanatismo religioso do que com os valores do humanismo moderno.

Outra questão de relevo tem a ver com o futuro de Al-Qaeda. Bin Laden já há algum tempo que não tinha responsabilidades operacionais directas. Com o tempo e uma vida às escondidas, havia-se transformado num símbolo e deixado de ser um chefe. As operações especiais podem matar o homem, mas não fazem mossa no símbolo. Mais. A morte de alguém marcadamente simbólico acaba por suscitar, nos seguidores, um espírito de vingança. Há, pois, que estar vigilante. Enquanto escrevia este texto, falei com contactos que tenho no sector e fiquei com a impressão que há muito gente a fazer horas extraordinárias, em Washington e noutras capitais. A maioria das acções terroristas possíveis será de iniciativa individual, levadas a cabo por "lobos solitários". Alguns deles poderão emergir dos jovens oriundos das comunidades imigrantes, na Grã-Bretanha ou nalgum outro país europeu. Mas esses "lobos solitários" têm cada vez mais dificuldades em preparar acções de envergadura. Sem treino suficiente e sem técnicas especializadas, são uma ameaça real, mas de fraca intensidade.
Já o mesmo não se pode dizer dos grupos que operam a partir do Paquistão, do Cáucaso, do Iémen e da região do Sahel, no Norte de África. São grupos com algumas ligações entre si, com meios e capacidade de organização. Representam um perigo maior. O atentado recente em Marraquexe é, aliás, um toque de alerta. Deveria servir para chamar a atenção para os riscos que uma situação de caos no Norte de África pode acarretar. Também é verdade que as revoluções democráticas na região e no mundo árabe, em geral, estão a tirar espaço aos radicais e a mostrar aos jovens dessas terras que a luta que conta é a da sua emancipação política. Como sempre se disse, os melhores remédios contra os extremismos continuam a ser a democracia, os direitos humanos e o progresso social.
Victor Ângelo, Visão, nº 948, de 5 a 11 de maio de 2011
Grifos: JP

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