domingo, 18 de março de 2012

Escrevo, logo existo…

Alberto de Freitas
Miguel Sousa Tavares, foto:AD
Miguel Sousa Tavares é realmente o herdeiro social-democrata de Saramago. Sem ter o Nobel, mas pela “audiência” leitora, sente-se um oráculo a quem o povo ignaro presta homenagem. Perante um microfone ou uma folha em branco, não resiste e bota cá para fora o que lhe vai na alma. Uma alma “taxista”, diga-se. No Expresso (texto abaixo) aplicou a teoria dos defensores de Carlos Cruz, em que cada vez que se viola uma criança, fazem ironia a perguntar se não seria a dita personagem o violador. Pode considerar-se uma equação do absurdo, ou absolvição por exagero.
Por tal princípio taxista, a história diluiria a responsabilidade. Hitler teria um cão, Bonaparte um cozinheiro, Mussolini uma amante, Salazar uma governanta e Pol Pot não estaria sozinho. As personagens que os povos “perseguem”  e a história não deixa morrer, foram pela sua importância, congregadoras de ações num período histórico. Pouco tem a ver com a dimensão da personagem, mas com a dimensão dos “estragos”. Mesmo que sejam “estragos” pela positiva. Sócrates não fez tudo sozinho e, talvez não tenha feito nada, mas facilitou e permitiu. Talvez tenha encorajado, ou talvez não tenha tido “força” para desencorajar. Mas não pode deixar de ser citado. Eu, que não gosto da personagem, não lhe retiro importância, não o desconsidero como se nada tivesse a ver com a situação. Seria uma injustiça “esquecê-lo”. Duvido até que ele o queira.
Claro que Sócrates não inventou nada. Não existem direitos de autor a respeitar, mas devemos evitar a “contrafação”. Porque em todas as atividades existem os “imitadores”, a que se deve ter a maior atenção.
Não se pode imputar ao “universo” Sócrates as ações deste governo, mas pode procurar-se em Sócrates as razões para as ações dos governos subsequentes. Infelizmente, “o lavar e ficar como novo”, é verdade para algumas coisas, mas não para todas. A recuperação da economia, uma delas.
Texto: Alberto de Freitas

Diga ‘Sócrates’ e tudo se explica
Miguel Sousa Tavares
Marcelo Rebelo de Sousa enganou-se: o desporto nacional da moda não é o tiro a Cavaco, mas sim tiro a Sócrates. E isso não é de bom prenúncio, por uma razão simples: enquanto que o primeiro ainda está (e como está!) na plenitude das suas funções e por mais quatro anos, o segundo vai fazer em breve um ano que se foi e que já não risca nada. E é muito mau sintoma que, quase um ano decorrido, a generalidade dos portugueses, políticos e civis, ainda ache que a palavra mágica ‘Sócrates’ tudo explica, tudo justifica e a todos desculpabiliza. Insere-se nesta atitude a tese, tão enfaticamente defendida por Pacheco Pereira e outros, de que dizer que a culpa do que nos aconteceu é um pouco de todos é uma manobra destinada a encobrir os verdadeiros culpados e, entre eles, o culpado eleito pelo país, com alívio geral: José Sócrates. Claro que em rigor, a culpa não é de todos: houve quem, nos anos de descontrolo das contas públicas, toda uma década, não tivesse beneficiado nem de cargos ou sinecuras públicas, de contratos, incentivos ou isenções fiscais concedidas pelo Estado, quem, enfim, tenha dado muito mais do que recebeu ao seu país. Mas, por favor, corrijam-me se estou errado: alguém ouviu um banco queixar-se do despesismo público e do endividamento privado? Alguém viu as grandes construtoras de obras públicas – dos aeroportos, dos TGV, das pontes, das barragens, das auto-estradas – preocupadas com os gastos do Estado?

