Os teus pés
Quando não posso contemplar
teu rosto,
contemplo os teus pés.
Teus pés de osso arqueado,
teus pequenos pés duros.
Eu sei que te sustentam
e que teu doce peso
sobre eles se ergue.
Tua cintura e teus seios,
a duplicada púrpura
dos teus mamilos,
a caixa dos teus olhos
que há pouco levantaram voo,
a larga boca de fruta,
tua rubra cabeleira,
pequena torre minha.
Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem.
Pablo Neruda
Ar livre
Ar livre, que não respiro!
Ou são pela asfixia?
Miséria de cobardia
Que não arromba a janela
Da sala onde a fantasia
Estiola e fica amarela!
Ar livre, digo-vos eu!
Ou estamos nalgum museu
De manequins de cartão?
Abaixo! E ninguém se importe!
Antes o caos que a morte...
De par em par, pois então?!
Ar livre! Correntes de ar
Por toda a casa empestada!
(Vendavais na terra inteira,
A própria dor arejada,
- E nós nesta borralheira
De estufa calafetada!)
Ar livre! Que ninguém canta
Com a corda na garganta,
Tolhido de inspiração!
Ar livre, como se tem
Fora do ventre da mãe,
Desligado do cordão!
Ar livre, sem restrições!
Ou há pulmões,
Ou não há!
Fechem as outras riquezas,
Mas tenham fartas as mesas
Do ar que a vida nos dá!
Miguel Torga
Língua portuguesa
Última flor do Lácio, inculta
e bela,
És, a um tempo, esplendor e
sepultura:
Ouro nativo, que na ganga
impura
A bruta mina entre os
cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e
obscura,
Tuba de alto clangor, lira
singela,
Que tens o trom e o silvo da
procela
E o arrolo da saudade e da
ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu
aroma
De virgens selvas e de oceano
largo!
Amo-te, ó rude e doloroso
idioma,
Em que da voz materna ouvi:
"meu filho!"
E em que Camões chorou, no
exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor
sem brilho!
Olavo Bilac
Soneto da separação
De repente do riso fez-se o
pranto
Silencioso e branco como a
bruma
E das bocas unidas fez-se a
espuma
E das mãos espalmadas fez-se o
espanto.
De repente da calma fez o
vento
Que dos olhos desfez a última
chama
E da paixão fez-se o
pressentimento
E do momento imóvel fez-se o
drama.
De repente, não mais que de
repente
Fez-se de triste o que se fez
amante
E de sozinho o que se fez
contente.
Fez-se amigo próximo o
distante
Fez-se da vida uma aventura
errante
De repente, não mais que de
repente.
Vinicius de Moraes
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