Alberto de Freitas
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Miguel Sousa Tavares, foto:AD |
Miguel Sousa Tavares é realmente o herdeiro
social-democrata de Saramago. Sem ter o Nobel, mas pela “audiência” leitora,
sente-se um oráculo a quem o povo ignaro presta homenagem. Perante um microfone
ou uma folha em branco, não resiste e bota cá para fora o que lhe vai na alma.
Uma alma “taxista”, diga-se. No Expresso (texto abaixo) aplicou a teoria dos
defensores de Carlos Cruz, em que cada vez que se viola uma criança, fazem
ironia a perguntar se não seria a dita personagem o violador. Pode
considerar-se uma equação do absurdo, ou absolvição por exagero.
Por tal princípio taxista, a história diluiria a
responsabilidade. Hitler teria um cão, Bonaparte um cozinheiro, Mussolini uma
amante, Salazar uma governanta e Pol Pot não estaria sozinho. As personagens
que os povos “perseguem” e a história
não deixa morrer, foram pela sua importância, congregadoras de ações num
período histórico. Pouco tem a ver com a dimensão da personagem, mas com a
dimensão dos “estragos”. Mesmo que sejam “estragos” pela positiva. Sócrates não
fez tudo sozinho e, talvez não tenha feito nada, mas facilitou e permitiu.
Talvez tenha encorajado, ou talvez não tenha tido “força” para desencorajar.
Mas não pode deixar de ser citado. Eu, que não gosto da personagem, não lhe
retiro importância, não o desconsidero como se nada tivesse a ver com a
situação. Seria uma injustiça “esquecê-lo”. Duvido até que ele o queira.
Claro que Sócrates não inventou nada. Não existem
direitos de autor a respeitar, mas devemos evitar a “contrafação”. Porque em
todas as atividades existem os “imitadores”, a que se deve ter a maior atenção.
Não se pode imputar ao “universo” Sócrates as
ações deste governo, mas pode procurar-se em Sócrates as razões para as ações
dos governos subsequentes. Infelizmente, “o lavar e ficar como novo”, é verdade
para algumas coisas, mas não para todas. A recuperação da economia, uma delas.
Texto: Alberto de Freitas
Diga ‘Sócrates’ e tudo se explica
Miguel Sousa Tavares
Marcelo Rebelo de Sousa enganou-se: o desporto
nacional da moda não é o tiro a Cavaco, mas sim tiro a Sócrates. E isso não é
de bom prenúncio, por uma razão simples: enquanto que o primeiro ainda está (e
como está!) na plenitude das suas funções e por mais quatro anos, o segundo vai
fazer em breve um ano que se foi e que já não risca nada. E é muito mau sintoma
que, quase um ano decorrido, a generalidade dos portugueses, políticos e civis,
ainda ache que a palavra mágica ‘Sócrates’ tudo explica, tudo justifica e a
todos desculpabiliza. Insere-se nesta atitude a tese, tão enfaticamente
defendida por Pacheco Pereira e outros, de que dizer que a culpa do que nos
aconteceu é um pouco de todos é uma manobra destinada a encobrir os verdadeiros
culpados e, entre eles, o culpado eleito pelo país, com alívio geral: José
Sócrates. Claro que em rigor, a culpa não é de todos: houve quem, nos anos de
descontrolo das contas públicas, toda uma década, não tivesse beneficiado nem
de cargos ou sinecuras públicas, de contratos, incentivos ou isenções fiscais
concedidas pelo Estado, quem, enfim, tenha dado muito mais do que recebeu ao
seu país. Mas, por favor, corrijam-me se estou errado: alguém ouviu um banco
queixar-se do despesismo público e do endividamento privado? Alguém viu as
grandes construtoras de obras públicas – dos aeroportos, dos TGV, das pontes,
das barragens, das auto-estradas – preocupadas com os gastos do Estado?
Alguém
ouviu um autarca dizer que não precisava de mais dinheiro para criar empresas
municipais, construir rotundas ou piscinas públicas dez vezes mais caras que o
preço normal? Alguém ouviu a oposição reclamar menos investimento público,
menos gastos com a educação, a saúde, a cultura, as reformas, as Forças Armadas,
as autarquias? Se alguém sabe disso, por favor dê-me notícia, porque eu não
consigo recordar-me.
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José Sócrates, foto: AD |
Vezes sem conta, anos a fio, escrevi aqui contra o
desvario despesista do governo Sócrates e outros antes dele. Contra Mário Lino
e Paulo Campos, contra o TGV, contra o novo aeroporto de Lisboa, contra os
projectos PIN e as PPP, contra as auto-estradas desertas e os negócios das barragens da EDP, contra o
Terminal de Contentores de Lisboa, contra o saque organizado do dr. Jardim
sobre os contribuintes, contra a nacionalização do BPN, contra os enredos
particulares da Caixa Geral de Depósitos, contra os escritórios da advocacia de
tráfico de influências, presentes em todos os grandes negócios ruinosos para o
país. Contra aquilo a que chamei então “a fatal atracção dos socialistas pelo
grande capital”. Mas esta semana, todos tivemos ocasião de constatar que, no
que toca às relações entre o Estado e os poderosos, nada de essencial mudou: é
assim com a Lusoponte, com a Mota-Engil, com o BPN, com a Brisa ou com a EDP.
Um governo que se gaba de ir além do acordado com a troika, quando se trata de
atingir os fracos, afinal está muito aquém do que a troika recomendou para com os fortes.
Mas a culpa continua a ser de Sócrates.
