terça-feira, 27 de março de 2012

Amor sem fim: Leia o 1º capítulo!

Ano 2040
Sentada na varanda da sua casa, numa cadeira de baloiço feita de palha, do século passado, oriunda dos seus avós, deixava-se embalar sob o céu estrelado e não conseguia impedir a lágrima que escorria dos seus olhos escuros e fundos. Pensava na sua filha Joana…

Ano 2010
Uma menina de olhos tristes olhava para o casal que acabava de entrar na “Casa Da Esperança”. Carlos Filipe e Susana Isabel esperaram por este momento cinco anos. Carlos tinha trinta e sete anos, tinha o cabelo bem cortado, penteado para trás, deixando ver a sua grande testa – sinal de inteligência, brincava ele – com os olhos castanhos e grandes, nariz arrebitado e barba sempre desfeita. Era elegante, porte alto, com um metro e oitenta centímetros, sério e, quando a conversa lhe interessava, ele observava. Às vezes, os seus filhos pensavam que não estava atento mas não era verdade. Ele ouvia e ficava calado, porque acreditava que Susana resolveria a situação. Era um excelente pai de família e amigo. Era menos autoritário que a mulher. Cedia mais aos pedidos dos filhos mas nunca a desautorizava.
Susana era de estatura média, nem alta nem baixa, media um metro e sessenta e quatro centímetros. Tinha os cabelos e os olhos pretos. Era bastante faladora e sentia-se mãe de todos, desde amigos, filhos, marido e familiares. Na verdade a família aceitava-a com esse feitio e era debaixo das suas “asas” que iam consolar-se. Ouvia um lado e ouvia o outro, não tomava partido mas tentava sempre o caminho da paz. O marido tinha o hábito de dizer:
– Susana, tu não podes salvar o mundo!
– O mundo, não posso! Mas posso ajudar as pessoas que me rodeiam a viverem melhor neste mundo, não achas? – repetia Susana fazendo beicinho. Carlos sorria e nada mais falava. Nunca convenceria a sua mulher a deixar de se preocupar. Ela era assim. Provavelmente foi essa uma das características que lhe seduziu. Mas naquele dia, Susana estava tão calada quanto Carlos.
O casal vinha acompanhado pela assistente social Paula Coruja, que falava sem parar:
– E como devem compreender isso não quer dizer nada de certo mas pode ser…
O casal não tirava os olhos da menina de treze meses que se encontrava cada vez mais perto deles.
– E vocês vão conhecê-la… mas não a levarão logo para casa – continuou Paula a falar.
O Carlos não prestava atenção mas Susana fazia um esforço.
Chegaram perto da menina de olhos castanhos-escuros, cabelo comprido com caracóis. Ao seu lado encontrava-se uma senhora baixinha dos seus sessenta anos, com um sorriso que transmitia muito carinho. Os seus olhos, por detrás das lentes dos óculos, tinham a esperança como mensagem.
– Bom dia. Sou a Madre Superiora e diretora da “Casa Da Esperança”. O meu nome é Teresa e esta menininha aqui é a Joana.
Joana estava num carrinho de passeio e olhava-os com muita curiosidade. Carlos agachou-se e ficou à altura de Joana, a menina sorriu-lhe. Foi um sinal de amor que nunca mais se quebrou. Mas Susana estava muito receosa e não sabia como reagir. A ideia tinha sido dela mas, agora que chegou a altura, Susana pensou e perguntou-se várias vezes se estava a fazer o realmente certo.
© Sbego2000 | Dreamstime.com
Há cinco anos Susana perguntou ao marido Carlos se aceitava adotar uma menina. Carlos a princípio não reagiu com muito entusiasmo. Disse que a ideia o entusiasmava 60%. Susana não gostou da resposta mas achou que não devia desistir, por isso, resolveu chamar os seus filhos Luís e Filipe. Luís tinha doze anos e não gostou. Como explicaria ele aos amigos o aparecimento repentino de uma irmã.
– Mas, mãe, o que eu vou dizer aos meus amigos?
– Filho, os teus verdadeiros amigos vão entender, quanto aos outros, não precisas de contar. Aliás, nós vamos optar pela adoção plena, isto é, a menina que tivermos terá o nosso nome de família, será Ribeiro Garcia tal como tu e o mano.
Filipe tinha um caráter mais calmo e aceitava tudo sem reclamar, para ele estava sempre tudo bem. Com os seus oito anos demonstrava ter uma vontade de viver sempre em paz.
– Mãe, mas como é que isso é? Vocês vão lá e trazem logo a menina? Eu não me importo nada – disse Filipe
E a discussão durou mais de uma hora. No fim do jantar, quando todos estavam reunidos, tentaram chegar a uma conclusão. Susana sentia-se sozinha. Tão entusiasmada que ela estava e … ninguém parecia partilhar com ela esse entusiasmo. Começou a ficar triste e não sabia como solucionar essa indecisão que pairava na sua família. Carlos, por fim, disse:
