Folha de S. Paulo
Assim como seu antecessor, o
novo livro de Leandro Narloch (dessa
vez, em companhia de Duda Teixeira)
"Guia Politicamente Incorreto da
América Latina" (LeYa), analisa histórias de heróis e revoluções
talvez um pouco exageradas, equivocadas ou mentirosas mesmo, só que em um
cenário um pouco mais extenso, porém, do mesmo modo controverso e mítico dos
países latinos.
A expressão "é tudo
farinha do mesmo saco" cai muito bem nesse caso, pois como explicam os
autores, as línguas, culturas e costumes podem ser muito diferentes, mas
curiosamente, o passado, decerto é sempre o mesmo: sofrido.
"Talvez a principal
semelhança entre os latino-americanos não seja algo que venha de nossos
longínquos antepassados, como a língua, e sim em um traço recente, forjado lentamente
ao longo de séculos. Bolivianos, mexicanos, brasileiros e todos os demais,
quando vislumbram o próprio passado, contam exatamente a mesma história."
Logo de saída, Narloch e
Teixeira apresentam um guia básico que "define" os latino-americanos.
A partir disso, as próximas páginas vão esmiuçar os fatos e as vidas de grandes
personagens, como Che Guevara, Perón e Evita, Astecas, Mais e Incas, Salvador
Allende e Pancho Villa, sempre com bom humor e referências de dezenas de
artigos de estudiosos que apontam possibilidades para se pensar as histórias,
tão recalcadas nos tradicionais livros de história, sob novos pontos de vista.
Antes de desmascarar os
personagens, leia a fórmula básica para ser um bom latino-americano:
1. Lamentar. Todo latino-americano
nutre uma obsessão por episódios tristes de sua história: o massacre dos
índios, os horrores da escravidão, a violência das ditaduras. Além dessas
histórias de opressão, nada de bom aconteceu.
2. Encarar a cultura local
como uma forma de resistência. Fica proibido ligar na tomada instrumentos
musicais típicos e populares e passa a ser um requisito moral usar ponchos e
saias coloridas - ou pelo menos desfilar com um colar de artesanato indígena.
3. Condenar o capitalismo. O
latino-americano que honra o nome acredita que o comunismo foi uma ideia boa,
só que mal implantada. E, se já não luta para implantar esse falido modelo por
aqui, ao menos defende sistemas mais "sociais",
"solidários", "justos" e "comunitários".
4. Denunciar a dominação externa.
Se a responsabilidade pelos problemas do continente não pode ser atribuída à
Espanha, à França ou a Portugal, então certamente tem alguma mão da Inglaterra
ou dos Estados Unidos. Ou, como prega o livro As Veias Abertas da América
Latina, clássico desse pensamento simplista, "a cada país dá-se uma
função, sempre em benefício do desenvolvimento da metrópole estrangeira do
momento".
5. Cultuar heróis perversos.
Quanto mais bobagens eles falarem e quanto mais sabotarem seu próprio país,
mais estátuas equestres e estampas em camisetas serão feitas em sua homenagem.
Tudo neste livro é contra
essas regras tão batidas para se contar a história da América Latina. Não nos
sentimos representados por guerrilheiros ou por indignados líderes andinos e
suas roupas coloridas. Não há aqui destaque para veias abertas do continente,
mas para feridas devidamente tratadas e curadas com a ajuda de grandes
potências. Conhecemos bem as tragédias que nossos antepassados índios e negros
sofreram, mas, honestamente, estamos cansados de falar sobre elas.
E acreditamos que todos os
povos passaram por desgraças semelhantes, inclusive aqueles que muitos de nós
adoramos acusar. Por isso, quando vítimas da história aparecerem nesta obra, é
para revelarmos que elas também mataram e escravizaram - e como elas se
beneficiaram com
ideias e costumes vindos de fora.
Figuras ilustres da América
Latina também passam neste livro, mas longe de nós mostrar somente que elas não
são tão admiráveis quanto se diz. Na história de quase todo país, é comum
abrilhantar as palavras de figuras públicas e até inventar virtudes de seu
caráter - e não passa de chatice ficar insistindo numa realidade menos
interessante.
Acontece que na América Latina
se vai além: escolhem-se como heróis justamente os homens que mais atrapalharam
a política, mais arruinaram a economia, mais perseguiram os cidadãos. Não
importam as tragédias que Salvador Allende, Che Guevara e Juan Perón tenham
tornado possíveis.
Importantes são o carisma, o
rosto fotogênico, a morte trágica, os discursos inflamados contra estrangeiros.
Por isso, não há como escapar: é ele, o falso herói latino-americano, o
principal alvo deste livro.
Texto: Folha de S. Paulo,
08-08-2011
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Leandro Narloch e Duda Teixeira, foto: Divulgação |
Edição: JP
Não é só na América Latina que se encontram esses falsos heróis e/ou esses falsos inimigos, não, não é só!!
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