Descobrimos que o Secretário de Estado queria mesmo pagar duas vezes à
Lusoponte, mas a culpa é de Sócrates. Descobrimos que a Brisa reclama mil
milhões de euros (!) de indeminização porque a introdução de portagens numa
SCUT diminui as suas expectativas de receita, e a culpa é de Sócrates. Descobrimos
que mais depressa se derruba um secretário de Estado do que os lucros da EDP à
custa dos consumidores, e a culpa é de Sócrates. Quer-se investigar como é que
este Governo já gastou 900 milhões de euros a “privatizar” o BPN, e é preciso é
investigar Sócrates. E assim sucessivamente. O nome Sócrates é o santo-e-senha
que chama a si todos os males e toda a sujidade, limpando tudo o resto, agora e
para sempre.
Seria fácil se fosse verdade e se, de facto,
servisse para explicar tudo, mas infelizmente, não é o caso. O ‘fantasma de
Paris’ é apenas o último dos culpados de uma longa história que reserva pouco
lugar a inocentes: é o homem certo no momento certo para a explicação que a
todos mais convém. Num país generosamente dado à ausência de memória, o
descalabro de Sócrates tem a virtude de apagar outros passados, como o facto de
o primeiro grande despesista da história recente ter sido Cavaco Silva, de o
primeiro ministro das Finanças a deixar descontrolar o défice ter sido Pina
Moura, de o governante que mais danos financeiros causou a Portugal ter sido
João Cravinho, de o primeiro-ministro das Finanças a usar truques criativos
para disfarçar o défice ter sido Manuela Ferreira Leite, logo seguida por Bagão
Félix, no irresponsável governo de Santana Lopes, e por aí fora. No fundo,
todos sabemos que os 170.000 milhões de euros de dívida que acumulámos, são, em
grande parte, responsabilidade de um grupo selecto de gente que é sempre a
mesma e que ora são governo, ora são oposição, ora estão nas empresas públicas,
ora estão nas empresas privadas com que negociaram enquanto governantes, ora
estão no Banco de Portugal, ora estão na pasta das Finanças a fazer o que antes
criticavam, ora estão nos escritórios que assinam os contratos em nome do
Estado, ora estão nos mesmos escritórios a negociar e a litigar contra o
Estado. Um dia, seria até salutar fazer uma lista dos membros deste Clube da
República, bem mais interessante e influente do que a lista dos maçons ou dos
benfiquistas.
O tiro a Sócrates é uma espécie de escape
colectivo, que serve para descarregar as ilusões e as frustrações por um
excesso de ambição que os levou a querer acreditar que os milagres existem – e por
isso votaram nele, com antes tinham votado em Cavaco. Para os grandes, para os
beneficiários directos, serve para disfarçarem o seu comprometimento. Pois se
eu até já vi o futebolista Figo (a quem Sócrates pagou o pequeno-almoço mais
caro da história) ou o filósofo Carrilho (a quem deu o mais apetecível tacho
disponível no país) virem agora execrá-lo!
Nada disso desculpa Sócrates: pelo contrário, as
más companhias de que tantas vezes se rodeou foram, justamente, uma das suas
fraquezas determinantes. Mas não impede que o espetáculo seja desagradável à
vista. Todos sabemos que o que move a prestimável Associação Sindical dos
Juízes num inaudito zelo investigatório sobre todas as despesas pessoais do
anterior governo é apenas uma vingança tardia sobre os quinze dias de férias
que ousarm tentar tirar-lhes. E todos sabemos que o tão comentado prefácio do
dr. Cavaco a um livro que ninguém irá ler não tem qualquer fundamento político,
constitucional ou histórico, mas apenas relecte a sua inextinguível sede de
vingança pela revelação do que foram as relações entre o BPN e o homem que é
tão sério que é preciso alguém nascer duas vezes para se lhe poder comparar.
Todos já vimos demasiado Cavaco para poder ignorar a sua biografia. Este é o
homem que não é “político profissional” e que nada mais faz do que política há
trinta anos, mas apenas a pensar em si próprio. Este é o homem que teve sempre
a arte de aparecer nos momentos fáceis (dinheiros europeus ou vitória eleitoral
garantida) e desaparecer nos momentos difíceis (a morte de Sá Carneiro, o
primeiro resgate do FMI). O homem que nunca enfrenta os adversários em terreno
aberto, mas só quando os sente enfraquecidos ou derrotados. O homem capaz de
patrocinar, tolerar ou calar uma conspiração montada no seu palácio contra o
primeiro-ministro em funções e depois vir queixar-se da deslealdade deste. O
homem que protege os seus aliados, mas só enquanto eles não se lhe tornem
inconvenientes. Um homem que, de facto, Sócrates não respeitava. Como Soares
não respeitou, como não respeitam Passos Coelho ou Paulo Portas.
Se quisermos olhar para trás, para percebermos o
que nos aconteceu, seria bom que o fizéssemos com um mínimo de seriedade. Mas
era mais importante olhar para a frente e cobrar de quem agora manda.
Texto: Miguel Sousa Tavares, no Expresso,
17-03-2012, página 7
Digitação e Edição: JP
O autor escreveu um competente (claro, não fosse
ele quem é) ensaio sofístico sobre o seu amigo José Sócrates. Ficamos a saber
que os erros de Sócrates, se os houve ou quando houve, foram causados pelas “más
companhias de que tantas vezes se rodeou…”.
E o autor termina com um dos seus tiros costumeiros
(é só ouvi-lo na SIC): a… Cavaco Silva!
Aqui tem outro panegírico a José Sócrates. Portanto, nada surpreendente no ensaio do sr. Sousa Tavares.
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