– Se realmente queres vai em frente, trata das coisas.
Era sempre assim. Que raiva sentia Susana de Carlos nessas alturas! Quando este não estava muito interessado deixava que Susana fizesse tudo sozinha porque tinha a esperança que desistisse depois. Mas Susana foi em frente e no dia 10 de janeiro de 2005 telefonou para o Centro de adoções e, do outro lado, melhor atenção e carinho não podia esperar.
– Muito bom dia. Posso ajudá-la?
– Bom dia. Gostaria de adotar e queria saber o que preciso fazer.
– Tem que ter mais de vinte e cinco anos e estar casado no mínimo há quatro anos.
– Tenho trinta, o meu marido trinta e dois e estou casada há treze anos.
– Então diga a sua morada e lhe enviaremos pelo correio um inquérito para ser respondido por si e pelo seu marido. Mas gostaríamos de informar que esse é um passo muito importante para si e para a sua família, mas ainda será mais importante para uma criança. Tem que ter a certeza que quer dar esse passo…
– Claro que sim! – respondeu Susana efusivamente, quase sem dar tempo para mais conversa do outro lado do telefone.
Após algum silêncio, ouve a resposta:
– Então até ao fim da próxima semana receberá o inquérito. Depois de respondido, envie-nos.
– Obrigada.
 – Obrigada, nós.
Depois de ter desligado o telefone, Susana pensou bastante no que estava a fazer. Era um sonho seu, mas seria justo “arrastar” para o seu sonho toda a sua família? O que tinha dito Carlos? Que estava 60% entusiasmado? Como se pode estar só 60% entusiasmado com uma filha? Não a consideraria ele como sua filha? E os avós? Como vão reagir? Susana já imaginava a reação de António, pai de Carlos… E a reação de Pepe, seu irmão? Tantas dúvidas… Nesse momento só pensava em Maria, sua madrasta,   que a compreenderia muito bem porque amou Susana como sua filha. É possível amar alguém tão intensamente sem existirem laços de sangue.
– Agora não volto atrás! Seja o que Deus quiser! Enfrentarei o que tiver de enfrentar!
Passados uns dias chegou o envelope com o respetivo inquérito, um para cada um. Eram oito páginas de perguntas e mais perguntas. Dados pessoais e familiares e outras de difícil resposta. Foi preenchido pelos dois, Carlos sempre com respostas curtas e diretas enquanto Susana escrevia, escrevia e escrevia. Começava com nome, data de nascimento, morada, habilitações literárias e filiação.
“No caso de falecimento de algum dos pais, indique qual a causa e a data.”
– Fogo! Precisam de saber tudo! – Carlos além de não gostar de escrever também não estava tão entusiasmado como Susana e, por isso, refilava a cada pergunta.
– Até querem saber se tenho irmão e sobrinhos! O que pensam eles? Que quem tiver terá mais jeito para adotar? Não tem muita lógica. Não concordas, amor?
Carlos chamou Susana de amor para tentar acalmar a sua agressividade, porque, no fundo, tinha concordado com a ideia por amor a Susana e não era justo, agora, ser agressivo. Mas o sonho parecia tão descabido e agora, com aquele inquérito na mão, tinha que aceitar o facto de que as coisas estavam a caminhar para um propósito. Aquele era o primeiro passo para aceitar toda aquela loucura de Susana.
– Sim, amor, concordo contigo – respondeu Susana, também amorosamente porque já estava a sentir que esse processo não estava a ser muito fácil para os dois.
 – Já leste a pergunta seguinte? Eles querem saber onde vivem os nossos pais, quer dizer que já querem saber onde vivem os avós da criança?
– Bem, no teu caso é fácil a resposta mas no meu é mais complicado. O meu pai está a viver no Brasil com o meu irmãozinho. A minha mãe está a viver em França com minha irmãzinha.
– Hehehe! Irmãozinhos? Susana, és sempre igual. Eles já têm dezoito anos.
– Tens razão, não precisas de gozar comigo. Sabes que para mim serão sempre os meus pequenos irmãos.
– Sim, sim… qualquer um deles é maior que tu – disse Carlos muito bem- disposto.
Susana riu-se e respondeu:
– É… eu sou a mais pequenina. Bem, vamos continuar a responder ao inquérito.
– Vamos. Com este inquérito eles tentam fazer um perfil da vida passada da pessoa. Perguntam sobre a infância, adolescência, escolas, quando começou a trabalhar, quando começou a ser independente dos pais…
– Carlos, sabes que a nossa infância e adolescência nos ensinam e ajudam a formar o nosso caráter, por isso, acho que essas perguntas todas até têm razão de ser. Como foi a tua infância?
Lendo esta pergunta Susana perdeu-se nas suas recordações. Foi parar ao ano de 1981, quando viajou para o Brasil. Um ano muito importante porque a sua vida alterou-se totalmente.

