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Quadro de George Grosz, Eclipse do Sol (1926) |
A abstenção violenta da oposição favorável
Ricardo Araújo Pereira
António José Seguro é aquilo
que os cientistas políticos mais argutos têm definido como "um totó".
Bem sei que certos filósofos resistem a esta categorização e preferem incluir
Seguro no grupo dos choninhas. Mas creio que o diagnóstico de totó tem tido mais
e melhores aderentes. O problema não é António José Seguro ter menos carisma,
capacidade mobilizadora e poder de persuasão do que a maior parte dos
políticos. O problema é ter menos carisma, capacidade mobilizadora e poder de
persuasão do que a maior parte dos seminaristas.
Agora, com a licença do
leitor, vou mudar o tom para a ironia. Receio que apoucar António José Seguro
num registo meramente sarcástico possa tornar-se demasiado fácil. Aqui vamos:
Portugal está tão bem servido
no governo e na oposição que começo a ter pena da crise. Há tantas e tão boas
soluções a serem concebidas que a dificuldade é escolher uma, mas vou optar
pela que me parece mais eficaz - os pastéis de nata que me desculpem. Tendo em
conta o difícil período em que o país se encontra, António José Seguro entrou
imediatamente em acção e tomou uma medida drástica: fechou o Gabinete de
Estudos do PS e abriu o Laboratório de Ideias do PS. Oh, ruptura! Oh, novidade!
Operada por um político menos hábil, esta mudança teria provocado um
sobressalto social de consequências imprevisíveis, mas Seguro consegue fazer
com que o gesto mais ousado transforme a realidade sem a perturbar. A bem
dizer, a realidade nem acorda. Seguro já tinha cunhado o conceito de
"abstenção violenta", que é uma forma de, brusca e malevolamente, não
fazer rigorosamente nada. Para usar uma imagem que torne esta subtileza
política acessível ao público, a abstenção violenta é o equivalente ao Rambo em
estado comatoso: vê-se que é violento, mas está sossegado. Mas a transformação
de um gabinete de estudos num laboratório de ideias eleva a ousadia política a
patamares que estão por parametrizar.
Confesso que estou um
bocadinho cansado da ironia. Talvez o recurso à caricatura e ao exagero seja o
mais adequado para definir o projecto do novo Laboratório de Ideias. O
organismo propõe-se apresentar um programa político para o PS. Como os tempos
requerem propostas alternativas urgentes, contam ter tudo pronto em 2015. E
será um programa para executar até 2024. É um projecto interessante. Em 2024,
António José Seguro terá 62 anos. O que é estranho, porque ele parece ter 80
agora. Mas, a partir de hoje, basta-lhe esperar três anos para saber como se
resolve esta crise. Depois, terá de ser eleito duas vezes para aplicar o
programa que ainda não está pronto. Se não conseguir, acredito que Seguro
levará a cabo um protesto violento que consistirá em beber três copos de leite
morno seguidos. Mas, caso seja bem-sucedido, temos a vida resolvida até 2024. É
uma tarefa difícil, mas menos ambiciosa do que se esperaria. Não parece estar
nos planos de Seguro ter uma proposta para o Portugal de 2070, o que é pena.
Talvez o Laboratório de Ideias, que nasceu dos escombros do Gabinete de
Estudos, dê lugar a uma Oficina de Projectos, que possa dedicar-se a planear a
segunda metade do século XXI.
Texto: Ricardo Araújo Pereira,
revista Visão, nº 991
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