Carlos Lúcio Gontijo
Faz muito tempo que escrevemos
artigos a respeito da falta de políticas públicas mais efetivas e inovadoras na
tentativa de formação de gosto pela leitura. Entretanto, como integrantes do
núcleo de autores independentes, não alimentamos mais qualquer sonho de
assistirmos alguma sensível democratização no âmbito do mercado do livro e seu
jogo de troca de influências (e favores) entre editoras, grandes autores e
poder público.
Por várias e seguidas vezes
defendemos a regionalização de indicação de livros de literatura às escolas,
principalmente para as primeiras leituras, nos ensinos fundamental e médio, que
cobram proximidade de costumes, hábitos, horizonte geográfico e linguagem. Isto
sem considerarmos a importância de que, ao privilegiar autores regionais,
haveria a possibilidade de mais contato entre os escritores, os poetas e os
alunos, desfazendo a distância causadora de falso “endeusamento”, que coloca a
arte de escrever em pedestal inalcançável, quando a verdade a ser cultivada é
que todo autor necessita ter o leitor caminhando ao seu lado, frequentando
similares ondas de sensibilidade, informação e criatividade.
Nada nos aborrece mais que a
eternização de antigas listas de livros obrigatórios, apesar de todos terem
consciência de que o bom livro, os chamados clássicos, se impõe por si mesmo.
Ou seja, se você cuidar de formar leitores, os próprios amantes da leitura
chegarão a eles, com a vantagem de ostentar mais discernimento para melhor
apreciá-los.
O mundo da literatura não vai
bem, pois há muita gente com toda atrativa circunstância e organizado aparato
legal para se aproveitar do idealismo de poetas e escritores desavisados, que
não medem esforços para ver suas obras editadas. A todo instante recebemos
propostas, via e-mail, para participar de coletânea. Agora mesmo, visualizamos
em nosso computador o convite para participar de coletânea de título pomposo:
Antologia Os 100 Melhores Poemas do
Brasil. A proposta indecente traz uma escala de preços que varia de R$
200,00 por duas páginas, a R$ 875,00 por 10 páginas. Um explícito assalto
virtual, conforme detectamos após análise, levados pela orientação da
experiência de quem custeou a impressão de 14 livros, inclusive do romance
“Quando a vez é do mar”, que lançaremos no dia 27 de abril deste ano de 2012.
A divulgação de dados
relativos ao índice de leitura dos brasileiros não nos surpreendeu, pois o que
nos espantou foi o Instituto Pró-Livro dar-se ao trabalho de realizar tal
levantamento, apesar da inexistência de materialização de projeto nesse sentido
no transcorrer dos anos. Ou seja, o universo pesquisado era alicerçado no mesmo
caos pré-existente.
Dessa forma deu no que havia
de se dar: a parcela de leitores caiu de 55% para 50% da população entre os
anos de 2007 e 2011. A queda é tão draconiana que até entre crianças e
adolescentes, que costumam ler por dever escolar, houve redução, numa
comprovação inconteste de que à frente da leitura estão tevê, DVD, CD etc., com
a cultura da imagem e do som atropelando os livros e a compreensão de textos,
que ficam a ver navios – fadados a afundar pela ignorância de seus condutores
guiados pela bússola do “desgosto” pela leitura.
Lamentavelmente, mergulhados
em ambiente cultural tão desfavorável, quis o Criador nos levar o luzidio
intelectual Millôr Fernandes, que se sentindo isolado escreveu: “Infelicidade
nascer com talento melódico numa época em que o pessoal só se interessa por
percussão”. E estava, como sempre, certo o inteligentíssimo Millôr, que dentre
mil facetas era excelente e não reconhecido poeta. A realidade insofismável é
que se não é a família anunciar sua morte a mídia ignara e voltada para o
supérfluo e a propagação do grotesco não perceberia sua retirada física do
cenário cultural brasileiro.
Trocando em miúdos e para dar
por terminado nosso artigo, transcrevemos um pensamento, uma frase, em que Millôr
Fernandes destila sua ironia, seu humor e sua perfeita apreensão da sociedade
brasileira: “Não, o Brasil não é o único país corrupto do mundo. Mas a nossa
corrupção é a mais gratificante”.
Título e Texto: Carlos Lúcio
Gontijo, poeta, escritor e jornalista
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-