Ano 1981
Imagem retirada daqui
Em 21 de março, Susana, de sete anos, desembarca no Brasil de mãos dadas com o seu irmão Pedro, mais velho quatro anos. Tudo era novidade: o avião, o país e até o desconhecimento do motivo da viagem. O pai havia telefonado há sete dias para a casa dos avós paternos que viviam em Vila Nova de Gaia, Portugal, e dito apenas:
– As passagens já seguiram pelo correio, assim que as tiverem embarquem logo para o Brasil. Cá estarei à espera.
– Mas pai, e a mãe? – disse Susana na inocência dos seus sete anos. Mas este já havia desligado.
Susana era uma linda menina, morena com cabelos compridos que ondulavam naturalmente. Tinha olhos pretos e profundos que só a mãe sabia interpretar; ora tristes, ora felizes.
– Quando te zangas, pareces mesmo o teu pai – não se cansava de repetir Daniela, sua mãe.
Mas não era só nos olhos que tinha parecenças com o pai. Tinha um feitio difícil de lidar. Ninguém conseguia saber o que sentia, escondia os seus sentimentos e irritava-se consigo mesma quando isso acontecia. Só mesmo a mãe para interpretar corretamente todo o conjunto de emoções que transpiram numa criança como Susana. Uma criança com muita vontade de crescer depressa.
Na véspera da viagem, Susana sonhou com a mãe. Já não a via há três meses. Viviam em Lisboa quando a mãe lhes disse que eles iam passar um tempinho na casa dos avós, porque precisava resolver umas coisas. Que coisas seriam essas? Só depois de alguns meses, é que Susana e Pedro souberam o que estava a acontecer com os pais. Em janeiro, foi para a casa dos avós juntamente com o irmão.
– Filhos, vocês vão alguns meses para a casa dos avós e depois irei buscar- vos. Prometeu Daniela… e não cumpriu.
Susana e Pedro conversavam muito entre si. Apesar da diferença de idade e de sexo, eles eram muito próximos um do outro. Os anos seguintes ainda os uniram mais.
No sonho, Susana, corria para os braços da mãe, mas não conseguia alcançá-la. Por mais que corresse, a mãe parecia sempre longe. Susana gritava e chorava mas nada fazia com que a mãe fosse ter com ela. Desesperada, Susana acordou. O irmão despertara com a inquietação de Susana.
– O que foi, Susana?
– Nada, nada… apenas um sonho. Sonhei com a mãe.
– Mas estás tão assustada…
Silêncio. Pedro abraçou a irmã e voltou a falar:
– Não te preocupes, estarei sempre ao teu lado. De que tens medo?
 – A mãe? Onde está? Por que ninguém nos responde? Irrita-me pensarem que somos crianças e que não temos direito de saber o que se passa. Tens ideia do que aconteceu? – já gritava Susana.
– Xiu! Vais acordar os avós.
Pedro vivia a sua vidinha numa calma e descontração que, por vezes, irritava Susana.
Pedro era muito bonito. “ Vai ser um galã quando crescer!”, Pensava muitas vezes Susana. Era loiro, olhos castanhos-claros e com um olhar sempre meigo. Não desconfiava nem acreditava no mal do mundo. Muitos podiam até pensar que ele era ingénuo, mas para Susana era um menino que sabia viver sempre feliz com a vida que tinha.
– Susana, a mãe vai telefonar. Não te preocupes.
– És sempre o mesmo! Não te preocupes, não te preocupes… só sabes dizer isso? Ai, como me irrita quando não queres olhar à tua volta e ver que alguma coisa não está bem. Os nossos pais não estão bem. E nós? O que estamos a fazer com os nossos avós quando temos os nossos pais? E a escola? Não me venhas dizer que achas normal que o nosso pai, tão exigente nos estudos, nos faça interromper, sem mais nem menos, o ano escolar para irmos para outro país?
Pedro mantinha-se calado.
– Pedro! Vamos para o Brasil! Lá é tudo tão diferente daqui! Aqui o ano escolar já vai a meio enquanto lá começou em fevereiro. Achas normal? Responde! Não fiques calado!
Pedro hesitou um pouco e respondeu:
– Acho.
– Que raiva! És terrível! Insensível! – Susana virou-se para o lado e tentou dormir, não chegou a ver uma lágrima que corria dos olhos de Pedro.
Na verdade, Pedro não achava nada normal, mas Susana era sua irmãzinha e precisava protegê-la de todo mal que pudesse vir. Pedro adorava a mãe e também não imaginava a sua vida longe dela. Apesar dos seus onze anos ainda sofria um profundo complexo de Édipo, que o fez apaixonar-se pela mãe aos quatro anos e durou anos e anos. A mãe era a sua deusa. Não havia para ele mulher mais perfeita que sua mãe. Admirava-a muito. E tinha muitas saudades! Voltou a adormecer e também ele sonhou com a mãe; a mãe cantando-lhe uma canção, a mãe esperando-o no portão da escola, a mãe ajudando-o nos excessivos trabalhos de casa que o pai mandava, a mãe sempre ali, ao seu lado, a sorrir e a falar carinhosamente com ele. Não imaginava a sua vida sem a presença da mãe! A vida pregou -lhe uma partida…
As saudades da mãe eram tão grandes que naquele dia Pepe tinha escrito um poema, na aula de Português, e mesmo sem admitir que era um poema biográfico, a professora sabia.

