Foto: AD |
José Pio Martins
Os gregos acham que estão
sendo humilhados. Em realidade, eles estão se portando como o bêbado que
atribui a culpa por sua crise de abstinência ao dono do alambique, porque este
resolveu cortar o fornecimento de cachaça.
Em uma carta enviada a Karolus
Magnus (Carlos Magno), Santo Alcuíno de York disse: “Vox populi, vox dei”, ou
seja, a voz do povo é a voz de Deus. Entre os especialistas de marketing, esse
ditado tornou-se famoso e, para muitos, a voz do povo é a voz da verdade e
ponto final. Isso pode valer para situações de marketing ou de política, mas
dizer que algo é verdadeiro ou racional apenas porque a multidão inflamada o
afirma é cientificamente falso.
A democracia, por exemplo, é a
voz do povo expressada nas urnas. Nem por isso a democracia é o governo dos
melhores. No máximo, é o governo dos mais numerosos. A eleição repetida de
pilantras e idiotas está a provar que tudo é uma questão de quantidade de
votos, não de méritos. Roberto Campos até ironizava, dizendo que a “parcela
substancial da sociedade é composta de idiotas e seria uma injustiça se os
idiotas não estivessem representados”.
Essa questão ocorreu-me a
propósito de duas faixas brandidas pela multidão de gregos que protestavam
contra o pacote econômico baixado pelo governo. Uma faixa dizia: “Queremos um
governo a favor do cidadão e não do mercado”. A outra: “Os cidadãos não aceitam
ser humilhados pelo FMI e pela União Europeia”.
Na primeira faixa, há uma
esquisitice: a separação entre mercado e pessoas. As entidades econômicas de
uma nação são três: as pessoas, as empresas e o governo. O mercado é apenas e
tão somente os bilhões de transações feitas pelas pessoas, pelas empresas e
pelo governo uns com os outros de forma direta ou cruzada. Sem as pessoas, não
existe o mercado.
Quanto à segunda faixa, os
gregos vêm vivendo acima de suas possibilidades há muito tempo. Trata-se de um
povo que consome mais do que produz, como uma família que produz 10 quilos de
pizza por dia e come 15, o que só é possível continuar enquanto houver vizinhos
dispostos a fornecer cinco quilos de pizza todos os dias, mediante a promessa
de que, no futuro, tudo será devolvido com juros. O problema é que os vizinhos
começaram a desconfiar de que os gregos jamais vão parar de consumir mais do
que produzem e, portanto, não vão pagar suas dívidas.
Alguns dados mostram a
insanidade econômica da Grécia. Os funcionários públicos recebem 15 salários anuais e podem se aposentar aos 55 ou 50 anos. Os salários dos servidores
públicos são muito maiores do que os salários do setor privado. O quadro de
funcionários do governo grego dobrou nos últimos dez anos. Uma ferrovia estatal
do país tem receitas de 100 milhões de euros anuais e somente a folha de
pessoal é de 400 milhões.
Para calar os sindicatos
privados, o governo grego aprovou lei dando aposentadoria aos 50 anos para
trabalhadores privados de profissões “árduas”. A lei listou 600 tipos de
profissões árduas, entre elas, cabeleireiros, médicos, motoristas de táxi. O
país não tem registro de imóveis e não sabe quem são os proprietários. Não há
controle sobre os ganhos das pessoas e, por isso, não há identificação de quem
são os sonegadores de impostos. A Grécia é uma piada econômica, a ponto de o
FMI dizer que nenhuma informação financeira do país é verdadeira.
E os gregos acham que estão
sendo humilhados. Em realidade, eles estão se portando como o bêbado que
atribui a culpa por sua crise de abstinência ao dono do alambique, porque este
resolveu cortar o fornecimento de cachaça. Definitivamente, na Grécia, a voz do
povo não é a voz de Deus, muito menos a voz da verdade e da razão. É a voz de
um povo iludido, que teve suas feridas expostas quando descobriu que, por ter
adotado o euro, perdeu o direito de emitir dinheiro para pagar seus déficits.
A crise grega é diferente da
crise norte-americana. Nos Estados Unidos, o sistema financeiro jogou sobre os
lombos do governo o custo de seus erros. Na Grécia, o governo e a sociedade
jogaram sobre o sistema financeiro sua orgia econômica. Nos EUA, os bancos
quebraram o país. Na Grécia, o país quebrou os bancos.
A crise grega estourou porque
os bancos estrangeiros resolveram que não vão continuar dando dinheiro para o
governo seguir gastando mais do que arrecada. Portanto, a grita da multidão na
praça de Atenas não é a voz de Deus. Nesse caso, Vox populi, vox dei não é aplicável, a menos que, na Grécia, os
deuses tenham enlouquecido e esquecido as mais elementares lições de economia.
Título e Texto: José Pio Martins, economista,
é reitor da Universidade Positivo, publicado no jornal “Gazeta do Povo”
(Paraná)
Colaboração: Álvaro Pedreira
de Cerqueira
Edição: JP
![]() |
Foto: AD |
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-