Alguém ouviu um autarca dizer que não precisava de mais dinheiro para criar empresas municipais, construir rotundas ou piscinas públicas dez vezes mais caras que o preço normal? Alguém ouviu a oposição reclamar menos investimento público, menos gastos com a educação, a saúde, a cultura, as reformas, as Forças Armadas, as autarquias? Se alguém sabe disso, por favor dê-me notícia, porque eu não consigo recordar-me.
José Sócrates, foto: AD
Vezes sem conta, anos a fio, escrevi aqui contra o desvario despesista do governo Sócrates e outros antes dele. Contra Mário Lino e Paulo Campos, contra o TGV, contra o novo aeroporto de Lisboa, contra os projectos PIN e as PPP, contra as auto-estradas desertas  e os negócios das barragens da EDP, contra o Terminal de Contentores de Lisboa, contra o saque organizado do dr. Jardim sobre os contribuintes, contra a nacionalização do BPN, contra os enredos particulares da Caixa Geral de Depósitos, contra os escritórios da advocacia de tráfico de influências, presentes em todos os grandes negócios ruinosos para o país. Contra aquilo a que chamei então “a fatal atracção dos socialistas pelo grande capital”. Mas esta semana, todos tivemos ocasião de constatar que, no que toca às relações entre o Estado e os poderosos, nada de essencial mudou: é assim com a Lusoponte, com a Mota-Engil, com o BPN, com a Brisa ou com a EDP. Um governo que se gaba de ir além do acordado com a troika, quando se trata de atingir os fracos, afinal está muito aquém do que a troika recomendou para com os fortes.
Mas a culpa continua a ser de Sócrates. Descobrimos que o Secretário de Estado queria mesmo pagar duas vezes à Lusoponte, mas a culpa é de Sócrates. Descobrimos que a Brisa reclama mil milhões de euros (!) de indeminização porque a introdução de portagens numa SCUT diminui as suas expectativas de receita, e a culpa é de Sócrates. Descobrimos que mais depressa se derruba um secretário de Estado do que os lucros da EDP à custa dos consumidores, e a culpa é de Sócrates. Quer-se investigar como é que este Governo já gastou 900 milhões de euros a “privatizar” o BPN, e é preciso é investigar Sócrates. E assim sucessivamente. O nome Sócrates é o santo-e-senha que chama a si todos os males e toda a sujidade, limpando tudo o resto, agora e para sempre.
Seria fácil se fosse verdade e se, de facto, servisse para explicar tudo, mas infelizmente, não é o caso. O ‘fantasma de Paris’ é apenas o último dos culpados de uma longa história que reserva pouco lugar a inocentes: é o homem certo no momento certo para a explicação que a todos mais convém. Num país generosamente dado à ausência de memória, o descalabro de Sócrates tem a virtude de apagar outros passados, como o facto de o primeiro grande despesista da história recente ter sido Cavaco Silva, de o primeiro ministro das Finanças a deixar descontrolar o défice ter sido Pina Moura, de o governante que mais danos financeiros causou a Portugal ter sido João Cravinho, de o primeiro-ministro das Finanças a usar truques criativos para disfarçar o défice ter sido Manuela Ferreira Leite, logo seguida por Bagão Félix, no irresponsável governo de Santana Lopes, e por aí fora. No fundo, todos sabemos que os 170.000 milhões de euros de dívida que acumulámos, são, em grande parte, responsabilidade de um grupo selecto de gente que é sempre a mesma e que ora são governo, ora são oposição, ora estão nas empresas públicas, ora estão nas empresas privadas com que negociaram enquanto governantes, ora estão no Banco de Portugal, ora estão na pasta das Finanças a fazer o que antes criticavam, ora estão nos escritórios que assinam os contratos em nome do Estado, ora estão nos mesmos escritórios a negociar e a litigar contra o Estado. Um dia, seria até salutar fazer uma lista dos membros deste Clube da República, bem mais interessante e influente do que a lista dos maçons ou dos benfiquistas.
O tiro a Sócrates é uma espécie de escape colectivo, que serve para descarregar as ilusões e as frustrações por um excesso de ambição que os levou a querer acreditar que os milagres existem – e por isso votaram nele, com antes tinham votado em Cavaco. Para os grandes, para os beneficiários directos, serve para disfarçarem o seu comprometimento. Pois se eu até já vi o futebolista Figo (a quem Sócrates pagou o pequeno-almoço mais caro da história) ou o filósofo Carrilho (a quem deu o mais apetecível tacho disponível no país) virem agora execrá-lo!
Nada disso desculpa Sócrates: pelo contrário, as más companhias de que tantas vezes se rodeou foram, justamente, uma das suas fraquezas determinantes. Mas não impede que o espetáculo seja desagradável à vista. Todos sabemos que o que move a prestimável Associação Sindical dos Juízes num inaudito zelo investigatório sobre todas as despesas pessoais do anterior governo é apenas uma vingança tardia sobre os quinze dias de férias que ousarm tentar tirar-lhes. E todos sabemos que o tão comentado prefácio do dr. Cavaco a um livro que ninguém irá ler não tem qualquer fundamento político, constitucional ou histórico, mas apenas relecte a sua inextinguível sede de vingança pela revelação do que foram as relações entre o BPN e o homem que é tão sério que é preciso alguém nascer duas vezes para se lhe poder comparar. Todos já vimos demasiado Cavaco para poder ignorar a sua biografia. Este é o homem que não é “político profissional” e que nada mais faz do que política há trinta anos, mas apenas a pensar em si próprio. Este é o homem que teve sempre a arte de aparecer nos momentos fáceis (dinheiros europeus ou vitória eleitoral garantida) e desaparecer nos momentos difíceis (a morte de Sá Carneiro, o primeiro resgate do FMI). O homem que nunca enfrenta os adversários em terreno aberto, mas só quando os sente enfraquecidos ou derrotados. O homem capaz de patrocinar, tolerar ou calar uma conspiração montada no seu palácio contra o primeiro-ministro em funções e depois vir queixar-se da deslealdade deste. O homem que protege os seus aliados, mas só enquanto eles não se lhe tornem inconvenientes. Um homem que, de facto, Sócrates não respeitava. Como Soares não respeitou, como não respeitam Passos Coelho ou Paulo Portas.
Se quisermos olhar para trás, para percebermos o que nos aconteceu, seria bom que o fizéssemos com um mínimo de seriedade. Mas era mais importante olhar para a frente e cobrar de quem agora manda.
Texto: Miguel Sousa Tavares, no Expresso, 17-03-2012, página 7
Digitação e Edição: JP

O autor escreveu um competente (claro, não fosse ele quem é) ensaio sofístico sobre o seu amigo José Sócrates. Ficamos a saber que os erros de Sócrates, se os houve ou quando houve, foram causados pelas “más companhias de que tantas vezes se rodeou…”.
E o autor termina com um dos seus tiros costumeiros (é só ouvi-lo na SIC): a… Cavaco Silva!

Aqui tem outro panegírico a José Sócrates. Portanto, nada surpreendente no ensaio do sr. Sousa Tavares.

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