“ Tesouro da minha infância
Quando eu era pequenino,
Acabado de nascer,
Os meus pais adoravam-me,
Agradeço-lhes com carinho
Todo o seu apoio
Enroladinho em cobertores.
Eu parecia um tesouro.
Cresci com todo o Amor,
Que a minha família me deu,
Mas o menino pequenino,
Aos poucos desapareceu.
Fui crescendo
Grande ele ficou,
Mas não foi por isso,
Que a família não me adorou.
Grande eu fiquei,
E a minha infância recordei,
Mas nunca esquecerei,
O que passei.
Agora já grande
Vejo o álbum
Que mostra
O que eu fui,
Mas eu continuei,
E sou agora,
O “grandinho” da mamãe.”

Pepe queria ter acabado o poema com a frase: Preciso de ti, mamãe!
O pai esperava-os no salão do desembarque. Sentia-se triste e suava imenso. Os seus olhos escuros estavam inchados de tristeza, as pálpebras fechavam constantemente, sinais evidentes de muitas noites mal dormidas, sempre a chorar. Mas não queria que os seus filhos o vissem assim. Foi à casa de banho molhar os olhos e tentar controlar o nervoso miudinho que se espalhava no corpo todo. Quando saiu da casa de banho o aviso do Boeing 747, de Lisboa, já piscava no ecrã do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro.


– Os meus filhos estão a chegar. Eles são a minha vida! – pensava Bernardo. O voo tinha sido feito com muita expectativa. As duas crianças nunca tinham viajado de avião e por algumas horas esqueceram-se das preocupações e tristezas. Para eles essa viagem era uma grande aventura. Tudo à volta deles parecia fantástico. As refeições, o filme, o viajarem só os dois, dez horas de viagem… Pedro foi à janela mas estava constantemente a cutucar Susana.
– Olha, olha que lindo! Passados uns minutos:
– Olha, Susana, estamos a atravessar as nuvens!
Os dois estavam muito excitados com a viagem mas como era um voo noturno, depois do jantar, o sono abateu-se sobre eles e dormiram cinco horas. Pedro foi o primeiro a acordar. A cabeça de Susana estava sobre o seu ombro e ele acariciou os seus cabelos. A irmã só despertou depois de vinte minutos. Quando acordaram sentiram pena por não terem conseguido ficar acordados a noite toda. Afinal era uma ocasião única, não havia ninguém para mandá-los para a cama. Tomaram o pequeno-almoço e sentiram-se como “gente grande”.
– Atenção, tripulação de cabine, preparar para o pouso – falou a voz do altifalante.
Texto: Hilda Bernadette
Edição: JP

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